Os dez mandamentos, revisão

13/05/2020

As sociedades necessitam de liames relacionais. Ou têm-se regras que permitam o trânsito de ideias e comportamentos (algum contrato social), ou vive-se em desentendimento generalizado. Normas são emanações de poder; poder é coisa mundana. A ideia de que preceitos são vontades humanas, contudo, é muitíssimo nova.

A Tradição Ocidental, ou a História do Ocidente, inclui a esperteza de quem, lá nos tempos de crendices, atribuiu os códigos do mundo a uma voz que teria posto fogo em sarça e lavrado mandamentos em pedra. A eficácia da manipulação de regras carimbadas como milagrosas assenta-se na competência do seu intérprete.

O adivinho da vontade divina, ademais dos recursos de adivinhação, necessita de meios terrenos objetivos para se impor; de legitimação para permanecer; de controle de mentalidade para não ser posto em dúvida; de um sistema de alienação do presente e de chantagens sobre o futuro. O divino se consubstancia pelo mundano.

Valores praticados há mais de 2000 anos produziram as regras basilares dos crentes ocidentais. Muitas das normas garantidoras dos costumes que vivemos foram lançadas pelo poder militar de Constantino (imperador romano católico, 306). Impuseram-se credos, controlaram-se consciências, chantageou-se o imaginário popular.

Constantino, o 13º apóstolo, matou sistematicamente quem não se converteu ao catolicismo; todas as crenças concorrentes foram banidas; quem, mesmo na vida privada, não seguisse a “fé” temia a danação, imediata e eterna. Por 1800 anos a coisa foi assim. Só a Revolução Francesa (1789) garantiu a réstia de luz do Renascimento.

O Renascimento acendeu o Iluminismo. O Positivismo deu condições à Ciência. Mas por 18 séculos (princípio do IV ao fim do XVIII), ou se cumpriam os Dez Mandamentos, ou se morria. E morrer de “morte matada”, no sentido de sofrer tortura, ser queimado, afogado, esfolado... O que houvesse de horror. Já não cabem, todavia.

Mandamento 1: Amar a deus sobre todas as coisas. Revisão: Amar a ti mesmo sobre todas as coisas. Comentário: Dispensar a divindade cabotina não autoriza seres cabotino\a tu mesmo\a. Fazes parte do mundo; se não amares o mundo, não te amarás.

Mandamento 2: Não invocar o santo nome de deus em vão. Revisão: Não invoques criaturas imaginárias, é ato em vão. Comentário: Como os fatos acontecem? Eles são tua vontade, as injunções históricas, o aleatório. E a tua biologia. É a vida. Vai à luta.

Mandamento 3: Guardar domingos e festas de guarda. Revisão: Procura descansar quando estiveres cansado\a. Faz isso em homenagem a ti mesmo\a. Comentário: Se tiveres que trabalhar, faze-o em qualquer dia sem qualquer constrangimento.

Mandamento 4: Honrar pai e mãe. Revisão: Honorifica quem o mereça; repudia quem seja indigno. Comentário: A ascendência não implica boa ou má qualidade moral. Os registros de violência doméstica contra crianças recomendam cautela.

Mandamento 5: Não matar. Revisão: Só mata em conformidade com as normas de legítima defesa. Comentário: Com efeito, a vida é valor universalmente reverenciado. Não obstante deus ser o maior assassino da História, o mandamento é válido.

Mandamento 6: Não pecar contra a castidade. Revisão: Peca contra a castidade (um mal ela mesma) sempre que tiveres oportunidade. Comentário: O sexo produz benefícios bioquímicos e psicológicos em quem o pratica; melhor com habitualidade.

Mandamento 7: Não furtar. Revisão: Não obstante os bens merecerem melhor distribuição, só furta em caso de necessidade, nos termos da lei. Comentário: Apropriar-se do bem alheio por pura cobiça não é coisa que se elogie. O mandamento conserva seu valor

Mandamento 8: Não levantar falso testemunho. Revisão: Evites fofocas e intrigas. Comentário: Mentiras raramente são boa trilha, às vezes, contudo, são libertárias. Exemplo: a menina vigiada afirma pernoite na casa da amiga, mas dorme com o namorado.

Mandamento 9: Não desejar a mulher (original: a terra, o gado, a mulher) do próximo. Revisão: Sê sensível ao teu desejo. Comentário: Esse preceito é um insulto à igualdade de gênero. Deseja quem queiras desejar, sem qualquer restrição de sexo, ademais.

Mandamento 10. Não cobiçar as coisas alheias. Revisão: Cobiça moderadamente. Comentário: O busílis está na inveja do tipo destruidor da coisa do outro. A inveja de natureza “também quero” (cobiça) é bastante salutar; ela move o mundo.

O corpo, incluída sua dimensão mental, acolhe prazeres e\ou dores. Meus princípios me trazem satisfação. Se não te agradam, cria os teus. Mas, cuidado, se não te fazes recinto de deleites, postergas o céu, ou o inferno, talvez mais agradável, não sei.

 

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