Os direitos dos consumidores ante a emergência de novas tecnologias: um relato imperfeito e impreciso de uma reflexão tão urgente quanto necessária - Por Marcos Catalan

15/12/2017

Fui incumbido – imerecidamente, me obrigo a registrá-lo aqui – de relatar a fala do professor Bruno Miragem havida aos 29 de setembro de 2017, no calor de uma tarde cinzenta. A conferência ocorreu em Porto Alegre, essa cidade que tão bem acolheu a este imigrante, por ocasião do painel intitulado Direitos do consumidor frente às novas tecnologias pensado como parte do programa da VIII Conferência Estadual da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil da República do Pampa.

Alusões à Internet abriram uma reflexão pontuando que personal computers deveras assemelhados a máquinas de escrever deixaram de povoar, em mais ou menos vinte anos, o imaginário dos juristas, em especial, ante a dificuldade de antecipar as próximas cenas que nos são reservadas pelo avanço da técnica no Admirável mundo novo.

Com a leveza e precisão habituais, salientou-se que mais ou menos no mesmo recorte temporal, as preocupações dos juristas focavam (a) os contratos eletrônicos – inicialmente, a partir da discussão que tangenciava a tentativa de identificar se eram contratos pactuados entre presentes ou havidos ausentes –, (b) a possibilidade de recurso (ou não) ao direito de arrependimento garantido ao consumidor diante da discussão que envolve o locus em que se encontra o fornecedor que pactua contratos no mundo digital e, ainda, (c) alguns aspectos probatórios na seara eletrônica, eis que tais documentos, nem sempre são acessíveis, facilmente, por contratantes sempre e sempre vulneráveis.

Com simpatia e cirúrgica precisão a fala aqui sintetizada ao extremo destacou – na transição do ontem que insiste a não nos deixar para o momento contemporâneo, às vezes, aparentemente, bastante distante – que outros três assuntos teriam ocupado a pauta de debates quando se pensa o universo virtual.

O (a) big data – e toda a complexidade que permeia o tema e que exige reflexões acerca de assuntos, aparentemente, tão diversos, como o são os sistemas de geolocalização e a violação da privacidade a eles imantada, a concessão de crédito on line e a ofensa a isonomia, potencialmente, presente nos processos que tangenciam as atividade de bancos de dados e outros cadastros utilizados por esse Mercado e, ainda, os mais distintos seguros ofertados no mercado de consumo, a circulação e uso de dados sensíveis que, embora tutelados em abstrato, talvez transitem, diuturnamente, pelas mesas dos atuários. E, entremeio a algumas idas e vindas do pensamento – não sei mais se do expositor ou deste interlocutor – o tratamento de dados sensíveis e de dados não sensíveis – ainda que não possam ser qualificados como insensíveis – retornou ao palco na lembrança da existência de projetos de lei pretensamente visando a regulamentar a temática, afinal, ainda há quem ainda acredite no legislativo.

A (b) internet das coisas, suas potenciais conexões com acidentes de consumo, vícios, práticas abusivas e – me permito acrescer, com o tema dos riscos do desenvolvimento –, seria um segundo campo que precisa ser semeado pelo Direito, tanto diante da necessidade de saber se existe, aqui, produto ou serviço – ao menos, assim compreendi, ao atentar para a intertextualidade da comunicação que busquei atentamente escutar –, bem como, ante a relevância de melhor se trabalhar temas como a responsabilidade pós-consumo e os compromissos sociais que nos são impostos pela Constituição.

A (c) inteligência artificial, enfim, emergiu como o terceiro pilar sobre o qual a fala foi estruturada. Resgatando na memória algumas cenas que até recentemente só estariam em obras de ficção – como a substituição dos profissionais por softwares – enfatizou-se o horizonte sombrio que alcança alguns campos profissionais deveras rapidamente ao mesmo tempo em que muitos negócios podem ser geridos, hoje, à distância. Ainda nesta seara, alusões foram feitas à economia compartilhada e aos impactos por ela provocados, alguns deles, atados à desconstrução do fetiche proprietário diante da valorização da função social da posse supostamente promovida pela Revolução Tecnológica.

Com o pensamento imerso nesse cenário que as vezes me faz lembrar Blade Runner refletiu, ainda, acerca da problemática que envolve o acoplamento empírico das ideias de risco e de tecnologia ao alertar para a dificuldade de densificação da precaução no cenário jusconsumerista, ainda que, aparentemente, pareça ter mostrado acreditar em sua possibilidade teórica, bem como, acerca da possibilidade de mapeamento e identificação daqueles a quem se deve imputar o dever de reparar nas hipóteses de danos causados aos consumidores.

A fala, bastante próxima de sua apoteose, tangenciou ainda a relevância da escorreita compreensão dos sentidos jurídicos que podem ser atribuídos ao dever de informar. Sentidos deveras distantes do que se observa nas práticas do Mercado e que vão muito além do click here and be happy!

Enfim, se registrei aqui, verdadeiramente, o que ouvi ou parte daquilo que gostaria de ter ouvido, confesso não saber. De qualquer modo, sendo o registro lançado nestes alfarrábios, legítimo ou não, me parece que o texto aqui grafado poderá estimular discussões tão urgentes, quanto necessárias.

 

Imagem Ilustrativa do Post: laptop keyboard // Foto de: Wall Boat // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/wallboat/36191698460

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura