Os 27 anos de ratificação do Pacto de San Jose da Costa Rica

02/11/2019

A Convenção Americana de Direitos Humanos, popularmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica é um tratado celebrado pelos integrantes da Organização de Estados Americanos (OEA), adotada e aberta à assinatura durante a Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e tendo entrado em vigor a 18 de julho de 1978, com a ratificação do décimo primeiro instrumento, de iniciativa de Granada. A Convenção Americana de Direitos Humanos foi referendada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n.º 27/92, e, posteriormente, promulgada através do Decreto (Presidencial) n.º 678, de 6 de novembro de 1992.

Os Estados signatários desta Convenção se "comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que está sujeita à sua jurisdição, sem qualquer discriminação".

Se o exercício de tais direitos e liberdades ainda não estiver assegurado na legislação ou outras disposições, os Estados membros estão obrigados a adotar as medidas legais ou de outro caráter para que estes direitos venham a tornar-se efetivos.

A Convenção estabelece, ainda, a obrigação dos Estados para o desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais contidos na Carta da OEA, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou outros meios apropriados.

Como meios de proteção dos direitos e liberdades, a Convenção criou dois órgãos para tratar de assuntos relativos ao seu cumprimento: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O documento é composto por 81 artigos, incluindo as disposições transitórias, que estabelecem os direitos fundamentais da pessoa humana, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade pessoal e moral, à educação, entre outros. A convenção proíbe a escravidão e a servidão humana, trata das garantias judiciais, da liberdade de consciência e religião, de pensamento e expressão, bem como da liberdade de associação e da proteção a família.

A Convenção está entre os principais documentos internacionais de proteção dos direitos humanos. Destaca-se, nesse contexto, trecho do seu preâmbulo:
Os Estados Americanos signatários da presente Convenção,
[…]
Reconhecendo que os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos.

O conteúdo normativo do Pacto de São José da Costa Rica aborda diversos direitos, divididos em dois grupos, conforme abaixo se enumera:
a) direitos civis e políticos: direito à personalidade jurídica (artigo 3º), à vida (artigo 4º), à integridade pessoal (artigo 5º), à proibição da escravidão e da servidão (artigo 6º), à liberdade pessoal (artigo 7º), à diversas garantias judiciais (artigo 8º), ao princípio da legalidade e retroatividade da lei penal mais benéfica (artigo 9º), à indenização em casos de responsabilidade por erro judiciário (artigo 10), à proteção da honra e da dignidade (artigo 11), à liberdade de consciência e de religião (artigo 12), à liberdade de pensamento e de expressão (artigo 13), ao direito de retificação ou resposta (artigo 14), ao direito de reunião (artigo 15), à liberdade de associação (artigo 16), à proteção da família (artigo 17), ao nome (artigo 18), à proteção dos direitos da criança (artigo 19), à nacionalidade (artigo 20), à propriedade privada (artigo 21), à liberdade de circulação e de residência (artigo 22), aos direitos políticos (artigo 23), à isonomia (artigo 24), à proteção judicial (artigo 25); 
b) direitos econômicos, sociais e culturais: direitos ao desenvolvimento progressivo (artigo 26).
O Pacto de São José da Costa Rica autoriza situações em que se admite a suspensão de garantias, como em caso de guerra, perigo público ou outras emergências que possam ameaçar a independência ou a segurança do Estado membro. Nesse sentido, veja a seguir o artigo 27.
Artigo 27 - Suspensão de garantias
1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-Parte, este poderá adotar as disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.
2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3º (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4º (direito à vida), 5º (direito à integridade pessoal), 6º (proibição da escravidão e da servidão), 9º (princípio da legalidade e da retroatividade), 12 (liberdade de consciência e religião), 17 (proteção da família), 18 (direito ao nome), 19 (direitos da criança), 20 (direito à nacionalidade) e 23 (direitos políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos.
3. Todo Estado-Parte que fizer uso do direito de suspensão deverá comunicar imediatamente aos outros Estados-Partes na presente Convenção, por intermédio do Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, das disposições cuja aplicação haja suspendido, os motivos determinantes da suspensão e a data em que haja dado por terminada tal suspensão.
E não se limita o Pacto de São José da Costa Rica a descrever direitos, disciplinando, ainda que sumariamente, deveres da pessoa humana. Veja-se, pois, o artigo 32:
Artigo 32 - Correlação entre deveres e direitos
1. Toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a humanidade.
2. Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática.

Criada pelo Pacto de São José, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem a finalidade de julgar casos de violação dos direitos humanos ocorridos em países que integram a Organização dos Estados Americanos (OEA), que reconheçam sua competência.

A Corte é composta por sete juízes eleitos pela Assembleia-Geral da OEA. Os candidatos integram uma lista de nomes propostos pelos governos dos Estados-membros. Não pode fazer parte da Corte mais de um nacional de um mesmo país.

No caso do Brasil, o país passou a reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1998. A Corte é um órgão judicial autônomo, com sede na Costa Rica, cujo propósito é aplicar e interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos e outros tratados de direitos humanos. Não se confunde com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que tem sede em Washington.

A Corte, basicamente, analisa os casos de suspeita de que os Estados-membros tenham violado um direito ou liberdade protegido pela Convenção. O artigo 44 do Pacto de San José permite que qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidades não governamentais legalmente reconhecidas em um ou mais Estados-membros da Organização apresentem à Comissão (sediada em Washington) petições que contenham denúncias ou queixas de violação da Convenção por um Estado-parte.

O Brasil já foi condenado pela Corte a reparar os familiares de Damião Xavier, morto por maus tratos em uma clínica psiquiátrica do Ceará conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Outro caso de grande repercussão que chegou à Comissão (não chegou à Corte) foi o que deu origem a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que criou mecanismos para coibir e prevenir a violência.

A biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, inconformada com a impunidade do marido que por duas vezes tentou matá-la, denunciou o Brasil junto à comissão ligada à OEA. O ex-marido de Maria da Penha, colombiano, só foi julgado 19 anos após os fatos e depois da denúncia ter sido formalizada junto a OEA. Ficou apenas dois anos preso em regime fechado. O caso ganhou repercussão internacional e, em âmbito nacional, levou o Congresso Nacional a aprovar a Lei 11.340/2006. A lei prevê várias medidas protetivas da mulher, quando ocorridas em âmbito doméstico ou familiar.

Os tratados internacionais aprovados, ratificados e devidamente promulgados pelo Brasil possuem hierarquia legal, isto é, equivalem à legislação ordinária. Entretanto, quando tais convenções versam sobre direito humanos, são conferidas a elas prerrogativas especiais que permitem situá-las hierarquicamente acima das leis ordinárias e abaixo da Constituição (supralegalidade), como é o caso de esmagadora maioria dos documentos internacionais ratificados pelo Brasil, podendo chegar até mesmo a serem equiparadas a emendas constitucionais, desde que aprovadas pelo Congresso Nacional nos moldes do art. 5º, § 3º, da Lei Fundamental, exatamente como ocorreu com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o seu Protocolo Facultativo, único exemplo, até o momento, de tratado com statusconstitucional.

O STF, em diversas decisões, vinha fixando entendimento de que restava impossível a prisão civil do depositário infiel, por força da aderência do Brasil aos principais pactos internacionais de direitos humanos, dentre os quais a Convenção Americana (Pacto de San José da Costa Rica de 1969). Advertia a Suprema Corte de o dispositivo esculpido no art. 5º, LXVII da CF apenas fundamentava a prisão civil do devedor de alimentos. Nesse sentido, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966), ao qual o Brasil aderiu, impede a prisão civil do depositário infiel (art. 11), encontrando-se dispositivo similar na Convenção Americana de Direitos Humanos, igualmente assinada pelo governo brasileiro (art. 7º, § 7º).

Assim, o Pacto de San José é hierarquicamente inferior à CF, porém acha-se acima das leis ordinárias (norma supra-legal).

Os demais ministros do STF acompanharam-no, entendendo que hodiernamente só vige a prisão civil por dívida alimentar, valendo ressaltar que nesse julgamento o STF reconheceu, finalmente (5 votos x 4 votos) o valor supra legal dos tratados de direitos humanos já vigentes no Brasil.

Havia 2 correntes no STF: 1ª) capitaneada pelo Min. Gilmar Mendes no sentido de que os tratados de direitos humanos assumem posição supra legal (tese vencedora); 2ª) liderada pelo Min. Celso de Mello, que propugna pelo valor constitucional dos tratados.

Prevaleceu a primeira corrente, embora dois ministros não tenham votado.

Em decisão de 16/12/2009, o Pleno do STF aprovou por unanimidade a seguinte proposta de Súmula Vinculante nº 25 – “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.

 

Notas e Referências 

RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado7. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 105.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm

 

 

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