Introdução.
A arborização urbana no Brasil convive com o dilema estrutural das cidades brasileiras, reconhecidas pelo crescimento desordenado e sem planejamento adequado para suportar as demandas sociais, econômicas e ambientais.
Do ponto de vista legal, os cuidados com o planejamento das cidades, incluindo aspectos transdisciplinares relativos a qualidade de vida e ao bem-estar humano, foram introduzidos com maior eficácia a partir da edição da Carta Constitucional de 1988.
Segundo a Constituição Federal, art. 182[1], a política de desenvolvimento urbano das cidades deve ser executada com o objetivo de garantir o bem-estar dos habitantes e, ainda, que a política deve estar prevista no plano diretor urbano – PDU, exigível para cidades com mais de vinte mil habitantes.
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
- 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
Na política pública de ordenação das cidades, a discussão sobre a vegetação de meio urbano ou arborização guarda pertinência, envolvendo debates acalorados em razão da função ambiental que exerce nas cidades, além da garantia da qualidade de vida dos habitantes. Os benefícios da vegetação urbana estão ligados a proteção contra ventanias; a redução das ilhas de calor; a redução da poluição sonora e atmosférica; a recarga hídrica e na reprodução de espécies que ajudam no controle de vetores/pragas urbanas. Além disso, a arborização colabora para o embelezamento dos espaços urbanos.
Inobstante a existência, comprovada, dos benefícios da arborização urbana, muitas são as cidades brasileiras que cresceram sem qualquer tipo de ordenação, inclusive a ordenação ambiental. Sob o ponto de vista da arborização urbana, a desordem no crescimento das cidades atraiu pontos de estrangulamento socio, urbano, econômico e ambiental.
Os pontos de estrangulamento resultam em conflitos e dilemas que devem ser considerados e tratados à luz do processo de cidadania ambiental (participação da sociedade civil nas decisões que envolvem aspectos relativos à qualidade de vida nas cidades), quando da elaboração ou da revisão dos Planos Diretores Urbanos.
A Arborização Urbana.
A arborização urbana define-se, singelamente, como sendo toda a cobertura vegetal de porte arbóreo existente nas cidades, podendo ser encontrada em áreas livres; áreas particulares; espaços públicos (bens de uso comum, especial ou dominical).
Em regra, a vegetação urbana é reconhecida e protegida pela população a partir dos indivíduos arbóreos presentes ao longo de vias públicas, de praças; de parques ou de jardins; contudo, enganam-se os que imaginam que os indivíduos arbóreos presentes em áreas privadas estejam desprovidos de proteção.
A garantia da arborização urbana, em áreas privadas, resulta da relativização do direito de propriedade. Pela Carga Magna, a propriedade privada deve cumprir uma função social junto à sociedade. No meio urbano, a função social da propriedade cumpre-se pelo atendimento das políticas do Plano Diretor.
Art. 5º (...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 182 (...)
- 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
Dessa forma, pela simples leitura do texto constitucional, resta evidente que os indivíduos arbóreos, presentes em propriedades urbanas privadas, estão protegidos e que as supressões devem ser autorizadas pelo Poder Público para garantir o pleno desenvolvimento da cidade.
O costume vigente ou a lacuna legislativa que autoriza a supressão de arvores, em propriedades privadas urbanas, sem observar o planejamento ambiental das cidades, revela uma contrariedade aos propósitos constitucionais.
Os dilemas e conflitos da arborização urbana.
Ultrapassa a compreensão envolvendo a dimensão e abrangência do conceito de arborização urbana, resta dialogar sobre os dilemas e conflitos que envolvem o intenso debate sobre a arborização urbana.
A arborização urbana, em qualquer parte do Brasil, desperta paixões ambientais e disputas ideológicas. Em regra, o debate é pouco lúcido e parte da premissa de que o ambiente urbano é homogêneo e que as soluções podem ser lineares e padronizadas. Os reflexos serão analisados sob dois aspectos: a) problemas legislativos e ambiente físico muito diferenciado e b) as características polifuncionais das cidades.
- Problemas legislativos e ambiente físico diferenciado.
Todo problema de ordem ambiental no meio urbano traz uma alta relação entre o ordenamento jurídico, o ordenamento da cidade e as características particulares do ambiente físico. Sendo assim, as soluções propostas, necessariamente, devem considerar o arcabouço legal sobre a matéria, em especial a legislação municipal; reconhecer a forma ou modelo de crescimento da cidade ao longo do tempo e as características do partido urbanístico desenvolvido.
A pretensão de estabelecer padrões e regras uniformes de arborização para as cidades, sem observar as condições históricas e sociais, pode acabar gerando danos ambientais e injustiças sociais; além de atravancar o desenvolvimento econômico e as políticas de bem-estar da população.
Em verdade, os problemas envolvendo a arborização urbana das cidades brasileiras decorrem da ausência de políticas públicas de ordenação das cidades. O Brasil, em face de sua organização federativa, criou os municípios, entretanto, não os dotou da infraestrutura administrativa necessária para fazer frente aos problemas de ordem urbana. Questões relativas à qualidade de vida dos habitantes de uma cidade foram abdicadas em favor do crescimento econômico, da geração de emprego e pelo pagamento de impostos.
Não fossem os conteúdos de ordem programática da Constituição Federal e o desenvolvimento da cidadania (educação e participação social), as cidades brasileiras ainda estariam convivendo com a legislação do século XIX. É fato que parte do problema das áreas de vegetação urbana está ligado a ausência de normas jurídicas municipais ou a existências de normas jurídicas vigentes, porém sem eficácia ambiental e urbanística.
A eficácia das normas jurídicas de arborização urbanas depende, necessariamente, de estudos técnicos que considerem o crescimento da cidade ao longo do tempo, a formação das vias públicas e dos logradouros, os indivíduos arbóreos que foram plantados e a sucessão dos serviços/atividades realizados (intervenções) à manutenção das funções precípuas das cidades ao longo do tempo.
Soluções apresentadas e implantadas em uma determinada cidade podem apresentar resultados completamente diversos quando variam de ambiente físico (posto que as características são alteradas), o que torna impossível pretender aplicar soluções jurídicas e técnicas de arborização urbana padronizadas.
- as características polifuncionais das cidades.
As cidades, com a evolução verde e com a crescente urbanização – fruto do êxodo rural e da expansão do comercio e da indústria; deixou de ser um espaço apenas econômico para se tornar um espaço de convivência humana, de moradia, de lazer e de cultura.
As cidades estão espalhadas por todo o território e possuem características polifuncionais, congregando espaços para o desenvolvimento econômico (comercio, indústria, geração de emprego/renda); espaços de moradia e espaço de cultura e lazer. As cidades brasileiras não surgiram necessariamente por meio de um plano diretor urbano, ao contrário, foram forjadas por ocupações irregulares em meio a vias e ruelas palmilhadas. Dentro desse contexto, as cidades brasileiras “nasceram” sem qualquer infraestrutura, inclusive ambiental.
Em meio ao caos da urbanização brasileira, a vegetação urbana foi lançada e aplicada sem qualquer planejamento. As arvores foram plantadas em conflito com as funções da cidade. O conflito entre as arvores e as funções socio, ambiental e econômica das cidades resultou e resulta em dilemas de difícil resolução ou conciliação. É fácil observar, em especial nas cidades consolidadas e que cresceram sem planejamento, que as arvores estão em conflito direito e permanente com o Ser Humano e com os atributos socioeconômicos das cidades.
O conflito entre a arborização urbana e os atributos polifuncionais das cidades exige a conciliação entre a manutenção da vegetação urbana e a garantia do fornecimento de energia elétrica; a acessibilidades das calçadas e dos logradouros para pessoas com dificuldades de mobilidade; a melhoria na segurança pela iluminação pública e a trafegabilidade de veículos. Nesse contexto, considerando a desordem no crescimento das cidades e a necessidade de garantir a funcionalidade da vida urbana, as práticas de jardinagem ou de podas são instrumentos técnicos imprescindíveis.
Conclusão.
Para se criar um ambiente urbano que seja capaz de satisfazer as necessidades humanas (moradia, lazer, cultura, trabalho, emprego, renda e indústria), de forma sustentável, é necessário que sejam revistas as políticas públicas relativas à urbanização e a vegetação urbana.
É fundamental dissipar os conflitos entre o crescimento urbano e a manutenção da arborização, garantindo as características polifuncionais da cidade sem que as arvores tenham que ser suprimidas.
Entretanto, a conciliação sustentável requer a abertura da sociedade, dos profissionais e dos técnicos, para o fato de que a gestão da arborização urbana, em cidades sem planejamento, demanda a realização de serviços, por vezes drásticos, a fim de evitar a eliminados de indivíduos arbóreos em nome do fornecimento de energia, da garantia da calçada cidadã ou ainda, da iluminação pública.
Notas e Referências
[1] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 18 de jul. 2018.
Imagem Ilustrativa do Post: BH vai ganhar 54 mil mudas de árvores nos próximos três anos // Foto de: Prefeitura de Belo Horizonte // Sem alterações
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