Com o titulo do Livro do Professor Sabetai Calderoni “os bilhões perdidos no lixo”, pretende-se abordar a questão dos Resíduos Sólidos no Brasil. Visitando a bibliografia especializada, há registros de que ao longo da história da humanidade, as formas de disposição do lixo foram o abandono dos resíduos em lugares abertos (lixões) e a incineração. André Trigueiro (Mundo Sustentável. Rio de Janeiro, ed. Globo, 2005), registra que o primeiro depósito municipal de lixo do ocidente data de 500 d. C., em Atenas e, que o primeiro incinerador de lixo urbano foi apresentado ao mundo pelos ingleses no ano de 1874, em Nottinghan.
Segundo o Professor Daniel R. Sindicic (Gestão de Resíduos Sólidos no Brasil. São Paulo. ed. Livre Impressão. 2011), a geração de resíduos sólidos é uma situação sem precedentes que vem transtornando a vida na Terra. O Professor explica que a Terra parece pequena demais para o mundo de gente que nela vive. Aduz, que no inicio da era cristã, 200 milhões de pessoas eram contadas ao redor do planeta; entretanto, que em 1750, a Terra já suportava um bilhão de habitantes e, a partir do século XX, com os avanços da agricultura e da medicina, a população da Terra foi estimada, no ano de 2008, em 6,677 bilhões de habitantes.
O aumento da população, atrelado ao permanente avanço da tecnologia, da cultura capitalista do consumo sem limites, do hábito da população na disposição incorreta do lixo; trouxeram como resultado o desequilíbrio dos ecossistemas, a produção de bilhões de toneladas de resíduos sólidos e o agravamento das questões relacionadas à saúde, a qualidade de vida e ao meio ambiente.
A questão central, portanto, quando se fala em resíduos sólidos, ao que parece, esta na capacidade de compreensão, pela sociedade, de que qualquer tipo de atividade humana – doméstica ou industrial; rural ou urbana -, produz resíduo e que apenas com a adequada gestão do resíduo será possível mitigar os impactos na vida e no meio ambiente. Para se compreender melhor, o mundo produzia em 2006, aproximadamente, 5,5 milhões de toneladas de resíduo sólido urbano, segundo o instituto de pesquisa americana Market Resaerch (www.marketresaerch.com -, acesso em 26 de março de 2017). O Brasil, em 2008, pelos dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública, alcançou o total diário de 169 mil toneladas de lixo urbano por dia, uma média de 1,080 kg/dia per capita. (www.abrelpe.org.br – acesso em 22 de março de 2017).
Fixado que não existe atividade humana imune à geração de resíduo, resta discutir a gestão dos resíduos. Há diferentes formas de gerenciar lixo – disposição em aterros sanitários, sistema de compostagem, coleta seletiva, incineração, dentre outros. A questão, contudo, relaciona-se com a mudança de perspectiva da sociedade sobre o que é o lixo e, sobretudo, sobre qual o valor do lixo. Para o Professor Daniel R. Sindicic (pg. 143), o lixo deve ser tratado e reconhecido como um tipo de recurso (matéria prima ou energia), e que gerenciar lixo exige uma avaliação do ciclo de vida do resíduo, por inteiro; da geração à seleção, da triagem ao tratamento e à disposição final – ou seja, “do berço ao tumulo”.
Uma vez que se entenda que o resíduo humano ou industrial pode ser transformado em recurso econômico (subproduto por meio da reciclagem ou do fornecimento de energia), a visão do gerenciamento do resíduo passa a ser compreendida como um conjunto de instrumentos e de técnicas de manejo que ultrapassam a mera disposição em aterros sanitários, alcançando aspectos ambientais e econômicos.
O Brasil, segundo dado divulgado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Publica, destinava em 2008, 54,8% do resíduo coletado em aterro sanitário, enquanto que o restante, 45,2% foram dispensados em “lixão”. Aparentemente, os dados representam um avanço, porém, para o Professor Daniel R. Sindicic (pg. 144), o aterro sanitário está longe de ser o mais adequado, ao contrario, apesar de barato, tem sido cada vez mais condenado do ponto de vista ambiental em razão da emissão de gases de efeito estufa, provocado pela degradação dos materiais, além do desperdício de recursos energéticos contidos na massa do resíduo.
O Professor Daniel R. Sindicic, sobre o tratamento dos resíduos, observa:
Os sistemas mais bem acabados de gerenciamento incluem, por exemplo, os princípios de valorização dos resíduos. Princípios só possíveis com a adoção da coleta seletiva e da reciclagem e, posteriormente, das tecnologias de tratamento térmico para produzir energia, sempre procurando minimizar a geração de RSU e aproveitar, de modo racional o que o lixo tem de melhor.
A solução para o gerenciamento dos resíduos urbanos não é, portanto, única, mas sim integrada – entre os países mais desenvolvidos nessa gestão, a tendência é combinar alternativas de disposição e tratamento de modo a otimizar a relação custo-benefício e atingir benefícios ao meio ambiente.
Nesse sentido, o Brasil, após longos anos de tramitação, editou a Lei Federal n.º 12.305, de 02 de agosto de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, reconhecida, no sistema de competências legislativas, como a lei geral de proteção ambiental (art. 24 da CF/88).
Dentre os princípios, os objetivos, as diretrizes e os instrumentos, a Lei n.º 12.305/2010 estabeleceu: a) a gestão integrada e o gerenciamento de resíduos sólidos, incluído os perigosos; b) às responsabilidades dos geradores e do poder público e, ainda, c) os instrumentos econômicos aplicáveis.
Por gestão integrada de resíduo, a Lei n.º 12.305/2010 concebeu um conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, observada a premissa do desenvolvimento sustentável.
Dentre diversos outros aspectos, a lei normatizou, ainda, o conceito de rejeitos e de resíduos sólidos, importantes para o debate que propomos, a saber:
Rejeitos: resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada;
Resíduos sólidos: material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividade humana em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgoto ou em corpos d’agua, ou exijam para isso, soluções técnicas ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.
Das definições, é possível observar a sintonia da lei com as ideias modernas de tratamento dos resíduos e rejeitos, pois, fixa o uso de soluções técnicas integradas e soluções tecnológicas econômicas e viáveis.
A realidade que encontramos no Brasil, portanto, diferente de outras partes do planeta, é dicotômica, pois, ao mesmo tempo em que temos instrumentos legais e normativos adequados à proteção do meio ambiente (inclua-se o gerenciamento de resíduo), estamos em condição letárgica quanto às politicas públicas, a educação ambiental e a mudança cultural em relação ao tratamento dos rejeitos e dos resíduos.
Em relação ás politicas públicas, depois da Edição da Lei Federal n.º 12.305/2010, apenas entre 2015 e 2017 é que Estados e Municípios iniciaram a elaboração e a edição de normas regionais e locais sobre gestão integrada de resíduos sólidos; interagindo tardiamente com plano de saneamento básico previsto no art. 19 da Lei Federal n.º 11.445/2007.
A educação ambiental, pilar da mudança de habito e do protagonismo da sociedade civil, é um importante instrumento contido nas legislações ambientais, devendo estar presente de forma interdisciplinar e transversal em todas as ações desenvolvidas pelo poder público ou pelas Sociedades Empresarias. A educação ambiental é o fomento necessário à constituição da cidadania ambiental, cuja perspectiva inclui a inserção do Ser Humano como agente detentor de Direito e de Obrigações em relação ao Meio Ambiente. Assim é que a Lei Federal n.º 12.305/2010 determina a “responsabilidade compartilhada” pelo ciclo de vida dos produtos como atribuição individualizada, alcançando os consumidores e, especialmente, estabelece a participação social na definição das politicas públicas por meio do “controle social” – conjunto de mecanismos que garantem à sociedade informações e participação nos processo de formulação, implementação e avaliação das politicas públicas relacionadas aos resíduos sólidos.
Por fim, a mudança cultural quanto ao tratamento dos resíduos. Primeiro, é necessário olhar o lixo como fonte de recurso econômico. A indústria da reciclagem, por exemplo, movimenta milhões de dólares em todo o mundo. Países da Europa, como a Alemanha e a França; países do Oriente, como o Japão; incluem o lixo como matriz energética por meio do processo de reciclagem energética ou “waste-to-energy” – (energia-do-lixo). Segundo, é fundamental que o país diversifique e integre as diversas formas e técnicas de gerenciamento dos resíduos sólidos, pois, a mera disposição em aterro sanitário, ainda que devidamente licenciado, não representa a melhor alternativa, visto que ocorrem significativas perdas energéticas; emissão de gases que provocam o efeito estufa e exigem áreas de grandes dimensões para o funcionamento.
O lixo é um problema e a sociedade deve enfrentar sua gravidade com inteligência. A adequada gestão deve incluir o uso da ciência e da tecnologia, por meio da diversificação das diferentes formas de disposição e tratamento do resíduo; a educação ambiental, com a modificação de hábitos individuais e coletivos; a participação social responsável na discussão, elaboração e implementação das politicas públicas voltadas aos resíduos sólidos; a revisão do modelo predatório de consumo dos recursos naturais; o compartilhamento de tarefas entre o setor público e o setor privado; a implementação da sustentabilidade no ciclo de vida dos resíduos; o fomento econômico do lixo por meio do fortalecimento da coleta seletiva e da reciclagem e da produção de energia.
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