Os pampas gauchescos no dilema do estado federal brasileiro: a crônica de (mais) uma morte anunciada!

12/09/2015

Por Alfredo Copetti Neto, Janaína Soares Schorr  e Mariana da Silva Garcia - 12/09/2015

“Se as sociedades humanas são realmente capazes de criar um bom governo utilizando a ponderação e o voto, ou se elas estão para sempre condenadas a depender, para suas constituições políticas, do acidente e da força. Se houver alguma verdade nesta observação, a crise a que chegamos pode, com propriedade, ser encarada como o momento em que a decisão deve ser tomada; e uma escolha errada de nossa parte poderá, no caso, ser considerada como desdita para a humanidade.”

Alexandre Hamilton

No Rio Grande do Sul as notícias que dominam a mídia nas últimas semanas tem relação com os problemas econômicos enfrentados pelo Estado, que acabaram por levar ao parcelamento dos salários do funcionalismo público e a vários movimentos grevistas, o que desencadeou uma catástrofe face a estrutura político-institucional desta unidade federativa. A crise econômica não é um problema exclusivo dos gaúchos, e diversos outros estados têm enfrentado dificuldades desse gênero (caso da recente greve dos professores do Paraná e dos professores de São Paulo).

Nesse contexto, surgem inúmeras manifestações que buscam explicar o cenário econômico atual e apontar soluções para enfrentar a “crise”. As soluções apresentadas passam evidentemente por medidas como aumento de impostos, privatizações, mudança no sistema previdenciário, extinção de fundações públicas, todas com o objetivo de “otimizar” a máquina pública, enxugar os custos e ampliar a margem arrecadatória.

Sem desconsiderar que é impossível apontar uma única causa para a atual conjuntura econômico-financeira do Estado do Rio Grande do Sul – que vem paulatinamente exposto a más administrações, mas igualmente tem comprometido um alto percentual do seu orçamento com a dívida adquirida junto à União Federal, entre outros fatores, que vão desde a utilização de depósitos judiciais aos juros “cobrados” pelo (não) Estado-Juíz ao Estado-Administrador – é válido questionar em que medida o federalismo da forma como está sendo concretizado no Brasil não contribui para a crise enfrentada pelos Estados.

O federalismo surgiu, de forma teórica e estruturada, nos Estados Unidos, a partir da Constituição Americana de 1787. O documento constitucional substituiu os artigos da confederação criados para proteção e consolidação da união das Treze Colônias Americanas que libertaram-se da dominação, sobretudo financeira, da Coroa  Inglesa. Um dos princípios cruciais da contenda americana expressou-se pelo “No taxtion whitout representation”.

Enquanto sistema político, o federalismo pressupõe uma união entre os entes federados que passam a relativamente depender de um sistema central, mas mantém certa autonomia e um rol de competências exclusivas. É justamente a partir dessa autonomia que é possível estabelecer as maiores distinções internas aos sistemas federais e, obviamente, entre os países que adotam o sistema federativo daqueles que não o seguem.

Para suscitar o debate acerca da eficácia de um sistema federalista em um país com as dimensões do Brasil, vale referir as outras democracias federalistas em grandes territórios: Rússia, Canadá e Estados Unidos. Embora a Rússia possa ser citada por alguns como uma democracia federalista, é difícil estabelecer qualquer comparativo com os países ocidentais na medida em que a “Democracia” Russa sequer é uma unanimidade entre os cientistas políticos. A restrição à liberdade de manifestação de pensamento e aos direitos das minorias, a existência de um partido político dominante e de um Poder Executivo que se sobrepõe ao Legislativo e ao Judiciário impedem que se considere o país como um modelo consolidado de democracia.

Ciente de que toda a comparação é sempre problemática, cumpre destacar apenas um traço que certamente seria unanimidade em qualquer análise factual, como, por exemplo, em dois sistemas federativos acima citados: a maior autonomia dos entes federados existente tanto nos Estados Unidos como no Canadá.

No Brasil, em contrapartida, o federalismo surgiu como uma imposição e sua origem talvez explique os motivos pelos quais até hoje não tenha sido concedido aos entes federados a autonomia necessária à plena virtuosidade dessa estrutura. Conforme Luis Roberto Barroso[1], “a implantação de um modelo federalista no Brasil representou a conjugação de um pensamento idealista com os mais diversos interesses políticos e econômicos das diferentes províncias. Este amálgama, aliás, tem sido uma triste tônica na evolução sócio-histórica e política do país”.

Já estamos há mais de um século aprimorando o “federalismo”, e a Constituição Federal de 1988, embora tenha buscado reestruturá-lo – exemplo disso é a autonomia concedida ao ente municipal – ainda manteve à União Federal a maior parte das competências.

Ao analisar a nova ordem estabelecida pela Carta Magna, Celso Ribeiro Bastos afirma que “o estado brasileiro na nova Constituição ganha níveis de centralização superior à maioria dos Estados que se consideram unitários e que, pela via de uma descentralização por regiões ou por províncias, consegue um nível de transferências das competências tanto legislativas quanto de execução muito superior àquele alcançado pelo Estado brasileiro[2].

Dessa forma, a norma constitucional não avança no que tange à descentralização do poder, mantendo para a União Federal a maior parte das prerrogativas e afastando-se do princípio da subsidiariedade.

A descentralização do poder propiciada pelo federalismo em sua origem parece essencial para que um país de grande extensão territorial seja governado democraticamente. É a partir dessa descentralização que se viabiliza ao Estado o atendimento aos anseios da população das mais diversas regiões, considerando as diferenças existentes e as demandas de cada local.

Ademais, a repartição tributária atual, que deixa com a União Federal a maior parte das receitas, reforça esse caráter centralizador, na medida em que os entes federados se tornam ainda mais dependentes do governo federal. Se, por um lado, a crise atual enfrentada pela maior parte dos Estados passa pela incompetência na gestão dos governos estaduais, por outro, não há como negar que o sistema político adotado, com a União Federal responsável e mantenedora da maior parte das receitas, também contribui para isso.

Como bem alerta Gilberto Bercovici[3], a Federação, nos moldes em que se apresenta no País, está ameaçada. É necessário e urgente que ocorra a coordenação na cooperação que deve haver entre União e Estados, e igualmente municípios, com o objetivo de combater a centralização excessiva e, assim, manter o federalismo e a ordem constitucional democrática.

A partir de uma atuação que seja efetivamente uniformizada e realizada de forma harmônica, com a colaboração política de todos os poderes estatais, as tensões hoje existentes em termos de federalismo podem ser amenizadas, com a repartição efetiva e concreta das competências, gerando melhores resultados. Do contrário, as medidas paliativas adotadas pelo Estado do Rio Grande do Sul se estenderão aos demais entes da federação, em uma sentença: é a crônica (de mais uma) morte anunciada!


Notas e Referências:

[1] BARROSO, Luis Roberto. Direito constitucional brasileiro: o problema da federação. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 29.

[2] BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996.

[3] BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do estado federal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.


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alfredo  

Alfredo Copetti Neto é Doutor em Direito pela Università di Roma, Mestre em Direito pela Unisinos. Cumpriu estágio Pós-Doutoral CNPq/Unisinos. Professor PPG-Unijuí. Unioeste e Univel. Advogado OAB-RS.

 


Janaína 2

Janaína Soares Schorr é mestranda em Direitos Humanos junto à Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, integrante do projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista e advogada OAB-RS.                   .                      

       

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Mariana da Silva Garcia é graduada em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (2009) e mestranda em Direitos Humanos na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.                                                                                                                                                                                                                                                                       


Imagem Ilustrativa do Post: Caminho Fechado // Foto de: Felipe Amaral // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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