Os danos ambientais e a responsabilidade civil do Estado

03/02/2019

Introdução.

Inexoravelmente o homem precisa poluir para viver, pois, é do meio ambiente que se retiram as matérias primas elementares para suprir às necessidades humanas e, de formar reversa, é para o meio ambiente que o homem devolve o resíduo da produção e do consumo de toda a sociedade; a exemplo da supressão vegetal e do lançamento de resíduos sólidos nos mananciais.

O conceito de poluidor.

A legislação por sua vez estabelece o conceito de poluidor sob a denominação de agente causador de degradação ambiental, a saber: “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, diretamente ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inciso IV da Lei n.º 6.938/1981). A expressão “degradação ambiental” possui acepção geral e ampla, ao passo que a palavra “poluição”, segundo a Lei n.º 6.938/981, envolve a degradação ambiental resultante de atividades específicas que, direta ou indiretamente; a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população (o que inclui a poluição sonora, na forma do REsp 1.051.306/2008 – Superior Tribunal de Justiça); b) criem condições adversar às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente e; e) lancem matérias ou energias em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

A poluição, embora produza degradação e desequilíbrio, pode ser lícita, quando realizada a partir do processo de licenciamento ambiental, uma vez que a legislação ambiental estabelece padrões de “tolerância” que afastam qualquer tipo de responsabilidade, seja civil, administrativa e penal. A poluição será ilícita exatamente quando for realizada para além dos padrões de tolerância ambiental, resultando em ação que ultrapassa a capacidade de suporte dos ecossistemas.

É possível destacar, ainda, que podem haver situações em que mesmo a poluição licenciada não exclui a responsabilidade civil do poluidor, na eventual geração de danos ambientais, pois, na hipótese, embora a atividade esteja licenciada, o empreendedor atrai a responsabilidade pelo risco da atividade e, também, pelo fato de que a responsabilidade civil possui característica reparatória e não sancionatória.

A responsabilidade civil do Estado como poluidor direito e indireto.

As pessoas jurídicas de direito público poderão poluir por meio de práticas diretas ou indiretas (por atos comissivos ou omissivos). Assim, poderá haver poluição direta quando o Poder Público explorar diretamente uma atividade econômica, como é o caso da exploração do Petróleo (art. 173 da CF/88) ou, lado outro, o Poder Público poderá poluir de forma indireta quando for omisso, por exemplo, na fiscalização de atividade que explore os recursos ambientais e, também, quando expedir licença ambiental irregular.

Sobre a responsabilidade civil do Estado, a doutrina e a jurisprudência discutem a natureza jurídica da responsabilidade civil, se objetiva ou subjetiva. Tradicionalmente, o Superior Tribunal de Justiça compreende que no caso de omissão na fiscalização por parte do Poder Público, de atividades poluidoras, a responsabilidade civil será subjetiva, exigindo-se o elemento culpa administrativa para alcançar a Administração Pública, a saber o que dispõe o REsp 647.493/2007, ao estabelecer que a responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente. Ocorre, contudo, que há oscilação na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pois, pelo REsp 1.071.741/2009, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental e de natureza objetiva, solidária e ilimitada. Na decisão, para o Superior Tribunal de Justiça, embora a responsabilidade civil do Estado, por omissão seja subjetiva ou por culpa, qualificando-se dentro do regime geral assentado no art. 37 caput da Constituição Federal, há duas exceções de destaque, sendo que a primeira decorre da responsabilização objetiva do ente público em matéria ambiental em face do microssistema especial de proteção do meio ambiente, condito no art. 3º, inciso IV c/c o art. 14, ambos da Lei n.º 6.938/1981.

Contudo, duas questões se colocam, ainda, no debate sobre a responsabilidade civil do Estado por danos ambientais: a) o dever do Estado na realização da ação de regresso, quando for condenado por omissão e b) a condição do Estado ser executado subsidiariamente.

No que toca o dever de o Estado promover a ação de regressão em face do poluidor direto, quando for condenado por omissão na fiscalização ou na expedição de licença ambiental irregular, aduz o Supremo Tribunal de Federal[1] que sem prejuízo da responsabilidade solidária, deve o Estado, que não provocou diretamente o dano nem obteve proveito com sua omissão, buscar o ressarcimento dos valores despendidos do responsável direto, evitando, com isso, injusta oneração da sociedade.     

Em relação a condição do Estado ser executado subsidiariamente, o debate possui ao menos duas posições conflitantes. A primeira posição do Superior Tribunal de Justiça, contido no AgRg no REsp 1001780/2011, indica que a responsabilidade civil do Estado é subsidiaria, cuja execução pode ser promovida caso o degradador direto não cumpra com a obrigação, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por indisponibilidade ou incapacidade, por qualquer razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso. Portanto, neste primeiro arresto, a posição é que o Estado responde apenas de forma subsidiária. Contudo, o mesmo Superior Tribunal de Justiça, adotando a teoria americana do “bolso profundo”, passou a decidir pela prevalência da tese de que todos os poluidores são responsáveis solidariamente pelos danos ambientais, firmando no REsp 1.071.741/2009, que independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto (Estado recorrente)(art. 3º da Lei n.º 6.938/1981), é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidade objetiva), sendo certo que uma vez fixados os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, haverá solidariedade entre os responsáveis pelo dano ambiental, independente da relação direta ou indireta com o dano.[2]

A evolução jurisprudencial sobre a responsabilidade civil do poluidor indireto (o que inclui o poluidor público e privado) alcançou o legislador através da Lei n.º 11.05/2005, denominada Lei da Biossegurança. Segunda a Lei da Biossegurança, os financiadores de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados devem exigir dos executores Certificado de Qualidade em Biossegurança sob pena de se tornarem corresponsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação. De igual forma, a Lei da Política Nacional de Meio Ambienta n.º 6.938/1981, exige que as entidade e órgãos oficiais de crédito condicionem a sua concessão ao prévio licenciamento ambiental das suas atividades, mediante a aprovação dos respectivos projetos (art. 12). Em tal hipótese se encontra os bancos oficiais como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, por exemplo.

Toda a proteção de direito material possui rebatimento direto no direito processual civil. Para tanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aponta a impossibilidade de aplicação dos institutos de denunciação da lide e do chamamento ao processo, nas situações em que o objeto do processo versar sobre danos ambientais. O entendimento jurisprudencial fundamenta a posição nas premissas relacionadas com a celeridade processual e com a prática na viabilidade da reparação do dano ambiental. Pelo AgRg no Ag. 1.213.458/2010, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que é incabível a denunciação da lide, pois a ação civil pública relacionada com danos ao meio ambiente deve discutir, unicamente, a relação jurídica referente à proteção do meio ambiente e das suas consequências pela violação a ele praticada. Para Amado (2012, p. 451), o entendimento da Corte Superior é louvável, pois agiliza a reparação dos danos ambientais, que seria retardada pelo excesso de réus no processo, assim como pela discussão de eventual culpa para repartição de responsabilidade entre os poluidores. O mesmo autor destaca, também, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme quanto a não ser obrigatória a formação de litisconsórcio, visto que a responsabilidade de reparação integral do dano ambiental possui natureza solidária.

Outras duas questões processuais que circundam o processo civil relacionado com a responsabilidade civil do Estado por danos ao meio ambiente são: a) a inversão do ônus da prova e b) a desconsideração da personalidade jurídica.

Informa Amado (2012, p. 452) que o Superior Tribunal de Justiça passou a admitir a inversão do ônus da prova nas ações de reparação dos danos ambientais, sob o fundamento da existência de interesse público na reparação do dano e, ainda, no princípio ambiental da Precaução (REsp 972.902/2009). Em relação a desconsideração da personalidade jurídica, a matéria foi retratada pela Lei de Crimes Ambientais, Lei n.º 9.605/1998. De acordo com o art. 4º poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.     

Conclusão.

Pelo presente foi possível apurar quer o Poder Público, diferentemente da compreensão generalista sobre a responsabilidade civil do Estado prevista no art. 37 caput da Constituição Federal, responde pelos danos ambientais de forma objetiva, solidária e ilimitada, que nesta qualidade provocar, seja por atos comissivos ou omissivos.

O artigo apontou, ainda, que a jurisprudência busca assegurar, de forma contumaz, a reparação do dano ambiental, ultrapassando barreiras de direito material e processual, como é o caso das questões relacionadas com a inversão do ônus da prova.

Há, contudo, um importante destaque a ser considerado no que relaciona a teoria, a legislação e a prática da fiscalização e do licenciamento ambiental na federação brasileira. É indene de dúvida que a legislação ambiental brasileira é robusta, com ampla proteção ao meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho; porém, existe um distanciamento entre o que prevê a legislação e a capacidade operacional dos órgãos ambientais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

As desigualdades regionais, relacionadas com o acesso a formação técnica e aos recursos financeiros necessários à gestão do meio ambiente acabam impactando diretamente nas ações de fiscalização e na qualidade do licenciamento ambiental; sem falar, ainda, no vetor político que percorrer os meandros e os bastidores do licenciamento ambiental dos grandes projetos do agronegócio (bancada ruralista) e da mineração, tendo na linha de frente empresas com capital público, como é o caso da Companhia Vale.

O descompasso entre a teoria, a legislação e prática pode resultar perverso para toda a sociedade, por duas razões bem simples. Primeiro, que pela incapacidade técnica ou pela falta de condições materiais ou pela influência política, os órgãos ambientais podem errar ou afrouxar no licenciamento ambiental ou deixar de fiscalizar adequadamente o uso dos recursos naturais. Segundo, pelo fato de que a reparação pelo dano ambiental, depois de ocorridos, além de ser muito difícil, de vitimar seres humanos, destruir a fauna e a flora; será recuperado com recurso financeiro do contribuinte, ou seja, havendo condenação do Estado por ação ou omissão, será o cidadão que pagará pela recuperação do dano ambiental.

A revisão da gestão ambiental no sistema federativo é elementar à política nacional de meio ambiente e, consequentemente para afastar o sistema de morte que assombra o Ser Humano, pois, sem estrutura, sem ética pública não será possível corrigir e reduzir os riscos ambientais da intervenção, necessária, do homem no meio ambiente.

 

Notas e Referências

[1] Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo388.htm. Acesso em 01 de fev. 2019.

[2] AMADO, Frederico. Direito ambiental esquematizado. 3º edição – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: ed. Método, 2012.

 

Imagem Ilustrativa do Post: BH vai ganhar 54 mil mudas de árvores nos próximos três anos // Foto de: Prefeitura de Belo Horizonte // Sem alterações

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