Os crimes do Estatuto do Idoso – Por Ricardo Antonio Andreucci

08/06/2017

Em tempos conturbados, como os que vivemos hoje em dia no Brasil, de desrespeito generalizado às instituições e à parcela honesta da população, nunca é demais lembrar que temos um Estatuto do Idoso em vigor, cuja proposta foi, ou deveria ser, a de proteger aqueles que, em razão da idade, são considerados vulneráveis e merecedores de maior atenção por parte do Estado.

Adotando a doutrina da proteção integral, o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741, de 1º-10-2003) trouxe algumas modificações em tipos penais que já existiam, criando, ainda, outras figuras típicas até então inexistentes (“novatio legis” incriminadora).

No âmbito penal, é bom que se diga, o Estatuto do Idoso abandonou o sistema de fornecimento de eficácia, característico do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor, optando o legislador pela implementação de tipos penais autônomos, todos destinados à tutela da vida, da integridade corporal, da saúde, da liberdade, da honra, da imagem e do patrimônio do idoso, assim considerada a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos.

No que se refere às figuras típicas incorporadas à legislação criminal, merece especial destaque aquela referente à omissão de socorro ao idoso, punindo o art. 97 com detenção de 6 meses a 1 ano aquele que “deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública”.

Também foi tipificado, no art. 98, o abandono de idoso “em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres”, com pena de detenção de 6 meses a 3 anos, incidindo nas mesmas penas aquele que não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado”.

A exposição a perigo da integridade e da saúde, física ou psíquica, de pessoa idosa também foi tipificada no art. 99, atuando o agente por meio da submissão do idoso, com idade igual ou superior a 60 anos, a “condições desumanas ou degradantes”, ou, quando obrigado a fazê-lo, “privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis”, bem como “sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado”. Esse crime torna-se qualificado pelo resultado quando decorrer do fato morte ou lesão corporal de natureza grave.

Modalidade específica de apropriação indébita foi instituída pelo art. 102 do Estatuto, o qual pune a seguinte conduta: “apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade”. Fixando pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa, buscou o legislador a proteção do patrimônio do idoso, representado por seus bens, proventos, pensão, ou qualquer outro rendimento, inclusive os provenientes de aposentadoria ou de algum benefício previdenciário.

Nesse sentido, inclusive, foi tipificada, no art. 104, a conduta de “reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso, bem como qualquer outro documento com objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida”, punida com detenção de 6 meses a 2 anos e multa.

E não é só. O patrimônio do idoso vem ainda protegido pela lei, quando este, “sem discernimento de seus atos”, for induzido a “outorgar procuração para fins de administração de bens ou deles dispor livremente”. Estabelece o art. 106, para essa conduta, pena de reclusão de 2 a 4 anos. Ainda, se for negado acolhimento ou permanência do idoso, como abrigado, “por recusa deste em outorgar procuração à entidade de atendimento”, fixa o art. 103 pena de detenção de 6 meses a 1 ano e multa.

Por seu turno, aquele que “coagir, de qualquer modo, o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar procuração”, atentando contra sua liberdade individual, fica sujeito, segundo o art. 107, a pena de reclusão de 2 a 5 anos.

Inclusive, se algum ato notarial que envolva pessoa idosa sem discernimento de seus atos” for lavrado “sem a devida representação legal”, estará o agente sujeito, nos termos do art. 108, à pena de reclusão de 2 a 4 anos.

A discriminação ao idoso também foi tratada pelo Estatuto no art. 96, punindo aquele que impedir ou dificultar o acesso dele a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar, ou discriminá-lo por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade. Na mesma pena de reclusão de 6 meses a 1 ano incorre quem desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa idosa, por qualquer motivo” (§ 1º do art. 96).

Em igual sentido, o agente que “exibir ou veicular, por qualquer meio de comunicação” (televisão, rádio, jornais, revistas, cartazes, internet etc.), “informações ou imagens depreciativas ou injuriosas à pessoa do idoso”, estará sujeito à pena de detenção de 1 a 3 anos e multa (art. 105).

Tipificou, ainda, o Estatuto, no art. 100, várias condutas relacionadas ao idoso, as quais podem, em tese, caracterizar infração penal, a saber: “I – obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público por motivo de idade; II – negar a alguém, por motivo de idade, emprego ou trabalho; III – recusar, retardar ou dificultar atendimento ou deixar de prestar assistência à saúde, sem justa causa, a pessoa idosa; IV – deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude esta Lei; V – recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil objeto desta Lei, quando requisitados pelo Ministério Público”.

Foi também criminalizada no diploma em análise a conduta do agente que “deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida nas ações em que for parte ou interveniente o idoso”, fixando pena privativa de liberdade de detenção de 6 meses a 1 ano e multa (art. 101).

O Estatuto do Idoso, outrossim, modificou vários artigos do Código Penal e da legislação especial, sempre visando à proteção integral da pessoa com idade igual ou superior a 60 anos.

Merece ser ressaltado, ainda, que, visando conferir eficácia à atuação do Ministério Público (arts. 72 a 77) e de outros agentes fiscalizadores, nos termos da lei, tipificou o legislador a conduta do agente que “impedir ou embaraçar ato do representante do Ministério Público ou de qualquer outro agente fiscalizador”, estabelecendo pena de reclusão de 6 meses a 1 ano e multa (art. 109).

Vale destacar, ademais, que os crimes definidos no Estatuto do Idoso são de ação penal pública incondicionada, ficando expressa, no art. 95, a vedação ao reconhecimento das imunidades penais absolutas e relativas aplicáveis aos crimes contra o patrimônio do idoso.

Por fim, estabeleceu o Estatuto do Idoso, no art. 94, a aplicação do procedimento previsto na Lei n. 9.099/95, incluindo a transação, aos crimes nele previstos, “cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos”. A aplicação deste procedimento deve cingir-se aos delitos tipificados nos arts. 96 a 109 do Estatuto do Idoso (a redação do art. 94 é expressa: “aos crimes previstos nesta Lei”), não incluindo, evidentemente, nenhum outro dispositivo por ela alterado do Código Penal ou da legislação especial.


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