Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Terceira Turma, proferiu acórdão[1], em que analisou as disposições dos arts. 835 e 847 do CPC/2015, que tratam da ordem de penhora na execução e da substituição do bem penhorado.
Num primeiro momento, da leitura da primeira norma, nada haveria de se ter por divergente, porquanto trata objetivamente dos bens passíveis de penhora na execução (seja de título judicial ou extrajudicial), conferindo ao magistrado uma ordem a ser seguida, nas hipóteses de haver mais de um bem do devedor com a possibilidade de ser penhorado para a garantia do processo executivo.
Todavia, por conta da palavra “preferencialmente” existente no caput do dispositivo, a conclusão de sua aplicabilidade não leva a um resultado único, lógico e objetivo. Além disso, o § 1º do dispositivo, estabelece que o Juiz pode alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
Ademais, a regra se torna um pouco mais complexa quando se verificam os §§ 2º e 3º, que dispõem que “para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento”, e que “na execução de crédito com garantia real, a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia”.
Por sua vez, o art. 847 do CPC autoriza a substituição do bem penhorado, desde que o executado comprove que lhe será menos onerosa e não trará prejuízo ao exequente, regra esta que recebe uma carga de subjetividade, a partir da interpretação das expressões “menos onerosa” e “não trará prejuízo”.
E toda essa conjugação de regras chegou ao STJ em um caso concreto.
Tratava-se, na origem de uma ação de execução de título extrajudicial de cédula comercial, em que foi determinada a penhora de dois veículos dados pelo executado como garantia fiduciária nessa cédula. Tinha-se, portanto, que a penhora recaía exatamente sobre os bens dados em garantia como determina o art. 847, § 3º, do CPC.
O executado interpôs agravo de instrumento contra esta decisão, requerendo a substituição da penhora por carta fiança, com base no princípio da menor onerosidade do devedor (art. 847 do CPC). O Tribunal de Justiça do Paraná decidiu pela improcedência da substituição, pois, de acordo com o § 3º do artigo 835 do CPC: “na execução de crédito com garantia real, a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia (...)”. O acórdão também estabeleceu que somente poderia haver a substituição do objeto da penhora com a anuência do credor, o que não ocorreu no caso, pois este expressamente rejeitou a proposta.
O executado então, interpôs Recurso Especial, sustentando que a não substituição violou o princípio da menor onerosidade, dado pelo artigo 805, caput do CPC, e, ainda infringiu o § 2º do artigo 835 do mesmo Código, que equipara dinheiro a fiança bancária, portanto, colocando-o como primeiro bem a ser penhorado, nos termos do caput do dispositivo.
A relatora do Recurso, Ministra Nancy Andrighi, afirmou, em seu voto, que o artigo 847 do CPC estabelece como requisitos para a substituição do bem penhorado a possibilidade de tal substituição não trazer prejuízo para o exequente e, ainda, a necessidade de o executado provar que lhe será menos onerosa.
Sobre a equiparação dada pelo § 2º, do artigo 835, CPC, a relatora aduziu que o juízo de ponderação entre efetividade e menor onerosidade foi realizado abstratamente pelo legislador, que concluiu pela equiparação da penhora em dinheiro com a fiança bancária e o seguro-garantia, de modo que não cabe ao intérprete avaliar tal equiparação de modo distinto.
Seguindo esta linha de raciocínio, a relatora, concluiu que: “a fiança bancária, em contraposição à garantia real, é mais favorável ao exequente”, podendo, portanto, substituir os bens penhorados, na medida em que se trata de dinheiro e posiciona-se em primeiro lugar na ordem de bens penhoráveis do art. 835.
Quanto à menor onerosidade, a Ministra destacou a necessidade de avaliação caso a caso, com o ônus de prova sendo do executado. Na hipótese, como o devedor provou que os bens (veículos) têm relação com a sua atuação empresarial, se fez preenchido o requisito de menor onerosidade.
Assim, a Terceira Turma decidiu que: (i) de acordo com o disposto no § 2º, do artigo 835, CPC, “equipara-se a fiança bancária e o seguro garantia judicial a dinheiro, desde que em montante não inferior ao do débito executado, acrescido de 30%”; (ii) o disposto no § 3º, do artigo 835, CPC, trata-se de uma preferência relativa, podendo deixar de ser aplicada em casos de “situações excepcionais”; (iii) a penhora do bem dado em garantia pode ser substituída se preenchidos os requisitos estabelecidos no artigo 847, caput, do CPC, que são a menor onerosidade do executado, cabendo a este o ônus de prova, e o não prejuízo ao exequente.
Pois bem. Dispõe o art. 835 do CPC/15 uma ordem de bens a ser observada pelo juiz no momento da penhora. Da leitura da norma, percebe-se, como dito acima, que ela trata das hipóteses em que o devedor tenha mais de um bem passível de ser penhorado na execução, devendo, nesse caso, o juiz atentar para a referida ordem.
Cuida-se, em verdade, de uma regra que pressupõe nela mesma o princípio da efetividade da execução[2], estabelecendo o que entende que deve ser penhorado em primeiro lugar, com o objetivo primordial de satisfazer o credor (art. 797 do CPC). Não por menos o primeiro bem na ordem é o dinheiro, em espécie, ou em depósito, ou aplicação em instituição financeira.
A nosso ver, a ordem dos bens sujeitos à penhora pode ser alterada apenas pelo credor, na medida em que tal ordem foi estipulada em seu benefício, para que a obrigação seja cumprida de modo mais efetivo.
A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial repetitivo, que a gradação legal estabelecida no CPC, estruturada de acordo com o grau de aptidão satisfativa do bem penhorável, embora seja a regra, não tem caráter absoluto, podendo ser flexibilizada, em atenção às particularidades do caso concreto, sopesando-se, necessariamente, a potencialidade de satisfação do crédito, na medida em que a execução se processa segundo os interesses do credor, bem como a forma menos gravosa ao devedor[3].
Dessa forma, se o devedor dispuser de um veículo e um imóvel, ambos por si só suficientes para garantir a execução, pode o credor optar pela penhora do bem imóvel no lugar do veículo, sobretudo porque tem ele direito à adjudicação do bem penhorado.
Por outro lado, não cabe ao devedor inverter a ordem estabelecida, sem que justifique sua pretensão[4]. Nesse caso, deve alegar o prejuízo que pode ocorrer com a manutenção da ordem legal (princípio da menor onerosidade da execução), devendo o juiz ouvir o credor e, posteriormente, decidir sobre o requerimento, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, conforme o § 1º do art. 835.
Cabe ressaltar que, em se tratando de bens localizados na mesma ordem de preferência (por exemplo, pedras e metais preciosos), o devedor poderá escolher, qual prefere que seja penhorado, pois não há aqui qualquer prioridade que a norma pressuponha mais benéfica para o credor.
Extrai-se do § 1º, ainda, que a ordem somente pode ser invertida, por interesse de qualquer das partes, se não disser respeito a dinheiro, pois nesse caso trata-se de bem incapaz de ter sua ordem modificada, por ser o único que, uma vez penhorado, faz cumprir a obrigação nos exatos termos em que ela foi contraída.
Por tal razão é que entendemos que resta superado o teor da Súmula 417 do STJ, que estipula que “na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter absoluto”. Isso porque, como visto no parágrafo anterior, pela leitura do § 1º, o caráter absoluto, agora, veio em expressa disposição legal, diferentemente de como era estabelecido na vigência do CPC/73, que não tinha regramento e dependia de entendimento jurisprudencial[5].
Feita essa digressão, perceba-se que, no caso concreto há duas situações que refletem diretamente na questão da ordem de bens penhoráveis e na possível substituição do bem penhorado: i) o pedido de substituição dos veículos se deu por carta-fiança, que, na forma do § 2º do artigo 835 do Código, equipara dinheiro a fiança bancária, portanto, colocando-o como primeiro bem a ser penhorado, nos termos do caput do dispositivo; e ii) tratava-se de uma na execução de crédito com garantia real, em que a penhora deveria recair sobre a coisa dada em garantia.
O que decidiu o STJ? Como dinheiro é o primeiro bem a ser penhorado e a carta-fiança equipara-se a ele, nada haveria de equivocado em substituir veículos por essa carta-fiança. E quanto ao problema de ser uma execução com garantia real, em que os bens dados em garantia devem ser penhorados? Nesse ponto, decidiu o STJ que essa regra é relativa, e cede espaço quando os bens a serem penhorados em substituição são mais benéficos ao devedor, inclusive por presunção legal.
Quanto a esse último ponto, vale referir, novamente, que a ordem somente pode ser invertida, se não disser respeito a dinheiro, pois nesse caso, conforme o § 1º do art. 835, trata-se de bem incapaz de ter sua ordem modificada, por presunção absoluta de prioridade, mesmo se tratando de bem dado em garantia real de contrato objeto da execução.
Além disso, o CPC regula nos artigos 847 a 853, os aspectos referentes à substituição de bem penhorado, se comprovados alguns requisitos, dentre eles demonstrar que a mudança do bem não trará prejuízo ao credor e que essa modificação é menos onerosa ao executado, nos termos do princípio da menor onerosidade da execução[6].
Portanto, se o bem dado em substituição tem presunção legal de ser mais benéfico ao credor, não há necessidade de o devedor comprovar subjetivamente tal benefício. E como ele comprovou nos autos (expressamente referido no acórdão), que a modificação seria menos onerosa a ele, o segundo requisito resta preenchido, de modo que entendemos que, apesar de excepcional, a decisão do STJ analisou acertadamente caso relevante, e que servirá de modelo para outras hipóteses em que houver execução de contrato com garantia real, no qual o objetivo seja penhorar dinheiro no lugar dos bens dados em garantia.
Notas e Referências
[1] REsp 1851436/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 11/02/2021.
[2] O STJ já afirmou que “o princípio da menor onerosidade da execução não é absoluto, devendo ser observado em consonância com o princípio da efetividade da execução, preservando-se o interesse do credor.” AgInt no AREsp 1281694/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe 25/09/2019.
[3] REsp 1388642/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, CORTE ESPECIAL, DJe 06/09/2016.
[4] AgInt no AREsp 224.901/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 10/11/2017.
[5] BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do processo de execução dos títulos judiciais e extrajudiciais. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 483/484.
[6] Sobre substituição do bem penhorado, vem também BECKER, Rodrigo Frantz. Comentários aos arts. 847 a 851 do CPC in Código de Processo Civil: anotado e comentado/ coord. Luis Antônio Giampaulo Sarro, Luiz Henrique Volpe Camargo, Paulo Henrique dos Santos Lucon. São Paulo: Rideel, 2020, p. 607 a 611.
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