O valor da causa é requisito necessário à propositura da ação, devendo constar também nas hipóteses de reconvenção, tal como preceituam os artigos 319, inciso V, e 292, caput, do CPC. A importância do valor da causa, como aponta Cássio Scarpinella Bueno (2016, p. 214)[1], reside na sua função de “verdadeiro indexador de um sem-número de atos do processo”.
Daí a possibilidade de correção do valor da causa ex officio (art. 292, § 3º, CPC) ou mesmo pelo autor por determinação do juízo no ato de admissibilidade da peça exordial (art. 321, CPC), permanecendo resguardado o direito do réu à impugnação do valor da causa em sede de preliminar (art. 293 e art. 337, inciso III, ambos do CPC).
O objetivo da presente análise, portanto, é tratar do valor da causa na hipótese do procedimento especial, especificamente da ação de despejo cumulada com cobrança, interpretando o art. 58 da Lei 8.245/91 à luz dos preceitos contidos no Código de Processo Civil e também conforme ao que vem entendendo a jurisprudência, tomando posição no sentido de que o art. 58 da referida Lei e o art. 292 do CPC são normas complementares, não conflitantes.
O inciso III do art. 58 da Lei 8.245/91, também conhecida como Lei do Inquilinato, determina que o valor da causa corresponda a doze meses de aluguel, o que é verdade tão somente para as ações que integram o rol taxativo constante no caput do artigo, quais sejam: a) ações de despejo; b) consignação em pagamento de aluguel e acessório da locação; c) revisionais de aluguel; d) renovatórias de locação.
Assim, o parâmetro para a propositura das ações estampadas no caput do dispositivo é o valor equivalente à renda anual dos alugueres, o que apenas acolheu o entendimento dado à questão pelo Supremo Tribunal Federal, que em 1964 buscou pacificar o tema por meio da Súmula nº 449: “O valor da causa, na consignatória de aluguel, corresponde a uma anuidade”.
O sentido de não incluir no rol acima a ação de despejo fundada em falta de pagamento, que leva à rescisão contratual e à cobrança de valores a título dos alugueres e seus acessórios, assenta na possibilidade da propositura de ações autônomas, ora, a de cobrança tanto em face do locatário inadimplente como do garantidor que afiancia a locação, por um lado, e a de rescisão do contrato em face do locatário, por outro, tal como estipula o art. 62, I, da Lei do Inquilinato, dispositivo que não impede a aplicação conjunta dos art. 292 do CPC e do art. 58 da Lei 8.245/91 quanto ao valor da causa nas hipóteses de cumulação dos pedidos de despejo e cobrança.
No entanto, a questão, acredito, gira em torno de promover a efetiva eficácia da disposição contida no art. 292, inciso VI, do CPC, segundo o qual o valor da causa obedecerá, na ação em que há cumulação de pedidos, à quantia correspondente à soma dos valores de todos eles.
Ora, se a norma geral determina a somatória dos valores em caso de cumulação de peidos, ao meu sentir, não caminha bem a interpretação que deixa de aplicar tal disposição aos casos em que ações de despejo cumulam também o peido de cobrança.
Ressalvadas as hipóteses do parágrafo único do art. 1º e do inciso II do art. 47, ambos da Lei do Inquilinato, as ações que integram o rol taxativo do caput do art. 58 do referido diploma legislativo, notadamente a ação de despejo, quando esta cumular também ação de cobrança, então, o valor da causa demanda a soma dos doze meses de aluguel (art. 58, III, Lei 8.245/91), além do efetivo proveito econômico que possa obter o locador com o ajuizamento da ação (art. 299, caput e inciso VI, CPC). Entendimento diverso, vale frisar, a despeito de minha discordância, vem sendo manifestado pela doutrina especializada[2].
É, assim, paradigmática a decisão em sede de Agravo de Instrumento que teve como relatoria o voto do Desembargador Gilberto Leme, da 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, consignando à época a compatibilidade entre o artigo 58, inciso III, da Lei do Inquilinato, e o antigo artigo 259, II, do CPC/73 (art. 292, VI, CPC/15):
[...] em caso de cumulação de ação de despejo por falta de pagamento (artigo 58, inciso III, da Lei do Inquilinato) com a ação de cobrança (artigo 259, inciso I, do Código de Processo Civil), incide o disposto no artigo 259, inciso II, da Lei Processual, que traz a regra para o cálculo do valor da causa em caso de cumulação de pedidos, determinando que ele deve corresponder à soma de todos eles. Respeitado entendimento contrário, penso que as regras trazidas em tais normas não são conflitantes entre si, mas, sim, complementares. [...] Assim, pela interpretação que a lógica recomenda, a regra da anuidade só prevalecerá nas ações relacionadas no caput do artigo 58 da Lei do Inquilinato. Portanto, o valor da causa nas demandas com cumulação de pedidos (despejo com cobrança de aluguéis), segundo ditames do artigo 259, inciso II, do Código de Processo Civil, será sempre equivalente à soma de ambos os pleitos [...]. . (TJ-SP - AI: 22531765120158260000 SP 2253176-51.2015.8.26.0000, Relator: Gilberto Leme, Data de Julgamento: 01/02/2016, 35ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/02/2016). (g.n.).
A posição acima, que não caminha sozinha na jurisprudência[3], no meu sentir, é a que melhor apreende o sentido da norma contida no art. 292, VI, do CPC/15, de modo a orientar a aplicação, em conjunto, com o disposto no art. 58, III, da Lei do Inquilinato, nos casos em que cumulam pedidos de despejo e cobrança.
Considerando que o valor da causa atua como “verdadeiro indexador”, servindo inclusive para o arbitramento de honorários sucumbenciais, que observará o “proveito econômico” ou o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, CPC), nada mais adequado que dar ao art. 58, III, da Lei do Inquilinato, a interpretação orientada pelo art. 292, VI, do CPC.
Notas e Referências
[1] SCARPINELLA, C. Bueno. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC – Lei n. 13.105, de 16-3-2015. São Paulo: Saraiva, 2015.
[2] “Importante frisar que o valor da causa corresponderá à multiplicação do valor do aluguel, e apenas dele, não se incluindo eventuais taxas, impostos ou mesmo contribuições condominiais que estejam incluídas no contrato de locação”. (Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo: visão atual na doutrina e jurisprudência / Adriana Marchesini dos Reis… [et. al.]; organização Luiz Antonio Scavone Junior, Tatiana Bonatti Peres. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.p. 404)
[3] Cf. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. DESPEJO C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. VALOR DA CAUSA. CONTEÚDO ECONÔMICO. DETERMINAÇÃO DE EMENDA. 1. A decisão, não obstante denominada de despacho, possui conteúdo decisório, de modo a revelar-se possível sua impugnação por meio de recurso cabível. 2. Com relação ao valor da causa, não se pode aplicar somente o art. 58, III, da Lei nº 8.245/1991, pois é necessária a indicação de quantia referente à soma total do montante pleiteado, a saber, o valor relativo ao pedido de despejo, tal como estabelecido no artigo 58, III, da Lei nº 8.245/1991, com aquele referente ao pedido de cobrança, com fulcro no artigo 259, II, do CPC. 3. Agravo conhecido e desprovido. (TJ-DF - AGI: 20150020156467, Relator: CARLOS RODRIGUES, Data de Julgamento: 03/02/2016, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 16/02/2016. Pág.: 238). (g.n.).
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