OS JULGAMENTOS QUE PROVOCARAM A CRIAÇÃO DA SÚMULA N° 636 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA  

02/08/2019

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

A súmula n° 636 do Superior Tribunal de Justiça foi criada no dia 27 de junho de 2019 e tem a seguinte redação: a folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência. O que pretendemos nesta coluna é explicar a leitura que entendemos mais adequada da mencionada súmula.

Comecemos a examinar os julgamentos que ensejaram a criação da mencionada súmula, ou seja, vejamos os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça que levaram os Ministros a concluir pela necessidade de uma súmula com esse teor. Diga-se, desde logo, que o próprio site do Superior Tribunal de Justiça indica os julgados levados em consideração para a elaboração da súmula. Essa pesquisa é feita de forma muito simples. Portanto, sabendo a base da elaboração da súmula, não há motivo para interpretá-la de forma equivocada.

O site do Superior Tribunal de Justiça indica os seguintes julgados: AgRg no REsp 1417107/SP, julgado em 06/05/2014; AgRg no REsp 1716998/RN, julgado em 08/05/2018; HC 211072/MS, julgado em 26/11/2013; HC 212789/SP, julgado em 07/10/2014; HC 272899/SP, julgado em 18/09/2014; HC 315449/SP, julgado em 15/12/2016; HC 396780/SP, julgado em 03/08/2017; HC 456211/SP, julgado em 11/09/2018; REsp 285750/DF, julgado em 07/02/2003.

Diante da extensão desta coluna, vejamos apenas os dois julgados mais recentes que provocaram a criação da súmula, sendo certo que os demais julgados seguem a mesma linha. A ementa do acórdão proferido no Agravo Regimental no Recurso Especial 1716998/RN, julgado no dia 08 de maio de 2018, afirma o seguinte: É assente neste Sodalício o posicionamento de que a folha de antecedentes criminais é documento hábil e suficiente à comprovação da existência de maus antecedentes e reincidência, não sendo, pois, imprescindível a apresentação de certidão cartorária. A leitura integral do acórdão revela que o Superior Tribunal de Justiça, para o efeito de caracterização dos maus antecedentes e da reincidência, se satisfaz, inclusive, com as informações extraídas dos sítios do Tribunais de Justiça.

No mesmo sentido, a ementa do acórdão proferido no habeas corpus 456211/SP, julgado no dia 11 de setembro de 2018, ensina o seguinte: A jurisprudência desta Corte tem posicionamento firme no sentido de considerar a folha de antecedentes criminais documento hábil e suficiente para comprovar os antecedentes maculados, dispensando a apresentação de certidão cartorária.

O que se percebe dos julgados que embasaram a criação da súmula é a disposição do Superior Tribunal de Justiça de desburocratizar o reconhecimento da existência dos maus antecedentes e da reincidência, dispensando que o juízo responsável pelo julgamento do processo se veja obrigado a diligenciar junto aos juízos perante os quais o réu sob julgamento já respondeu a processos criminais para confirmar eventual condenação passada.

Não custa lembrar que, por oportunidade da fixação da pena, o juiz deve percorrer três fases. Na primeira fase de fixação da pena, o juiz deve levar em conta a fixação da pena abstrata prevista em lei e incidir eventual circunstância judicial. Se o réu responde pelo crime de roubo simples, por força do art. 157, caput, do CP, a pena abstrata prevista é de 4 a 10 anos de reclusão e multa. Nesta primeira fase de fixação da pena, considerados tais parâmetros, o juiz deve observar o art. 59, caput, do CP, e examinar se a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos do crime, as circunstâncias do crime, as consequências do crime ou o comportamento da vítima impõem algum aumento da pena. Se não impuserem, a pena base será fixada no mínimo legal. Se impuserem, o juiz deve incidir o aumento.

Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve partir da pena base e considerar a incidência de eventual circunstância atenuante ou agravante. O Código Penal indica várias circunstâncias atenuantes e agravantes, mas, para o fim deste estudo, basta lembrar que a reincidência é considerada uma circunstância agravante, por força do art. 61, I, do Código Penal. É dessa maneira que se fixa a pena intermediária.

Na terceira fase de fixação da pena, o juiz deve partir da pena intermediária e considerar a incidência de eventual causa de diminuição ou de aumento da pena. O Código Penal indica várias causas a serem consideradas. Diante de sua incidência, chega-se à chamada pena definitiva.

Evidentemente, as informações acima registradas – cujo estudo exige um evidente aprofundamento porque muitas questões importantes podem surgir na fixação da pena – têm o exclusivo propósito de ressaltar a importância dos antecedentes do réu e da sua reincidência. Isso porque os antecedentes influenciam na primeira fase de fixação da pena, ou seja, no estabelecimento da pena base. Além disso, a reincidência influencia na segunda fixação da pena, ou seja, no estabelecimento da pena intermediária.

A diferença básica entre os maus antecedentes e a reincidência é estabelecida pelo legislador. Isso porque o art. 63, caput, do CP, dispõe o seguinte: Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. De seu lado, o art. 64, I, do Código Penal, dispõe que não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer a revogação.

Portanto, é fundamental que a condenação anterior tenha transitado em julgado. O pior panorama seria considerar condenações recorríveis como maus antecedentes ou reincidência. Isso foge a qualquer lógica. Entendemos que o sistema processual deva ser enxugado, evitando-se tantos recursos que acabam por atrasar demais o trânsito em julgado, Mas, enquanto o legislador não diminui o número de recursos cabíveis, enquanto não houver o trânsito em julgado da condenação, não se pode considerá-la para a caracterização dos maus antecedentes ou da reincidência.

Todavia, tendo a folha de antecedentes criminais do réu indicado a condenação e a data do trânsito em julgado, constitui um verdadeiro exagero exigir a certidão do juízo que condenou o réu. Certidão, aliás, que serviria para dizer o que já está dito.

Sempre será possível alegar o seguinte: se houver erro na folha de antecedentes criminais? Se houver o mencionado erro, naturalmente, a Defesa vai apontá-lo e, surgindo tal dúvida, cabe ao juiz saná-la buscando a certidão do juízo que condenou o réu. Só neste caso justifica-se tal burocratização.

Todavia, é fundamental compreender que a chance de haver um erro na folha de antecedentes criminais é pequena. Pode haver erro, mas a chance é pequena. As informações existentes na folha de antecedentes criminais são alimentadas pelos próprios juízos que condenam os réus. Tais informações têm a presunção no sentido de que estão corretas. Cabe à Defesa, portanto, conferi-las para provocar algum esclarecimento maior. O que não se pode é presumir que tais informações sejam equivocadas e, por isso, realizar um trabalho absolutamente desnecessário.

Aliás, entendemos que a súmula n° 636 do Superior Tribunal de Justiça poderia ter ido mais longe, aderindo ao entendimento exposto no julgamento do AgRg no REsp 1716998/RN, para registrar que as informações extraídas dos sítios dos Tribunais de Justiça são suficientes para a caracterização dos maus antecedentes e da reincidência. Não faz sentido burocratizar o que pode ser desburocratizado.

 

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