OS INFLUENCERS SAEM DO ARMÁRIO: O QUE ISTO PODE SIGNIFICAR SOBRE A OPINIÃO PÚBLICA?

03/07/2020

 Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

Em setembro de 2019, um deputado conservador levantou e trocou de lado no meio da sessão do parlamento britânico. Na época compartilhei com alguns amigos que aquele gesto me parecia um momento de inflexão da onda antiprogressista no mundo. A grande maioria me respondeu com ceticismo.

Nos dias seguintes, movimentos populares contestatórios foram se espalhando pelos países da América do Sul. Johnson até venceu a eleição do Brexit, mas não sem recorrer a artimanhas que lhe permitiram explorar as lacunas do sistema distrital britânico, e não sem também despertar velhos ressentimentos adormecidos na Irlanda do Norte e na Escócia. Na Hungria, Orbán sofreu uma derrota significativa na eleição municipal em Budapeste. Na Argentina, o projeto de Macri foi rechaçado nas urnas. Mesmo no Uruguai, o candidato vencedor, apesar de ser considerado “de direita”, é tido dentro do seu partido como um nome ao centro (e que fez questão de descolar-se da imagem do presidente brasileiro logo ao primeiro elogio que recebeu do mandatário). Em Israel, apesar de Netanyahu ter conseguido manter-se no poder com uma geringonça de dar inveja aos portugueses, os partidos árabes e progressistas experimentaram um avanço considerável no parlamento. A momentânea vitória também não lhe garantiu a esperada imunidade ao acerto de contas com a justiça israelense, que está em curso. No início de 2020 sobreveio então a pandemia e esta sequência de acontecimentos hoje parece ter ficado no século passado. O movimento de influencers brasileiros posicionando-se politicamente nas últimas semanas pode ser um sinal, por outro lado, de que a mudança continua.

Quando Felipe Neto fez seu video-manifesto pelo posicionamento político dos influencers brasileiros, ele fez muito mais do que arriscar perder milhões de seguidores e contratos de patrocínios, portanto, perder dinheiro. Ele fez o que Steve Jobs costumava chamar de “criar tendências”. Felipe Neto estabeleceu uma tendência no mercado da informação. Seu movimento foi tão bem-sucedido, que o levou a ser entrevistado no Roda-Viva, tornando-se um influencer intermedia. Diversos influenciadores em diferentes mídias começaram a seguir, então, a sua tendência.

Sincronicamente ao posicionamento político dos youtubers, acompanhamos os mandatários brasileiro e norte-americano adotando posturas cada vez mais obscurantistas e negacionistas em relação ao coronoavirus, provocando incidentes desnecessários — contra a OMS, contra a mídia, contra a ciência, contra os Poderes republicanos , contra a potência asiática— em um movimento quase ensaiado entre eles. Nos dois países este movimento também foi marcado por um significativo antagonismo dos governos estaduais e, especificamente no Brasil, por três insubordinações bastante simbólicas na equipe governamental.

O nível do descontrole sobre a pandemia que os dois países, reconhecidos internacionalmente pela qualidade e pela competência na gestão da saúde coletiva, enfrentam é surreal. A movimentação dos respectivos mandatários centrais, sabotando diuturnamente os esforços de pessoas bastante competentes em todos os níveis de governo soa quase como se desejassem que a pandemia saísse do controle em seus países. Basta olhar para o caso da potência asiática, que enfrentava um movimento pró-democrático que fora interrompido pela pandemia, no entanto, que a hipótese de que o descontrole da pandemia seja um movimento deliberado destes dois governantes vem logo à mente. Tão logo as restrições de isolamento social foram levantadas, o movimento ameaçou ressurgir, na Ásia. O coronavirus se mostrou, neste caso, ainda que incidentalmente — acredito — um eficiente instrumento de controle populacional. A hipótese da pandemia deliberada nos dois gigantes ocidentais ganha mais um argumento favorável quando seus mandatários começam a acusar a potência asiática de assim ter agido. Já é mais do que notório que uma das principais táticas dos dois caudilhos digitais é imputar aos adversários aquilo que eles mesmos fazem.

O final do mês de maio traz um novo elemento para a questão democrática no Brasil e nos EUA. No Brasil, o movimento dos gigantes adormecidos aterrissou como um meteoro nos sites divulgadores de fake news, a engrenagem central da máquina de propaganda dos movimentos regressistas. Isso parece que vai ser um impacto bem pequeno perto da era glacial que se aproxima à medida que o inquérito das fake news avança na suprema corte brasileira. No entanto, é nos Estados Unidos que o grande imponderável pode vir a ser. As manifestações decorrentes da injusta e cruel execução de George Floyd está levando a população à rua por todo o país — com pandemia e tudo o mais. A motivação que leva parte significativa da população norte-americana às ruas mesmo sob a ameaça do covid-19 não pode deixar de ser vista sob o mesmo contexto que movera o povo no Chile, na Colômbia, no Equador e até na Bolívia, a despeito do estado e exceção que se instaurou após a saída de Morales. Os Estados Unidos da América, hoje, é o Chile. O que não deixa de ser de uma ironia histórica bastante subliminar.

O posicionamento político de digital influencers pode ser bem mais do que um gesto político de significado individual. Independente da sinceridade ou não dos youtubers que hoje se declaram arrependidos de seus posicionamentos do passado ou munidos de uma nova consciência política — e não vou julgá-los em relação a isso porque, particularmente, acredito que toda luta política tem como objetivo mudanças de consciência, então questionar a motivação destes youtubers seria questionar a mim mesmo — este movimento pode significar objetivamente que as ferramentas de SEO estão apontando uma tendência de mudanças na opinião pública, potencialmente um giro progressista.

Ainda que você discorde da capacidade política de Filipe Neto, não pode deixar de reconhecer sua habilidade para o marketing digital. Sinceros ou não, os influencers não estariam colocando suas opiniões política tão francamente na internet sem alguma certeza que estas opiniões não resultariam em queda significativa de rendimentos. Como lembrou um youtuber que acompanho regularmente, o Schwarza do Poligonautas, alguns influencers como Anitta e Felipe Neto até podem se dar ao luxo de perder seguidores, mas a maioria não. Um posicionamento mal colocado nos tempos difíceis que estamos vivendo pode significar perda de recursos significativos para a maioria dos influencers que, vale lembrar, também são trabalhadoras e trabalhadores precarizados.

Mantenho meu otimismo em relação aos ventos democráticos e progressistas. Eu acredito que o ponto de inflexão da guinada regressista no mundo foi, simbolicamente, a passagem do parlamentar britânico para a oposição no meio da sessão. Os setores da extrema direita sabem disso, até porque, no momento têm sido os mais hábeis jogadores no campo virtual — mas a democracia reage. O movimento sleeping giants e a emergência da rashtag #somos70porcento são os mais novos sinais de uma tendência já evidenciada na histórica arrecadação de fundos para a campanha do Senador Bernie Sanders — que as forças democráticas estão começando a se encontrar na arena digital. E se quisermos ser um tanto hegelianos, podemos dizer que essas aparentes mudanças na noosfera são apenas os antecedentes de um admirável mundo novo pós-pandemia, mas que não virá sem que as estruturas do velho mundo sejam subsumidas pela força do novo. O novo, para nossa sorte, sempre vem.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Martelo da justiça // Foto de: Fotografia cnj // Sem alterações

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