Os dias são assim

20/05/2017

Por Leonardo Isaac Yarochewsky – 20/05/2017

Na supersérie da Globo “os dias eram assim”, escrita por Ângela Chaves e Alessandra Poggi, um casal apaixonado é obrigado a se separar devido à dura repressão implementada pelo regime militar. A trama tem início em 21 de junho de 1970, data da final da copa do mundo do México que consagrou o Brasil tricampeão.  Em meio as comemorações e o contraste político e social desolador e a dura repressão promovida pela Ditadura Militar -  já vigorava o Ato Institucional nº 5, AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva - Alice (Sophie Charlotte) e Renato (Renato Góes) se conhecem e passam a viver uma grande história de amor. A época o Brasil era presidido pelo General do Exército Emílio Garrastazu Médici (30 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974), período  que ficou conhecido como um dos mais terríveis dos 21 anos da ditadura – historicamente chamado de  “os anos de chumbo” – marcados pela violência, torturas e assassinatos. Embora na série/novela a ditadura seja visitada apenas de modo superficial e tão somente como pano de fundo para o romance do belo casal, não deixa de ser demonstrada, entretanto, a utilização da tortura como método de investigação e de intimidação. Nos porões da ditadura oponentes do regime de exceção sofriam toda espécie de sevícia em nome do regime que se instaurou no dia 1º de abril de 1964, no golpe que culminou com a deposição do ex-presidente João Goulart - eleito democraticamente - e que durou até 15 de março de 1985.

Ano de 2016 a ex-presidenta Dilma Vana Rousseff - torturada quando “os dias eram assim” - sofre um golpe parlamentar e é sacada do poder mesmo tendo sido eleita com mais de 54 milhões de votos e sem ter sido comprovado qualquer crime de responsabilidade atentatório a Constituição da República. Como se verificou em entrevista recente concedida pelo atual ocupante do Palácio do Planalto, a ex-presidenta Dilma sofreu o impeachment porque não cedeu a chantagem feita pelo então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha.

Quando “os dias eram assim”, no dia 19 de abril de 1980, o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva foi preso durante 30 dias por conta da sua atuação durante uma greve no ABC paulista. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) sofreu intervenção aprovada por Murilo Macedo, então ministro do Trabalho do general João Batista Figueiredo. Lula ficou detido no Departamento de Ordem e Política Social (Dops) de São Paulo. Naquele mesmo ano, ele fundou o Partido dos Trabalhadores. Em 1981, Lula foi condenado pela Justiça Militar a três anos e meio de prisão por incitação à desordem coletiva. Contudo, ele recorreu e foi absolvido no ano seguinte.

Ano de 2017 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é caçado pela força tarefa da famigerada operação “Lava Jato”. O processo penal democrático é transformado no processo penal do midiático em que direitos e garantias fundamentais são abandonados em nome do “espetáculo”. Em campanha sórdida a grande mídia inverte o princípio da presunção de inocência, despreza o contraditório e ampla defesa e  com base em delações seletivas e de duvidosa credibilidade acusa, julga e condena o ex-presidente Lula.

Em 09 de maio de 2017 – “os dias são assim” – o juiz substituto Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara Federal Criminal de Brasília, determinou a suspensão das atividades do Instituto Lula, entidade comandada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sendo certo que na mesma casa onde funciona há mais de duas décadas o Instituto, nasceram projetos como o “Fome Zero" e o "Projeto Moradia", que mais tarde se consolidariam em políticas públicas no governo do ex-presidente Lula, como o “Fome Zero“, o “Bolsa Família“, o “Programa Minha Casa, Minha Vida“, o “Programa Luz Para Todos“ e o “Projovem“.

Na época em que “os dias eram assim” - na ditadura militar - os “inimigos” eram os comunistas, os subversivos, à esquerda e os que lutaram, dentro do limite, pelo restabelecimento da democracia.

Nos “dias são assim” os “inimigos” continuam sendo os “comunistas”, são os que querem pintar a bandeira brasileira de vermelho, são os “bolivarianos”, são os que querem transformar o Brasil em Cuba, são os petistas e, claro, Luiz Inácio Lula da Silva.

Não é despiciendo lembrar que quando “os dias eram assim” a bandeira autoritária de combate ao comunismo e a corrupção era um dos principais motes dos golpistas. Conduzido por parte da classe política, da mídia e da classe média conservadora, pela cúpula das Forças Armadas e pelo apoio estadunidense, a deposição do presidente João Goulart levou o Brasil a amargar mais de duas décadas de ditadura militar com consequências terríveis para a sociedade e, notadamente, para os mais vulneráveis.

De igual modo – “os dias são assim” - a deposição da presidenta Dilma Rousseff por obra de um golpe parlamentar orquestrado pelo Congresso Nacional, com apoio da grande mídia e da classe média conservadora, vem trazendo um retrocesso social, com perdas de garantias e direitos dos trabalhadores que ninguém sabe se algum dia será recuperado.

Em “os dias eram assim”, no dia 13 de dezembro de 1968, conforme dito foi decretado o Ato Institucional nº 5, sem dúvida, uma das piores e mais tristes páginas da história política do Brasil. Com o AI-5 os poderes discricionários do regime de exceção foram reforçados, as garantias previstas na Constituição da República de 1967 foram, na prática, revogadas. Foi decretado o recesso do Congresso, o Governo pode censurar os meios de comunicação e, entre outras medidas, suspender a aplicação e a concessão de habeas corpus em casos de crimes políticos.

Nos “dias são assim”’, depois de seguidas derrotas na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) – a última concedeu habeas corpus ao ex-ministro José Dirceu – o relator da “Lava Jato” no STF, ministro Edson Fachin, inconformado com as derrotas que colocou em liberdade alguns acusados, decidiu, com o aval da presidenta do STF, ministra Cármem Lúcia, levar todos os casos “polêmicos”, a começar pelo ex-ministro Antonio Palocci, ao plenário do STF. Com isso, espera o ministro Fachin reverter o placar em seu favor para que os acusados sejam mantidos presos por tempo indeterminado, ainda que não tenham sido julgados por decisão condenatória transitada em julgado ou, pelo menos, em segundo grau.

Quando “os dias eram assim” a tortura era política de estado. Hoje, “os dias são assim”,  prisões são decretadas – espécie de tortura - para servirem de moeda de troca para delação. Cada vez mais as forças tarefas lançam mão de uma nova espécie de prisão cautelar: a prisão para obtenção da colaboração premiada.

Em 1984 – “os dias eram assim” – o povo vai às ruas pela campanha das “Diretas Já”. Apesar do forte apelo popular e da maioria de 298 votos, faltaram 22 para aprovação, a emenda Dante de Oliveira foi rejeitada em 26 de abril de 1984.

2017 – “os dias são assim”- Michel Temer é gravado dando aval para compra do silêncio de Eduardo Cunha. Diante da gravidade das acusações o ocupante do Palácio do Planalto estaria na eminência de renunciar. O povo volta a clamar por eleições “Diretas Já”.

No passado ou no presente, como dizia o poeta,

Minha dor é perceber que apesar de termos Feito tudo, tudo, tudo, tudo o que fizemos Nós ainda somos os mesmos e vivemos Ainda somos os mesmos e vivemos Ainda somos os mesmos e vivemos Como os nossos pais...


Curtiu o artigo???

Confira aqui a obra O Direito Penal em Tempos Sombrios do autor Leonardo Isaac Yarochewsky publicada pela Editora Empório do Direito!


Sem título-1

. . Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais pela UFMG. . .


Imagem Ilustrativa do Post: HOMELESS NO PARQUE DAS NAÇOES // Foto de: margarida martins // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/margaperola/2209713733 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura