Os 30 anos da Constituição Federal de 1988: Afinal o momento é de reforma ou reflexão?

27/09/2018

 

              No próximo dia 5 de outubro de 2018, o Brasil, estará comemorando 30 anos da promulgação da Constituição Federal sendo esta, segundo alguns historiadores[i], a oitava Carta Magna que o país já teve.

              Segundo classificação mais aceita[ii], o Brasil teve as seguintes Constituições Federais: 1824 (outorgada), 1891 (promulgada), 1834 (promulgada), 1937 (outorgada), 1946 (promulgada), 1967 (semioutorgada), 1969 (outorgada)[iii] e 1988 (promulgada), sendo todas elas de conteúdo formal, apresentação escrita, elaboração dogmática e extensão analítica, sendo que, com exceção de 1824 que era semirrígida, todas as demais são rígidas[iv].

              Dentre as constituições brasileiras a que mais tempo ficou em vigor foi a de 1824, pois perdurou por todo o período imperial (1824 – 1889), até que a nova constituição, já na República fosse promulgada. Foi neste período, no reinado de D. Pedro II, que o país vivenciou por mais tempo uma estabilidade civil, política e econômica, além de desfrutar de prosperidade e reconhecimento internacionais.

              Mais adiante na história, o país começou a apresentar instabilidades políticas, sociais e econômicas, sendo, sobretudo nos anos 1960, o período onde tivemos a Constituição que menos perdurou na República, a de 1967, elaborada por pressão dos militares sobre o Congresso Nacional, sem a participação dos opositores ao Regime Militar.

              Porém, o Brasil não é o único país do mundo a ter tantas constituições. Curiosamente, a França, país desenvolvido e estável social, política e economicamente, teve no decorrer de sua história inúmeras constituições, sendo que a atual Constituição Francesa, datada de 4 de outubro de 1958, é a 15ª constituição em vigor desde a Revolução Francesa (1789 – 1799).

              Dentre os países com as constituições mais antigas do mundo, podemos citar do Principado de San Marino, (continente europeu), a qual está em vigor desde o ano de 1600 e, os Estados Unidos, com sua promulgação em 17 de setembro de 1787 e ratificada em 21 de junho de 1788.

              Se compararmos a Constituição dos Estados Unidos da América com a Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, veremos as enormes diferenças entre elas, desde suas concepções, passando por suas emendas e longevidade das mesmas.

              A Constituição Americana possui 7 artigos (preâmbulo e artigos) e apenas 27 emendas constitucionais, elaborados por 55 ‘notáveis”[v] e está em vigor há 230 anos. Por outro lado, a Constituição Brasileira, possui 250 artigos, 106 emendas constitucionais a qual foi elaborada por 559 congressistas eleitos em 1987 para compor a Assembleia Nacional Constituinte[vi].

              Data vênia, não foram somente os americanos que adotaram esta medida baseada em “notáveis” para escrever leis nacionais que impactariam na vida de seus cidadãos. O Imperador Napoleão Bonaparte (1769 – 1821), preocupado em leis modernas e condizentes com as necessidades do povo francês, também convocou quatro “notáveis” para elaborar o que veio a se chamar Código Civil Napoleônico.

              Também chamado de Código Civil Francês, foi elaborado entre os anos de 1803 e 1805, por quatro “notáveis”: Félix Julien Jean de Préameneu, Jacques de Maleville, François Denis Tronchet e Jean-Étienne Marie Portalis, sendo o código ratificado em 21 de março de 1804, possuindo, portanto 204 anos.

              Per summa capita, este código elaborado por “célebres” tornou-se tão importante que acabou servindo de modelo para formar os sistemas legais de inúmeros outros países, dentre os quais: Portugal, Espanha, Itália, Holanda e Bélgica, além de influenciar sobremaneira o Direito no Reino Unido (mesmo sendo o sistema Commom-Law), República da Irlanda, Áustria, Alemanha, Suíça, Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e Rússia.

              Neste momento de turbulências políticas e eleições majoritárias pelo qual o Brasil passa, por óbvio, há aqueles que são a favor e aqueles que são contra as mudanças, sendo que alguns argumentos são fundados, enquanto que outros não.

              A verdade é que, conforme demonstramos anteriormente, países com constituições mais enxutas são as mais duradouras e, em consequência disso, aqueles mais estáveis dada a segurança jurídica que as leis transmitem não só aos seus cidadãos, mas também aos investidores nacionais e estrangeiros.

              Vis-à-vis, o Brasil ter passado por várias constituições e por breves períodos de democracia plena, intercalados por juntas militares no poder ou por presidentes de perfis ditatoriais, a maior crítica ao se convocar “notáveis”, (a exemplo do que americanos e franceses fizeram), para elaborar uma nova constituição mais enxuta, moderna e condizente com a realidade da sociedade brasileira, é que os chamados representantes do povo, eleitos democraticamente para compor a Assembleia Nacional Constituinte, ficariam de fora da mesma, sendo, portanto “ilegítima” por falta de representatividade popular.

              Todavia, apenas esta argumentação não se sustenta em si mesma, pois no passado a população brasileira também não participou da Proclamação da Independência (1822), Proclamação da República (1889), tampouco da elaboração daquelas constituições outorgadas pelos mandatários na nação.

              Em que pese a CRFB/88 ter sido a primeira elaborada por representantes do povo eleitos pelo voto direto, após 21 anos de regime militar, a também conhecida como “Constituição Cidadã”, não faltam críticas à Carta Magna, quais sejam: carta excessivamente extensa, excesso de Emendas Constitucionais; abrangente demais; documento rígido, onde apresenta inúmeras cláusulas pétreas, as quais não podem ser modificadas a não ser uma nova Assembleia Nacional Constituinte; não atendeu às necessidades básicas a qual se propôs: “educação, saúde e segurança”; sem mencionarmos que o artigo que trata do salário mínimo[vii] ser uma falácia, pois em 30 anos de vigência, nunca sequer chegou perto de ser cumprido em sua integralidade.

              Dado o dinamismo da sociedade em constante evolução, inserida numa economia globalizada, a velocidade das informações e dos acontecimentos, a Carta Magna se tornou um documento engessado o qual não condiz com a realidade nacional e com as atuais demandas da sociedade.

              Coeteris paribus, a Constituição Federal como se encontra, urge por mudanças de todas as ordens, quais sejam: política, tributária, criminal, eleitoral, ambiental ou trabalhista, pois somente com estas é que o país vai poder retomar seu desenvolvimento econômico, oferecendo a segurança jurídica que os brasileiros e o mundo esperam.

 

NOTAS E REFERÊNCIAS

[i] Uma corrente minoritária defende que a primeira Constituição Federal data de 1822, a qual é chamada de Constituição Luso-Brasileira de 1822, resultante das Cortes Extraordinárias Constituintes Portuguesas, eleitas em Portugal e suas colônias, em decorrência da Revolução Liberal do Porto (1820).

[ii] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

[iii] Alguns historiadores não consideram a Constituição Federal de 1969 como uma constituição, mas sim, apenas uma emenda à Constituição de 1967. 

[iv] A rigidez da Constituição pressupõe que para que haja alguma alteração em seu texto, há que ser realizada através de Emenda Constitucional aprovada em dois turnos, por 3/5 dos congressistas de ambas as casas do Congresso Nacional, segundo art. 60, §2º, CRFB/88.

[v] Formada pela Convenção da Filadélfia (1787), composta por 55 delegados incumbidos de elaborar a constituição dos EUA, sendo a Carta Magna aprovada por 39 destes representantes.

[vi] Instalada no Congresso Nacional entre 1º de fevereiro de 1987 e 22 de setembro de 1988, com o objetivo de elaborar a nova Constituição Federal, resultado da Emenda Constitucional Nº 26, de 1985.

[vii] Diz o artigo 7º, inciso IV da CRFB/88: "São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim". (nosso grifo).

 

Imagem Ilustrativa do Post:Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da Nação. // Foto de: Maira Fornazza // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/mairafornazza/6484688703

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura