Os vendedores de guarda - chuva e o due diligence legal

24/06/2015

Por Charles M. Machado - 24/06/2015

Os momentos de crise, são permanentes produtores de oportunidades, afinal é só ver quantos vendedores de guarda-chuva aparecem quando iniciam as primeiras gotas de água. Basta o primeiro trovão para que qualquer centro de cidade seja invadida pelos vendedores de guarda chuva, isso é o que se pode chamar de senso de oportunidade, um valor jurídico tutelado na nossa Magna Carta, quando defende a Livre Iniciativa.

Nesse momento, segundo recente matéria do Jornal Valor Econômico, 53% das empresas procuram Joint Ventures para o enfrentamento da crise, e outras 39% analisam a aquisição de ativos de outras empresas.

Para qualquer dos caminhos os procedimentos de due diligence tornaram-se corriqueiros nesses processos, afinal eles visam precisamente à identificação de contingências que possam desfigurar o valor dos ativos envolvidos no ato negocial.

Tudo porque uma leitura apressada ou apaixonada aos olhos de uma ou de ambas as partes pode muitas vezes construir obstáculos intransponíveis e que não só acaba por inviabilizar o negócio, como contaminar os existentes antes do ato comercial.

A repercussão patrimonial que uma aquisição, isso para delimitarmos os exemplos, mal realizada podem acarretar, assumem cada vez mais dimensões nunca dantes imaginadas, afinal o país é rico na produção de normas que pouco ajudam a vida do empresário.

Pode-se bem dividir os procedimentos de due diligence em duas etapas, em primeiro momento, como ponto de partida, verifica-se os registros contábeis da empresa em questão, com a apuração e confrontação das declarações e livros contábeis exigidos pela legislação.

Nessa primeira etapa importa identificar nos registros contábeis possíveis passivos que podem vir a serem identificados por um procedimento fiscalizatório, e que invariavelmente, mudam o desenho do negócio, não que a empresa não possa ter, mas de forma alguma o adquirente não pode deixar de identificar, seja na melhor formatação da precificação do negócio, ou na readequação a forma em que o negócio se dará.

É importante identificar-se que quanto maior a transparência desses processo, menos problemas essa relação pode ter no futuro, até porque o Código Civil, confere ao comprador o direito de obter a redução proporcional do preço, podendo até mesmo pleitear o desfazimento do negócio, nos casos em que a coisa vendida, por conta desses vícios ocultos tenha o valor reduzido ou perca a sua utilidade.

A segunda etapa do processo de due diligence, também é conhecida como auditoria jurídica, em razão da análise não só dos números contábeis e da sua repercussão legal, mas da necessidade de identificação jurídica das responsabilidades da adquirida e das conseqüências futuras que a aquisição pode trazer.

A realização de um processo de due diligence tem sempre objetivos bem determinados e que nunca devem deixar de analisar as seguintes questões:

Questões tributárias

verificar os processos administrativos e judiciais decorrentes de auto de infração que tenham sido lançados pelo poder tributante, pelos três entes (União, estado e Município), a respectiva natureza do tributo e da infração que acarretaram o lançamento, assim com o momento processual em que essa inscrição de débito se encontra.

Identificar o instante do processo permite estabelecer um roteiro das restrições patrimoniais que possam vir a ocorrer ou que por ventura tenham ocorrido.

Essa informação é de suma importância, pois seguramente influenciará na forma da aquisição do negócio.

b. A identificação dos exercícios sociais que tenham sido objeto de fiscalização por parte dos entes tributantes, assim como os que ainda podem ser fiscalizados.

A identificação da freqüência com que a empresa tem sido fiscalizada.

As provisões, para as contingências fiscais, se elas existem e o que abordam

Apuração das competências fiscais, com os respectivos fatos geradores apurados e a identificação do seu pagamento, que permita identificar futuras contingências.

Questões societárias

Deve-se avaliar os atos constitutivos da empresa e seu estado perante os órgãos responsáveis pelo registro de comércio, que permite analisar se a aquisição pode seguir adiante nos moldes tratados inicialmente.

Análise dos livros onde se registram os atos societários, para que se verifique a regularidade dos atos neles registrados.

Questões trabalhistas

identificação da situação de registros dos colaboradores.

apuração do contencioso trabalhista, havido ou por haver, identificando o estágio em que os mesmos se encontram.

confrontação entre as convenções coletivas e as anotações trabalhistas.

d. Identificar a existência de limitações as alterações que podem ocorrer no modus operandi por conta da aquisição.

Questões das relações contratuais

Exame apurado dos contratos firmados pela empresa e em vigência.

Exame dos contratos que porventura criaram contencioso legal, quantificando-se as contingências e as possíveis restrições patrimoniais decorrentes dessas.

Questões atinentes a titulação dos ativos

Verificação da regularidade documental dos principais bens componentes do ativo.

Verificação de quaisquer outros bens que por razões diversas interessam ou possam a vir afetar o negócio.

Identificação dos custos para regularização desses bens.

Questões ambientais

Identificação situacional da regularidade das certidões e licenças ambientais que sejam exigíveis pela natureza operacional do negócio.

Apuração de eventuais processos judiciais ou administrativos de índole ambiental em que a empresa esteja envolvida.

Apurar eventuais termos de ajuste de conduta que a empresa esteja tendo de cumprir. 

Questões das relações com os consumidores

Verificação das relações com os consumidores e com os órgãos de defesa do consumidor.

Análise dos processos existente contra a empresa, bem como identificação de condutas sujeitas a notificações.

Nota-se que essas questões não esgotam a análise devendo ser particularizadas em decorrência das especificidades do negócio, e as suas afetações.

A aquisição de um novo negócio ou de uma empresa, é para muitas o caminho mais rápido para o crescimento, porém o que muitas vezes pode parecer um bom negócio, quando não são tomados os cuidados primários acabam contaminando o negócio já existente.

Nesse breviário artigo, procurou-se traçar em linhas gerais os principais pontos, que devem ser seguidos seja a sua empresa adquirente ou adquirida, uma vez que somos sabedores dos inúmeros impulsos que acompanham precipitadas tomadas de decisão.

Para se evitar desgaste das partes envolvidas durante essa etapa da transação comercial, recomenda-se que o due diligence seja precedido de termos de compromisso de confidencialidade, bem como a especificação das regras que vão arbitrar o fluxo das informações durante esse período de negociação, evitando assim atrasos e conflitos entre as equipes envolvidas.

Esperamos ter dessa forma estabelecido premissas que lhe auxiliem na tomada de decisão de novos negócios, estabelecer esse roteiro, não tem por finalidade burocratizar o ato negocial, mas sim cercar a ambas as partes de uma maior segurança jurídica.

Para o leitor, seja ele, empresário ou advogado é fundamental ter em mãos um bom estoque de guarda-chuvas, pois não serão poucos os temporais.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.


Imagem Ilustrativa do Post: Umbrellas in the sky // Foto de: Rebreanu Mihai // Sem alterações

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