Coluna Defensoria Pública e Sistema de Justiça / Coordenadores Gina Bezerra, Jorge Bheron e Eduardo Januário
Discute-se acerca da obrigatoriedade de o presidente da República observar os nomes da lista tríplice para a escolha do próximo procurador-geral da República (PGR).
Com a proximidade do final do mandato do atual PGR, questiona-se a necessidade de observância da lista tríplice para fins de preservação dos princípios democráticos, republicanos, e da total independência da Procuradoria-Geral da República.
Em relação à democracia interna, esta ficaria assegurada, porque o escrutínio da classe submeteria o candidato à sabatina dos próprios colegas e a um sistema de votação onde todos pudessem discutir as propostas e participar da respectiva escolha até ulterior fase do processo de votação.
No que se refere à independência da PGR, esta ficaria inteiramente resguardada, porquanto o candidato escolhido exerceria suas funções de forma livre e independente de eventuais pressões externas ou políticas, sendo devidamente legitimado para liderar e administrar a instituição.
Quanto ao princípio republicano, sua relação estaria adstrita à temporariedade do mandato, aliada à legitimidade do eleito perante seus pares, e à prestação de contas a que estaria submetido relativamente às promessas feitas em sua campanha nos debates públicos promovidos pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e nas entrevistas à imprensa, firmando-se compromissos perante a Constituição Federal e os cidadãos.
De outro lado, discute-se se o procurador-geral poderia ser membro de outro ramo do MPU (Ministério Público Militar, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público do Distrito Federal) ou apenas membro do Ministério Público Federal (MPF).
Nesse ponto, o artigo 128, parágrafo 1º, da Constituição Federal (CF) expressamente previu que a escolha do procurador-geral seria determinada, dentre os integrantes da carreira (singular), in verbis:
"Art. 128, § 1º O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução".
Com efeito, o comando constitucional foi reproduzido no artigo 25 da Lei Complementar (LC) n.º 75/93, a qual dispõe que o procurador-geral da República é o chefe do Ministério Público da União, nomeado pelo presidente da República, dentre integrantes da carreira maiores de 35 anos, permitida a recondução.
Por seu turno, o artigo 43, I, da LC n.º 75/93 dispõe que o procurador-geral da República é órgão do Ministério Público Federal, enquanto o artigo 45 determina que "o Procurador-Geral da República é o Chefe do Ministério Público Federal".
Ademais, o artigo 45 da LC n.º 75/93 estabelece que o PGR será o chefe do Ministério Público Federal. Logo, a interpretação lógica e sistemática cabível é a de que somente poderá ser nomeado um integrante do MPF.
De outro lado, não há que se falar em obrigatoriedade de nomeação dentre titulares do cargo de subprocurador-geral da República. Com efeito, se a lei não fez tal distinção, deve-se seguir a regra hermenêutica "onde a lei não distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo"(MAXIMINIANO, p. 246).
Logo, pode ser nomeado um procurador da República, procurador regional da República ou subprocurador-geral da República, desde que preencha os requisitos estabelecidos no artigo 128, parágrafo 1º, da Constituição.
Não é outro o entendimento de CALABRICH, para quem:
"A regulamentação de uma lista tríplice institucional mediante consulta ao colégio de Procuradores somente poderá criar regras procedimentais, como prazos, formalidades para inscrições, votação, apuração dos votos e divulgação. O ato normativo não poderá criar nenhum requisito para quem desejar concorrer ao cargo; no máximo, poderá reproduzir os requisitos que já constam na Constituição: integrar a carreira e ser maior de trinta e cinco anos. Qualquer limitação adicional — por exemplo, para afirmar que somente Subprocuradores-gerais da República podem candidatar-se, excluindo Procuradores da República e Procuradores Regionais da República — estaria em franco descompasso com o art. 128 da Constituição. A redação atual do anteprojeto não incide nesse equívoco"
Em relação à obrigatoriedade de o presidente seguir a lista, cumpre ressaltar que, embora a Constituição não tenha estabelecido referida normatização, a tradição histórica alusiva à sua observância (desde 2003) praticamente já consolidou aquilo que a doutrina intitulou "costume constitucional", o qual se constitui na reiteração de comportamentos por parte órgãos soberanos, criando uma legítima expectativa de que não será rompida determinada tradição ou uso, inexistindo, ainda, um parâmetro mínimo de tempo para sua configuração.
Nesse ponto, não havendo lapso temporal mínimo para o reconhecimento do uso, deve-se proceder à interpretação à luz da criação de uma "justa expectativa" de que não haverá rompimento de um comportamento seguidamente praticado no âmbito de um contexto social.
Ao prelecionar sobre o tema, discorreu ARAS:
"Como ocorre desde 2003 no MPF, tais listas tríplices para PGR vêm sendo respeitadas pelos sucessivos presidentes da República. Evidentemente, os escolhidos têm sido selecionados dentre os membros do MPF, observando-se o §1º do art. 128 da CF. É seguro dizer, portanto, que já se constituiu ou se está em vias de constituir um costume constitucional para sua observância, costume este que resulta da reiteração do comportamento dos órgãos de soberania competentes, isto é, a presidência da República e o Senado Federal"
Por outro lado, o artigo 128 da Constituição, em seu parágrafo 3º, disciplina que os Ministérios Públicos dos estados e o do Distrito Federal formarão lista tríplice, dentre integrantes da carreira, para a escolha de seu procurador-geral, que será nomeado pelo governador do estado.
Cumpre salientar que a lista tríplice tem previsão constitucional para nomeação dos ministros do TCU (artigo 73, parágrafo 2º, I, da CF/88), ministros do STJ (artigo 104, I, da CF/88) e para a escolha dos procuradores-gerais de Justiça dos Ministérios Públicos dos estados e o do Distrito Federal (artigo 128, parágrafo 3º, da CF/88).
Além disso, tem sido observada na escolha do secretário da Receita Federal, advogado-geral da União, procurador-geral do TCE, reitores de universidades federais e no âmbito dos Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça, sendo instrumento de exercício da democracia interna e legitimação dos eleitos.
Em relação à aplicabilidade em outros países, lecionam COELHO E BARBERÁ:
"(...) Vários países, especialmente os latino-americanos, também utilizam variantes desse sistema para nomear os membros de tribunais de justiça e outros cargos públicos. Este sistema de lista tríplice é conhecido como “rule of three names” nos Estados Unidos, “regla de la terna” na Espanha (...) Às vezes, o número de candidatos na lista é maior do que três e, por isso, este sistema é conhecido como “regra dos k nomes”. Esta família de regras possui muitas variantes, com diferentes especificações, que podem ser determinantes no resultado final da nomeação. Por exemplo, no Chile, os membros da Suprema Corte são nomeados pelo presidente da República a partir de uma lista quíntupla proposta pelos membros desse tribunal (...)"
O ideal seria que o Parlamento aprovasse a Proposta de Emenda à Constituição n.º 52/2019, a qual modifica o art. 128 da Constituição Federal para dispor sobre a nomeação do Procurador-Geral da República a partir de lista tríplice encaminhada pelos integrantes da carreira, prezando-se pela independência da respectiva atuação do PGR na condição de Órgão de Estado, conforme ressaltou DINO:
“O Procurador-Geral da República é Órgão de Estado, e não de Governo. Conduz o Ministério Público Federal, Instituição dotada de independência funcional, essencial ao regular funcionamento do Estado Democrático de Direito. Preside o Conselho Nacional do Ministério Público – Órgão relevante no campo do planejamento, controle e correção de eventuais de irregularidades –, mas também de promoção e garantia da autonomia administrativa do Ministério Público. Presenta o Ministério Público perante o STF, cabendo-lhe ali exercer seu amplo leque de atribuições, com o protagonismo necessário e adequado ao que prescreve a Constituição”
A lista tríplice não foi respeitada pelo chefe do Poder Executivo na última nomeação para o cargo de procurador-geral da República, uma vez que o PGR escolhido não constava dos nomes indicados pela categoria após a realização de eleição interna.
Assim, diante dos princípios democráticos, republicanos, e visando garantir a independência e autonomia total da Procuradoria-Geral da República, espera-se que, desta vez, o presidente da República observe, na nomeação do próximo PGR, o nome de um dos integrantes da lista tríplice.
Leandro Bastos Nunes é procurador da República, professor em cursos do MPU, especialista em direito penal e processo penal e autor de obras jurídicas.
Notas e Referências
ARAS, Vladimir. A origem da lista tríplice para a escolha dos Chefes do Ministério Público. Disponível em https://vladimiraras.blog/2018/10/12/a-origem-da-lista-triplice-para-a-escolha-dos-chefes-do-ministerio-publico. Acesso em: 11 de maio. 2019.
CALABRICH, Bruno Freire de Carvalho. A escolha do procurador-geral da República por lista tríplice institucional – Parte II. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-escolha-do-procurador-geral-da-republica-por-lista-triplice-institucional-parte-ii-13022019. Acesso em 11 de maio. 2019.
COELHO, Danilo; BARBERÁ, Salvador. O Sistema de Lista Tríplice nos Tribunais Judiciais Brasileiros. Disponível em https://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/boletim_analise_politico/141117_boletim_analisepolitico_06_cap8. Acesso em: 18 de maio. 2019
DINO, Nicolao. O procurador-geral e a lista tríplice. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-pgr-e-a-lista-triplice-18062021. Acesso em 26 de jun.2021.
MAXIMINIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Forense: Rio de Janeiro, 1994.
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