Os contratualistas: Rousseau, o radical

17/06/2020

Estamos habituados a falar do Estado, do capitalismo etc, ou seja, dos modos de organização social como se falássemos de entes bons ou maus, com vontade e capacidade própria. Ora, essas coisas são invenções da humanidade. O humano produz a sociedade em que vive.

Claro, produz e é produzido. Um modo de viver socialmente, depois de feito condição de vida, torna-se agente; ao nascermos em dado período histórico, somos determinados por ele. A isso nomeamos Dialética da História: nós produzimos a História, mas a História produzida nos produz.

Contradigo-me? Pretendo que não. Sustento que não existe a História sem o humano e não existe o humano sem a História. História e humanidade produzem-se reciprocamente. Refregas por interesses, ideologias, vantagens mundanas, enfim, por poder, são o motor dos acontecimentos.

Essas lutas engendram novas circunstâncias que enquadram novas condições de viver e de pensar dos humanos que nascem e se formam nesses caldos conflitivos; seguintemente reescrevem a História e por ela são reescritos. Ninguém, pois, controla o devir, o que faz da vida uma aventura.

Em Contrato de Convivência Social procurei mostrar que a Idade Moderna retirou da divindade católica a fabricação do mundo e devolveu-a aos humanos. A humanidade declarou-se responsável por si, então, ela teria uma melhor ou pior vida se organizasse uma melhor ou pior maneira de viver.

Nessa época pensadores designados contratualistas defendiam que os humanos poderiam ser tomados de sensatez suficiente para combinar um jeito de conviver digno para cada um, de modo que todos vivessem em paz. Os contratualistas principais são: Hobbes, Locke e Rousseau.

Começando com Thomas Hobbes, a quem denominei “o autoritário”, seguindo com John Locke, a quem nomeei “o liberal”, resumi, em dois artigos anteriores a este, o que cada um deles propõe sobre as condições mínimas necessárias – e exigíveis – para se construir uma vida social decente.

Agora, editando o escrito e concatenando as ideias de Jean-Jaques Rousseau (Editorial Presença, 1977), havido por inspirador de Karl Marx, destaco: São advertências e cláusulas d’O Contrato Social “Em condições sociais razoáveis, cuidadas por normas razoáveis, vive-se em paz” (p. 16).

São indefensáveis contratos com vantagens desproporcionadas: “Estabeleço contigo um acordo, inteiramente em meu benefício e totalmente em teu prejuízo, que manterei enquanto quiser e que tu terás de aceitar enquanto eu assim o entender” (p. 19). Quem se conformaria com tal?

Porém, se cada um desistir do excesso, aceitando condições igualitárias, ou seja, se em um pacto predominam justiça e razão, edifica-se “uma igualdade moral e legítima, e os homens que na força e no gênio são desiguais, tornam-se iguais pela convenção e pelo direito” (p. 30).

“Se o Estado é uma entidade moral cuja vida consiste na união dos seus membros, e se o mais importante dos seus cuidados é o da sua própria conservação, tem de existir uma força universal e compulsiva que mova e disponha cada parte de maneira mais conveniente para o todo” (p. 38).

“Cada um tem de se submeter às mesmas condições que impõe aos outros. Todos ficam obrigados às mesmas condições e todos devem gozar dos mesmos direitos” (p. 41). “Quem pretende o fim, aceita os meios e estes meios não podem separar-se dos riscos e até de algumas perdas” (p. 43).

 “Os indivíduos costumam não apreciar outro plano de governo que não seja o que mais se aproxime do seu interesse particular. [Contudo, não haverá boa vida em comum sem que os cidadãos] obedeçam livres e suportem docilmente o jugo da felicidade pública” (p. 51) por sobre a particular.

Não há salvação privada fora do exercício pleno – vida pública – da cidadania. “Qual a finalidade da associação política? É a conservação e a prosperidade dos seus membros” (p. 99). Mas se “alguém diz: Que me importa? ao referir-se às questões do Estado, o Estado está perdido” (p. 111).

A história de muitos povos produziu desvios. Muitas anomalias, com custos danosos a todos, vêm-se arrastando pelos tempos.  “Os que só conhecem Estados mal constituídos desde a sua origem enganam-se pensando ser possível manter semelhante equilíbrio” (p. 124). É o nosso caso.

Nos registros do mundo, estamos na conta de país extremamente desigual. Dos que têm condições, somos o pior. A vida social brasileira nunca foi, não é e não tem planos de se tornar justa, racional, igualitária. Pagamos um preço desgraçado convertido em violência, insegurança, medo.

Rousseau não raro é simplificado na afirmação de que “o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”. Ora, nós produzimos as circunstâncias que nos produzem. Se as recebemos ruins, havemos de dar jeito nelas, ou será cada um por si: natureza, estado de guerra de todos contra todos.

Os que abiscoitam vantagens nesse sistema perverso e, pior, dizem “Que me importa?” (“E daí?”), “enganam-se pensando ser possível manter semelhante equilíbrio”.  De vez em quando nos conflagramos; um dia esse negócio explode. Nisso, a sabedoria Tiririca: “Pior do que está, não fica”.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Jean Jacques Rousseau // Foto de: Skara kommun // Sem alterações

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