O vilão do proibicionismo e a ilusão de um mundo sem drogas

28/06/2015

Por Karina Lopes e Bianca Aguiar - 28/06/2015

Recentemente o STJ confirmou uma condenação por tráfico de 0,02g de maconha (Veja aqui). Esta realidade proibicionista e repressiva, infelizmente, é bastante comum em terras brasileiras, especialmente, pelo fato de nossa legislação sobre drogas ter sofrido direta influência das Convenções das Nações Unidas, de tal modo que no intuito de combater o tráfico, reduzir o consumo e a demanda o Brasil adotou o mais catingante de todos os meios: o controle penal [1].

A ideia repressiva teve forte influência dos Estados Unidos, bem como foi lá que ganhou um corpo teórico, promovendo a ascensão do modelo médico-sanitário como sinônimo de dependência e transformando-o em um movimento político estruturado. O nascimento do proibicionismo como sistema político teve origem no estado de Ohio com as alianças entre as igrejas locais. O movimento, na época, objetivava o fim do comércio do álcool, por julgá-lo ser a causa da degradação moral e física que acreditavam ter acometido o país. [2]

Dava-se início a uma série de acontecimentos que anunciavam a ‘rebeldia juvenil’, a chamada ‘contracultura’ [3], de tal modo que nos Estados Unidos, o proibicionismo só fez gerar o fortalecimento das máfias e a internacionalização do crime organizado [4].

O proibicionismo contra as drogas tornadas ilícitas elegeu de forma explicita a guerra como paradigma do controle social, exercido sempre por meio da violenta, danosa e dolorosa atuação do sistema penal, proporcionando a expansão do poder punitivo, que se faz notar globalmente desde as últimas décadas do século XX [5].

No entanto, diferente é o tratamento que o sistema penal reserva às diferentes classes sociais que consomem entorpecentes. Aos jovens de classe média, aplica-se o estereótipo médico, enquanto que aos jovens pobres, que a comercializam, o estereótipo criminal. Foi no início dos anos setenta que apareceram as primeiras campanhas de ‘lei e ordem’, caracterizando a droga como inimigo interno. As ações governamentais e a mídia trabalham com o estereótipo apenas criminal, àquele reservado aos jovens pobres que exercem a traficância. Assim, na medida em que se enuncia a transição democrática, este inimigo interno justifica maiores investimentos no controle social [6].

No Brasil, o esforço para erradicação do tráfico de drogas, que tem como fundamento a política repressiva, consiste basicamente na Lei nº. 11.343/2006. Contudo este modelo criminalizador é meramente simbólico, gerando uma aplicação arbitrária do Direito com a consequente lesão da igualdade dos seus destinatários, ademais, este modelo é a principal causa do superpovoamento das prisões em todo o mundo.

As razões do superpovoamento são encontradas em dispositivos legais que criminalizam o dito ‘tráfico’ das drogas tornadas ilícitas, exacerbam de forma desmedida o rigor penal, além dos dispositivos que mantém a criminalização da posse para uso pessoal daquelas substâncias proibidas, desrespeitando a liberdade individual de drogar-se, ocorre que os maiores riscos e danos relacionados a drogas não são causados por elas mesmas, mas, sim, pelo proibicionismo. Em matéria de drogas, o perigo não está em sua circulação, mas na proibição, que, expandindo o poder punitivo e negando direitos fundamentais, acaba por perigosamente aproximar democracias de Estados totalitários [7].

A ampliação do âmbito de competência do poder punitivo, originado a partir do proibicionismo, é denominado por Raúl Zaffaroni como ‘poder configurador positivo’ do sistema de justiça criminal que, sob o pretexto de ‘prevenir, vigiar ou investigar’ adquire um verdadeiro poder político, sendo ao mesmo tempo um ‘poder legal’, mas que exerce um ‘poder punitivo paralelo’ à margem das instituições, conhecido como ‘sistema penal subterrâneo’ [8].

Assim, a intervenção do sistema penal implica exatamente na falta de qualquer controle sobre o mercado das drogas tornadas ilícitas, que é entregue a criminalizados atores que agem na clandestinidade e que, por óbvio, não estão submetidos a qualquer regulamentação de suas atividades econômicas. Além de ameaçar a democracia e causar riscos e danos à saúde, o proibicionismo é a principal causa da violência. Não são as drogas que causam violência. A produção e o comércio de drogas não são atividades violentas em si mesmas, e só o serão, se acompanhadas de armas e de brutalidade quando se desenvolvem em um mercado ilegal [9].

P.S.: Quando o assunto é relacionado às drogas, por uma questão moral vem à tona todos os argumentos totalmente contrários ao seu uso, principalmente por aqueles que pregam o absoluto afastamento delas. Esse é o papel principal do cristianismo e de suas vertentes puritanas.

Pode-se dizer que esta moral religiosa certamente é dominante, mas não universal. Existem algumas práticas religiosas indígenas e afroamericanas que não compartilham desse mesmo ideal, contudo, a moral mainstream substanciada nos valores religiosos judaico-cristãos, valoriza o absenteísmo e condena o consumo de drogas psicoativas. Fator que vale a pena ressaltar, é que no Brasil, o mesmo enfoque destinado às drogas consideradas ilícitas, por esta tradição cultural, não recai sobre o álcool (o vinho, por exemplo, faz parte da liturgia cristã). Nota-se, portanto, que este critério moral não é baseado na danosidade da substância, ele é idiossincrático de cada religião. Exemplificando essa questão, temos o exemplo dos muçulmanos que tem um problema mais sério com o álcool do que com o ópio, porque o alcorão explicitamente veda o uso de bebidas alcoólicas; além do rastafarianismo, que veda o uso de qualquer droga pelos seus fiéis, exceto a maconha. Nota-se, portanto, que a política adotada depende muito do peso da tradição religiosa das maiorias de cada país. As maiorias aqui também ditam as regras. As minorias são perseguidas e criminalizadas.

Ocorre que pouca gente se dá conta de que muitas das drogas vendidas legalmente em ‘Drogarias’ também causam dependência, a diferença é que não constam na Portaria – que completa o inconstitucional tipo penal em branco da Lei nº. 11.343/06 – por questões mercadológicas e principalmente ideológicas. O que as diferencia, é que simplesmente são proibidas, não importando seus efeitos. O que apenas confirma ser o crime uma opção política.

Proibir definitivamente não é a solução. O mesmo século do proibicionismo é o século do crescimento do consumo de drogas. Ainda que não se possa afirmar categoricamente que a causa do aumento do consumo dos psicoativos esteja diretamente ligada à proibição das drogas consideradas ilícitas, deve-se admitir que o proibicionismo falhou em seu objetivo, seja de erradicá-lo, seja de contê-lo. O equívoco da política proibicionista é acreditar que criminalizar a produção, venda e o consumo das drogas possa se dar unicamente por um marco regulatório, consistente em dividir as drogas entre proibidas e permitidas.

Por certo, jamais haverá um mundo sem drogas. Pensar na abolição das drogas no mundo é algo sem parâmetro na história. A questão proibição X legalização consiste em se identificar qual é a melhor opção (ou a opção menos ruim) para se reduzir o custo social das drogas, leia-se: diminuir a corrupção, as mortes, as forças das organizações criminosas, o tráfico de armas, os gastos com segurança, com o judiciário e com as prisões.

Dentro deste contexto nos parece tão cristalino como o lago de gelo da Eslováquia que proibir não é a solução. O mesmo século do proibicionismo é o século do crescimento do consumo de drogas.  Passou da hora de revermos esta política de encarceramento, contudo, quando o assunto são drogas, é preciso, antes de tudo, "desencarcerar mentes" [11]. Mentes que se utilizam desta política repressiva às drogas como um meio de higienização social, já que a esmagadora maioria dos condenados são pessoas carentes de recursos financeiros, com baixa escolaridade e que vivem nos bairros mais pobres da cidade, jovens, desarmados, excluídos e não violentos, duvida?

Venha conferir a defesa do trabalho de conclusão de curso intitulado "A FACE (NÃO) OCULTA DO TRÁFICO DE DROGAS - Acionistas do nada na terra dos príncipes" que será defendido pela acadêmica Bianca Aguiar em 06/07/2015 às 19h na UNIVILLE e que consiste na análise de ações penais que tramitaram entre os anos de 2012 e 2014 na Comarca de Joinville-SC e teve como objetivo identificar o perfil dos denunciados por tráfico de drogas. Composição da Banca: Karina C. Boaretto Lopes; Waldemar Moreno Jr e Helena Schiessl Cardoso.


Notas e Referências:

[1]  BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis Ganhos Fáceis – drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro, p. 84.

[2] LEMOS, Clécio.et al. Drogas: uma nova perspectiva, p. 84

[3] RIBEIRO, Maurides de Melo. Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas, p. 25.

[4] OLMO, Rosa del. A face oculta da droga, p. 33

[5] RIBEIRO, Maurides de Melo. Drogas e redução de danos: os direitos das pessoas que usam drogas, p. 26.

[6] LÚCIA KARAM, Maria. Um olhar sobre a política proibicionista. Disponível em:  <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/03/revista_dialogos06.pdf>.

[7] BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis Ganhos Fáceis – drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro, p. 84.

[8] GUILHERME, Vera Maria. Quem tem Medo do Lobo Mau?: a descriminalização do tráfico de drogas no Brasil : por uma perspectiva abolicionista, p. 29.

[9] ARGUELLO, Katie. O Fenômeno das Drogas Como Problema de Política Criminal. Disponível em <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/view/33496/21038>.

[10] KARAM Lúcia, Maria. Um olhar sobre a política proibicionista. Disponível em:  <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/03/revista_dialogos06.pdf>.

[11] Kathleen Feitosa.


Karina C. B. Lopes é Mestre em Educação pela Universidade da Região de Joinville; Especialista em Direito Penal e Direito Processo Penal; Professora de Processo Penal e Prática Processual Penal; Advogada e sócia no escritório MRL Advogados.  

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Bianca Aguiar é graduanda em Direito pela Universidade da Região de Joinville.                                                                                                                                                                                 

 

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