O velho problema da vigência das codificações: o presente repete o passado!

20/03/2016

 Por Renato Pessoa Manucci – 20/03/2016

A iminência da entrada em vigor de uma legislação de tamanha importância como o novo Código de Processo Civil (“NCPC” ou “CPC de 2015”), instituído pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015, publicada no Diário Oficial da União em 17 de março de 2015, já é motivo para inquietações nos meios acadêmicos e judiciais. Não bastasse, nos últimos dias, especialmente em razão da aproximação do termo final de sua vacatio legis, tem-se intensificado as discussões a respeito da real data de vigência da nova Codificação.

A polêmica instaurada decorre de uma atecnia do legislador que, afastando-se da Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, previu no art. 1.045 que “este Código entrará em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”. Deveras, o art. 8º, § 2º, da Lei Complementar 95/98 determina que “as leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’.”.

Diante deste cenário, surgiram três posicionamentos diferentes, fato que aumenta a insegurança jurídica.

De um lado, defende-se que a contagem deve ser realizada em dias, convertendo-se o prazo de um ano em dias (365 dias), de modo que a vacatio legis se encerraria em 15 de março, sendo a vigência, portanto, a partir de 16 de março de 2016.

Assim se manifestam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, em comentários ao art. 1.045 do CPC de 2015: “A vacatio legis do Código de Processo Civil foi estabelecida em um ano, a partir de sua publicação oficial. Essa publicação ocorreu no Diário Oficial da União do dia 17 de março de 2015. Por isso, apenas no dia 16 de março de 2016 as regras do código passam a vigorar”[1].

Utilizando-se o mesmo critério, há quem defenda que o termo final do prazo ocorrerá no dia 16 de março, em razão do fato de que o ano de 2016 é bissexto (366 dias), exigindo-se, por isso, a inclusão de mais um dia na referida contagem. Assim, a vigência do CPC de 2015 seria em 17 de março de 2016.

De outro, advoga-se tese no sentido de que a contagem do prazo deve ser anual, aplicando-se a definição de ano civil constante do art. 1º da Lei 810, de 06 de setembro de 1949, segundo o qual “considera-se ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”. Dessa forma, conjugando-se o referido comando legal com o § 1º do art. 8º da Lei Complementar 95/98, concluem os adeptos desta corrente que o termo final da vacatio legis ocorrerá em 17 de maço de 2016, entrando em vigor no primeiro dia subsequente (18 de março).

Esse é o pensamento de José Roberto dos Santos Bedaque, para quem

Como a vacatio é de um ano, erro formal cometido pelo legislador processual, mas irrelevante para fins de validade da respectiva norma (Lei Complementar 95/98, artigo 18), deve-se considerar a definição legal de “ano” (Lei 810/49, artigo 1º) e estabelecer a vigência do Código à luz do disposto na lei complementar 95/98, artigo 8º, § 1º, visto ser esta a via prevista na Constituição Federal para dispor sobre elaboração, redação, alteração e consolidação das leis (artigo 59, parágrafo único).[2]

Para além da discussão doutrinária, é importante averiguar se a questão posta em debate é inédita, socorrendo-se o intérprete da interpretação histórica. E, nesse particular, o ordenamento jurídico pátrio conviveu, no ano de 2002, com problema semelhante.

Em outras palavras, a técnica legislativa de que se valeu o legislador do NCPC, embora formalmente em desacordo com o § 2º do art. 8º da Lei Complementar 95/98, é idêntica àquela utilizada quando da edição do Código Civil de 2002. De fato, o art. 2.044 do mencionado Codex dispõe que “este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação”. À época, depois de intensa discussão, prevaleceu o entendimento de que a contagem do prazo deveria ser realizada mediante a conversão do prazo em dias.

Elucidativas, a propósito, as palavras do Ministro do STJ Mauro Campbell Marques, proferidas por ocasião do julgamento do AgRg no AREsp 707.784/SC:

[…] O art. 2.044, ao descartar o critério unificador da contagem em dias, adotando o critério anual, veio a conflitar com o art. 8º, §2º, da Lei Complementar Federal n. 95/98, por desconsiderar matéria sujeita à cláusula de reserva de Lei Complementar, por expressa disposição constitucional (CF, art. 59. parágrafo único). Se assim é, deve-se-á entender que o art. 2.044 estabeleceu o prazo de vacatio legis em 365 dias e não em um ano, contando-se tal prazo na forma do art. 8º, §1º, da Lei Complementar Federal n. 95/98, incluindo sua consumação integral. Assim, em 2002, seriam 21 dias em janeiro, 28 em fevereiro, 31 em março, 30 em abril, 31 em maio, 30 em junho, 31 em julho, 31 em agosto, 30 em setembro, 31 em outubro, 30 em novembro e 31 em dezembro, o que totaliza 355 dias. Somando-se mais 10 dias em janeiro de 2003, atinge-se o dies ad quem (termo final da contagem) e chega-se ao dia 11 de janeiro de 2003, início da vigência do novel Código. Pela aplicação conjunta dos §§1º e 2º do art. 8º da Lei Complementar Federal n. 95/98, percebe-se que, se a Lei n. 10.406/2002 foi, oficialmente, publicada no dia 11 de janeiro de 2002, os 365 dias de vacância começam a ser contados a partir daí, terminando no dia 10 de janeiro de 2003; logo, o dia subsequente, 11 de janeiro de 2003, é o da entrada em vigor do novo Código Civil." (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 14 ed. rev. e atual. São

Paulo: Saraiva, 2009, p. 1.426-1.427).[3]. 

No mesmo sentido, o Enunciado 164 da III Jornada de Direito Civil, promovido pelo Conselho da Justiça Federal, estabelece que “tendo início a mora do devedor ainda na vigência do Código Civil de 1916, são devidos juros de mora de 6% ao ano, até 10 de janeiro de 2003; a partir de 11 de janeiro de 2003 (data da entrada em vigor do novo Código Civil), passa a incidir o art. 406 do Código Civil de 2002”.

Não obstante, recentemente a questão foi levada ao STJ que, em sessão administrativa realizada em 02 de março de 2016, firmou entendimento de que o NCPC deve entrar em vigor em 18 de março de 2016, aplicando-se ao caso as disposições da Lei Complementar 95/98 e da Lei 810/1949[4]. Em boa hora, portanto, superou-se o entendimento vigente na jurisprudência daquele Sodalício no sentido de converter o prazo em dias, firmada por ocasião das discussões da entrada em vigor do CC de 2002.

Isso porque a referida interpretação desconsiderava regra específica e impedia a concretização da mens legis. Outrossim, a teor do art. 18 da Lei Complementar 95/98, eventual inexatidão formal de norma elaborada mediante processo legislativo regular não constitui escusa válida para o seu descumprimento.

E a conversão do prazo em dias, a pretexto de cumprir as determinações do art. 8º, § 2º, da Lei Complementar 95/98, caracteriza verdadeiro descumprimento da Lei 13.105/2015. Indiretamente, malfere-se o art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal, na medida em que a Lei Complementar 95/98 foi editada justamente para assegurar concretude ao mandamento constitucional.

A melhor exegese, portanto, é aquela no sentido de que a contagem do prazo deve ser anual, interpretando-se o art. 1.045 do NCPC em conjunto com o art. 1º da Lei 810/1949, que define o ano civil, e o § 1º do art. 8º da Lei Complementar 95/98. Por conseguinte, a vacatio legis do CPC de 2015 se encerrará em 17 de março, entrando o novel Estatuto Processual Civil em vigor em 18 de março de 2016.


Notas e Referências:

[1] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 990.

[2] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Novo CPC entrará em vigor no dia 18 de março de 2016. Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-fev-22/jose-bedaque-novocpc-entrara-vigor-dia-18-marco-de2016>. Acesso em 26 fev. 2016.

[3] STJ, AgRg no AREsp 707.784/SC, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10.11.2015.

[4] Revista Consultor Jurídico, 02 de março de 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-mar-02/cpc-entrara-vigor-dia-18-marco-define-stj>. Acesso em 02.03.2016.


Renato Manucci. Renato Pessoa Manucci é advogado; Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista; Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; professor tutor do curso de Pós-graduação latu sensu em Direito Processual Civil da Estácio-CERS e Professor Universitário.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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