Por Matheus Gonçalves Moreno e Waldemar Moreno Junior - 12/03/2015
As histórias em quadrinho e os estúdios de Hollywood já há algum tempo vem produzindo histórias de “Mortos Vivos”, popularmente conhecidos como “Zumbi”. Eles nasceram de uma tradição cultural tão estranha ao resto do mundo que parece quase alienígena e as histórias dos “Zumbis” da vida real, oriundas do folclore do Haiti, são tão sinistras que rivalizam com os melhores filmes de terror. Essas criaturas contudo não eram mortos erguidos das tumbas, mas pessoas comuns cuja as funções cerebrais eram destruídas por uma poderosíssima “neurotoxina[4]”.[5]
Ainda no Haiti, os temidos feiticeiros “Vodus” a utilizavam para transformar as pessoas em “Zumbis” e, com isso, obtiveram o controle da política local durante séculos, já que a população acreditava que as ações deles eram resultado de magia e não de uma toxina.
Para entender melhor, precisamos de uma definição para “mortos vivos”:
Corpo humano ou não com apenas as funções básicas de sobrevivência: Comer e Locomoção. Também conhecido como Zumbi. Pode ter sido transformado[6] ou ressuscitado por magia ou vírus. Algumas lendas dizem que sua alma não foi aceita no inferno e por isso retornou ao corpo putrefato. De acordo com o Protocolo Bluehand, a única maneira eficiente de matar um zumbi é esmagando ou atirando em sua cabeça. Há alguns casos raros de Mortos vivos com inteligência humana”(sem grifo na original)[7].
Com isso fica fácil entender que “zumbi” se encaixa na ideia que a sociedade tem da discriminação quanto a questão social, ou seja, tornando o pobre em alvo da sociedade para transformá-lo no criminoso esteriotipado. E conforme Wacquant, o Estado então usa:
[...]da prisão como um aspirador social para limpar as escórias/detritos produzidos pelas transformações econômicas em curso e remover os rejeitos da sociedade de mercado do espaço público – delinquentes ocasionais, desempregados e indigentes, pessoas sem-teto e imigrantes sem documento[...][8]
Em regra, após cometer um crime, ser preso ou processado, o ser humano é rotulado como criminoso e transformado pela sociedade na categoria de “morto-vivo”, pois apesar de permanecer com o estado civil “vivo”, é jogado as margens da sociedade que começa a vê-lo como um “morto, pois as portas se fecham acabando com qualquer oportunidade em sua vida. Se preso, é abandonado dentro do sistema prisional, pois lá não lhe é permitido nenhum tipo de atividade laboral ou atividade socializadora, transmutando-o para a condição análoga de “morto” só faltando enterra-lo, por isso a comparação “criminoso” transformado em “Zumbi”.
A teoria da criminologia denominada de labeling approach, também conhecida por Teoria da Reação Social, do Etiquetamento ou da Rotulação, indica que crime rotula o detento, ficando este assim estereotipado de bandido para sempre. Mas conforme Nunes “Um ato humano somente adquire a qualidade de desvio a partir das reações oficiais e sociais (teoria da rotulação ou da reação social)”[9]. Assim bem define Gerivaldo Alves Neiva A etiqueta de “ladrão” é como uma tatuagem que não se apaga.
Portanto pode-se entender que após preso, o detento é rotulado como outsider, conforme Nunes: “Outsider é a pessoa que infringe regras impostas, sejam elas formalmente promulgadas ou simples acordos informais.[...]” [10].
Pois assim são eles excluídos da sociedade, mas pode-se entender a expressão outsiders por outro aspecto, continua Nunes: “[...].Vale destacar que, a partir de um giro linguístico, o rotulado poderá dar uma segunda significação ao critério, concluindo que o outsider é aquele que o julga como infrator das regras”[11].
Para tanto pode então pegar a definição inicial de outsider, como sendo aquele que infringe as regras impostas, pois, eles são realmente retirados da sociedade em que nos encontramos para se tentar uma (re)habilitação que acaba não acontecendo.
Pois então o detento, o preso é abandonado e deixado de lado, sendo então rotulado pelo Estado perante a sociedade como um criminoso e não alcançando mais o status almejado pela ressocialização.
O Estado deixa de cumprir as normas de garantias transcritas na Constituição Federal, e Leis infra Constitucionais e passa a cumprir apenas as normas da opressão e repressão.
Em momento algum as garantias de recuperação, ressocialização, readaptação, reinserção, reeducação social, reabilitação de modo geral, atributos que permitem ao indivíduo tornar-se útil a si mesmo, à sua família e a sociedade são cumpridos pelo Estado. Exemplificativamente, conforme descrito no artigo inicial da Lei de Execuções Penais: “Art 1º- Execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”[12].
De acordo com o artigo supramencionado percebe-se as finalidades teleológicas da execução penal, quais sejam: dar sentido e dar efeito ao que foi sentenciado, além de dar ao apenado condições efetivas para que ele consiga reintegrar novamente ao meio social e assim não cair nas antigas malhas do crime, que na realidade não passa de um mito no sistema carcerário brasileiro.
O objetivo da reinserção social seria o da humanização da passagem do detento na instituição em que se encontra, procurando dar uma orientação humanista colocando a pessoa que delinquiu como centro da reflexão cientifica[13].
De acordo com os juristas NERY e JÚNIOR:
Presos e direitos humanos. Tanto quanto possível, incumbe ao Estado adotar medidas preparatórias ao retorno do condenado ao convívio social. Os valores humanos fulminam os enfoques segregacionistas. A ordem jurídica em vigor consagra o direito do preso ser transferido para local em que possua raízes, visando a indispensável assistência pelos familiares.[14]
Sendo assim as penas de prisão devem apresentar um novo fim, não adianta somente castigar o indivíduo, mas sim dar aos aprisionados, condições para que eles possam ser reintegrados à sociedade de maneira efetiva, e não rotula-los e abandona-los e transforma-los a condição análoga de “Zumbi”.
Para tanto ainda afirma Rosa e Khaled Jr.:
Justificar a pena através da prevenção especial positiva soa como piada de mau gosto, considerando que nosso sistema penitenciário flerta, abertamente com o holocausto e comemora uma catástrofe contínua, acumulando ruína sobre ruína a cada dia que passa.[15]
Sozinha a pena não consegue reintegrar o indivíduo apenado, se faz necessário a participação de toda a sociedade, contando como a participação da própria família para que se consigam caminhar para resultados mais favoráveis a essa reintegração do preso à sociedade, coisa que não acontece também porque o preso fica abandonado pela família, sociedade e Estado.
Afirma a Declaração Universal dos Direitos do Homem em seu artigo 1º:
“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”[16].
De acordo com o que foi dito, pode-se ver que em tal declaração é importante destacar que o apenado cometeu um erro, e deve arcar com suas consequências, mas não pode ser esquecido que enquanto ser humano deve ser tratado com humanidade e com condições para que voltando à sociedade não volte a vida que tinha, a vida de criminalidade. Portanto é necessária uma recuperação conforme Calhau:
A ´recuperação` do preso não se dá através da pena privativa de liberdade, mas apesar da pena privativa de liberdade. O que os profissionais penitenciários devem ter como objetivo não é ´tratar` os presos ou impingir-lhes um ´ajuste ético`, mas sim planejar-lhes, com sua participação, experiências crescentes e significativas de liberdade, de encontro significativo, refletido e consciente com o mundo livre[17].
A reinserção desse indivíduo passa pela priorização e zelo dos direitos a ele inerente. De acordo com o artigo 3º da Lei de Execução Penal “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”[18].
Podemos concluir assim, que nossa crença no Direito e nas garantias que esse “Direito” nos traria somente é utilizado pelo Estado nos momentos em as Leis servem como instrumento de opressão e controle social, deixando o Estado de cumprir as normas quando elas são instrumentos de garantias, o resultado dessa aplicação das normas é a transformação de pessoas, seres humanos que por ventura venha cometer um crime, em verdadeiros “Zumbis”.
O presente artigo é a síntese do TCC apresentado por Matheus Gonçalves Moreno em seu TCC na Universidade da Região de Joinville – UNVILLE.
Notas e Referências:
BRASIL. Lei de execuções penais 7.210/84
CALHAU, Lélio Braga. A “ressocialização” de presos e a terceirização de presídios: impressões colhidas por um psicólogo em visita a dois presídios terceirizados. Disponível em: <http://www.novacriminologia.com.br/artigos/leiamais/default.asp?id=2049> acesso em 01/02/2015
FIGUEIREDO NETO, Manoel Valente; MESQUITA, Yasnaya Polyanna Victor Oliveira de; TEIXEIRA, Renan Pinto; ROSA, Lúcia Cristina dos Santos, A ressocialização do preso na realidade brasileira: perspectivas para as políticas públicas, Disponivel em < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6301> acesso em 02/02/2015 KHALED Jr, Salah. e MORAIS da Rosa, Alexandre. In dubio pro hell. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2014 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 10 de dezembro de 1948.NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição federal comentada e legislação constitucional, p. 164
NUNES, Leandro Gornicki. Culpabilidade e exculpação, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2012.
WACQUANT, Loïc, Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos estados unidos, 3ª Ed, Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007.
[4] Neurotoxina. Hoje em dia os cientistas sabem que essa neurotoxina é a tetrodoxina, cuja ação bloqueia os canais de sódio dos músculos e células nervosas.[5] Revista “Universo ZUMBI”. Editora Discovery publicações,
[6] Destaque em negrito feito para dizer que o próprio Estado transforma o preso em um morto vivo, abandonando ele e não respeitando as próprias normas em nosso sistema jurídico
[7] Dicionario Informal Online
[8] WACQUANT, Loïc, Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos estados unidos, p.455
[9] NUNES, Leandro Gornicki. Culpabilidade e exculpação, p. 56/57
[10] NUNES, Leandro Gornicki. Culpabilidade e exculpação, p. 56/57
[11] NUNES, Leandro Gornicki. Culpabilidade e exculpação, p. 56/57
[12] BRASIL. Lei de execuções penais 7.210/84
[13] NETO, Manoel Valente Figueiredo; MESQUITA, Yasnaya Polyanna Victor Oliveira de; TEIXEIRA, Renan Pinto; ROSA, Lúcia Cristina dos Santos, A ressocialização do preso na realidade brasileira: perspectivas para as políticas públicas, Disponivel em < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6301>
[14] JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição federal comentada e legislação constitucional, p. 164.
[15] Khaled Jr, Salah. e Morais da Rosa, Alexandre. In dubio pro hell, p. 97.
[16] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 10 de dezembro de 1948.
[17] CALHAU, Lélio Braga. A “ressocialização” de presos e a terceirização de presídios: impressões colhidas por um psicólogo em visita a dois presídios terceirizados. Disponível em: <http://www.novacriminologia.com.br/artigos/leiamais/default.asp?id=2049>.
[18] BRASIL. Lei de execuções penais (1984). Lei de execuções penais 7.210/84
Matheus Gonçalves Moreno, bacharel Ciências Jurídicas pela Universidade da Região de Joinville.

Waldemar Moreno Junior, doutorando pela Universidade do Vale do Itajaí, Mestre e especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Unipar, professor da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. Delegado de Polícia Federal.
Imagem Ilustrativa do Post: Gardaland Zombie Walk // Foto de: Elena Gatti // Sem alterações Disponível em: https://gardalandzombiewalk.wordpress.com/2013/10/08/gardaland-zombie-walk-2013-una-pioggia-di-zombie-a-gardaland/