Coluna O Direito e Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
Este opúsculo busca dialogar com o texto Obsolescência planejada e pós-consumo e a tutela do consumidor, escrito pelo professor Cláudio José Franzolin[1]. O escrito ora desnudado trata como os produtos consumidos são, cada vez mais, pensados para terem um curto prazo de vida útil e, desse modo, induzir o consumidor ao consumo excessivo.
Ela se apresenta como uma ferramenta utilizada pelos fornecedores para que os produtos que fabricam se deteriorem rapidamente – ou deixem de ser desejados – quando nas mãos do consumidor e esse, afetado pela necessidade de sentir-se pertencente, movido por esse desejo inconsciente, se obriga a comprar, novamente, o mesmo produto quando, provavelmente, o que descartou poderia ter durado muito mais.
O consumo foi transformado em hiperconsumo e, por mais criticável que possa ser, isso foi essencial para tirar uma grande potência de uma crise que acabara com sua economia. É impossível não perceber, no entanto, os males trazidos por essa etapa de organização econômica. O hiperconsumo está intimamente ligado à redução da vida útil dos produtos, estratégia utilizada na Crise de 1929 nos EUA e que perdura até os dias atuais.
É oportuno perceber, para melhor pensar o tema aqui explorado, que o mercado se apropria da vulnerabilidade dos consumidores. Impossibilitados de realizarem escolhas viáveis, despidos de boa parte da dimensão positiva da liberdade, acabam expostos a situações criadas pelos mercadores. Nesse sentido, torna-se necessária uma tutela de proteção ao consumidor, desfavorecido nas relações de mercado, em especial, ante um contexto marcado por informações assimétricas.
Essa manipulação do fornecedor em tornar um produto voluntariamente obsoleto e de maneira mais rápida frustra a confiança e as expectativas do consumidor, além de afetar o princípio da boa-fé objetiva e a função socioambiental que o produto deve – ou deveria – cumprir, de forma que, ao diminuir o tempo de vida útil do produto, esse é descartado sem verdadeira necessidade, afetando a todo o meio ambiente.
A obsolescência planejada é observada sob três espécies. A primeira, obsolescência de função, acontece quando o produto se torna antiquado pela introdução no mercado de outro mais recente que executa melhor a função prevista. A segunda espécie é a de obsolescência de qualidade, em que há um desgaste total ou parcial do produto em um período curto de tempo. Por fim, a terceira espécie de obsolescência é a ligada ao desejo. Nela, o produto se torna obsoleto na mente do consumidor pelo aperfeiçoamento no estilo, com uma apresentação mais sensível aos olhos do consumidor, despertando os sentidos. Ainda, é possível perceber uma quarta espécie de obsolescência planejada que é a obsolescência por incompatibilidade, em que o produto se revela obsoleto por conta da incompatibilidade com versões mais recentes ou com as marcas concorrentes, espécie muito utilizada nos setores de informática.
A prática da obsolescência planejada frustra as expectativas e a confiança do consumidor. Fere o princípio da boa-fé. A lesão causada por sua prática ainda compromete, como antecipado, a dimensão ecológica que atravessa, transversalmente, todo o Direito e, portanto, obnubila o consumo sustentável enquanto direito básico do consumidor.
A informação assimétrica, como falha de mercado, prejudica a prática negocial e o consumidor, diretamente. A informação, prática relacionada à boa-fé, é poder para o consumidor, bem valioso e dever fundamental que fica a cargo do fornecedor prover. Informação promove confiança e proteção do consumidor, esclarece, avisa e o predispõe a escolhas refletidas. Há um sentido essencial no dever de informação que é a funcionalidade frente à racionalização das opções do consumidor. Assim, se a informação é fonte de poder, a falta de informação do consumidor gera maior vulnerabilidade conforme a importância da informação detida pelo fornecedor.
Provavelmente, o produto terá algum tipo de obsolescência (de função, de qualidade, de desejabilidade ou de incompatibilidade) programada para fazer com que o consumidor nunca deixe de consumir, dando a ele uma ilusão de bem-estar por meio dessas novas tecnologias. Assim, o fornecedor aproveita-se da ganância, da ambição, da natureza errática e da vulnerabilidade do ser humano que consome para montar um mercado em que o consumidor não terá escolha, senão a de consumir o produto ofertado, sem verdadeiro conhecimento do que está consumindo.
Percebe-se que o modelo de progresso que observamos na atualidade estimula o consumo exagerado e desnecessário, além de tornar recursos naturais como produtos mercantis e deve, sem dúvida, ser revisto. Tal paradigma mostra-se excessivamente consumista e impacta de maneira abrupta o desenvolvimento social e ambiental.
Nesse sentido, percebe-se que a sociedade se tornou uma sociedade de consumo insustentável, afinal a capacidade de regeneração da Terra não acompanha a procura do ser humano por seus recursos, além de esse tornar os recursos logo em lixo. Assim, a capacidade do homem de transformar recurso em lixo é muito maior que a capacidade da Terra de transformar lixo em recurso, e todos – planeta e população – sofrem com essa falta de cuidado do ser humano com sua morada.
Desse modo, a questão em pauta deve ser a busca de um novo modelo de desenvolvimento e de consumo que não cause tamanho impacto no meio em que vivemos, socialmente e ambientalmente.
Adotando uma ética de vida sustentável, os consumidores reexaminam seus valores, alterando seu comportamento, enquanto a sociedade estimula valores que apoiem a ética e desencorajem valor que vão de encontro com o modo de vida sustentável e íntegro, como prevê o autor do artigo discutido:
Ou seja, o produto que, a princípio, se desponta em virtude da evolução da tecnologia para promover mais bem-estar, na verdade, é uma ilusão, considerando que o excesso de produtos disponíveis aos consumidores comprometem vários dos seus direitos; além disso, produzem-se graves problemas socioambientais, afinal, a tutela do consumidor não engloba só valores materiais, mas, também, valores socioambientais[2].
Notas e Referências
[1] FRANZOLIN, Cláudio José. Obsolescência planejada e pós-consumo e a tutela do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 109, p. 39-75, jan/fev. 2017.
[2] FRANZOLIN, Cláudio José. Obsolescência planejada e pós-consumo e a tutela do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 109, p. 39-75, jan/fev. 2017.
Imagem Ilustrativa do Post: escada // Foto de: cocoparisienne // Sem alterações
Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/escada-rolante-escadas-283448/
Licença de uso: https://pixabay.com/pt/service/license/