As áreas de preservação permanente, sob o ponto de vista legal, receberam nova disciplina de uso e proteção com o novo Código Florestal, Lei n.º 12.651/2012. A definição legal de área de preservação permanente incorporou, segundo José Affonso Leme Machado, citado por Wagner Carmo[1], cinco características: a) é uma área e não uma floresta, incorporando atributos da fauna, da flora e da biodiversidade que ultrapassam a noção do senso comum sobre área de preservação permanente; b) é uma área protegida pela Constituição Federal de 1988, art. 225, §1º, inciso III, contendo proibição expressa sobre a utilização que possa comprometer a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; c) é uma área com proteção permanente, quer dizer: (i) proteção não eventual ou temporária e (ii) proteção condicionada à criação, manutenção e/ou recuperação; d) é uma área com funções ambientais específicas, destacando-se: a função de proteção dos recursos hídricos, da estabilidade geológica, do solo e da biodiversidade e a função facilitadora do fluxo gênico da fauna e da flora e; e) é uma área que possui natureza jurídica de direito real, transmitindo a obrigação de criação, manutenção ou recuperação aos herdeiros.
Paradoxalmente, a Lei Federal n.º 12.651/2012, em seu art. 61-A autorizou a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais caracterizadas como de preservação permanente, consolidadas até 22 de julho de 2008. Afastando-se da discussão acerca da constitucionalidade do art. 61-A em face do art. 225, §1º, inciso III da Constituição Federal de 1988; resta apurar se a medida legislativa contida no art. 61-A da Lei Federal n.º 12.651/2012 colabora com o meio ambiente e com a agricultura.
Do confronto entre a proteção conferida pela Constituição Federal à área de preservação permanente e a permissão de manejo contida na Lei Federal n.º 12.651/2012, decorre a premissa investigativa que relaciona as funções ambientais específicas de proteção dos recursos hídricos, de conservação do solo e de preservação da biodiversidade em face da aplicação prática da atividade agrossilvipastoris para fortalecimento das políticas públicas de proteção à agricultura familiar.
É lugar comum a compreensão de que com o passar dos anos o desenvolvimento econômico e social, sem critérios ambientais e urbanísticos, trouxe degradação para as áreas de preservação permanente. No meio rural, as principais formas de degradação das áreas de preservação permanente podem ser associadas ao desmatamento; ao aumento do turismo, à mineração e a aplicação de métodos e técnicas agrícolas inadequadas. As consequências, também de conhecimento e domínio público, alcançam os problemas sociais relacionados com êxodo rural, problemas geofísicos indexados às mudanças climáticas e problemas ambientais atinentes a falta de recursos hídricos, aquecimento global e destruição da biodiversidade.
A conciliação entre o extremo protetivo do art. 225, §1º, inciso III da Constituição Federal e a permissão do manejo contida art. 61-A da Lei Federal n.º 12.651/2012, relacionado às áreas de preservação permanente, liga-se à temática do desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento sustentável é reconhecido pela Organização das Nações Unidas como um modelo adequado de gerenciamento dos recursos ambientais de forma sustável no meio rural.
A ideia de desenvolvimento sustentável é uma derivação do conceito de ecodesenvolvimento, expressão cunhadas nos anos 70, por causa da polêmica gerada na primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, entre aqueles que defendiam o desenvolvimento a qualquer preço, mesmo pondo em risco a própria natureza e os partidários das questões ambientais. O termo foi proposto por Maurice Strong e, em seguida, ampliado pelo economista Ignacy Sachs, que, além da preocupação com o meio ambiente, incorporou as devidas atenções às questões sociais, econômicas, culturais, de gestão participativa e ética.[2]
Para ignacy Sachs[3] para que o desenvolvimento atenda as diversas dimensões de sustentabilidade, exige-se a presença de seis aspectos: a) a satisfação das necessidades básicas; b) a participação do público alvo; c) a conservação do meio ambiente; d) a elaboração de um sistema social que garanta empregos; e) a segurança social e respeito a outras culturas, e f) a existências de programas de educação.
Com Maurice Strang e Ignacy Sanchs a ideia de desenvolvimento ultrapassou a dimensão econômica, incluindo aspectos sociais, culturais, políticos e ambientais; provocando uma revisão no planejamento e na aplicação prática do desenvolvimento rural. Assim, o desenvolvimento sustentável passou a ser compreendido como: (i) aquele que atende ás necessidades do presente e que não compromete o atendimento das necessidades das futuras gerações e (ii) aquele que combate a pobreza por meio do desenvolvimento econômico.
No meio rural, um dos caminhos para o desenvolvimento sustentável utilizando as áreas de preservação permanente – relacionando o modelo de pequenas propriedades rurais existente no Brasil; a garantia do crescimento econômico da agricultura familiar; a erradicação da pobreza com a redução do êxodo rural e a preservação do meio ambiente -, é a aplicação do sistema agroflorestal – SAF.
Trata-se de um sistema de uso de terra que consorcia elementos da agricultura com elementos arbóreos, de forma sustentável, na mesma unidade de produção agrícola. O sistema agroflorestal pode ser classificado como sistemas agrossilvipastoris – combinação de cultura agrícola com arvores e animais; silvipastoris – consorcio de arvores com animais, e agrossilviculturais – cultivo agrícola com arvores.
Os benefícios do sistema agroflorestal, segundo Amazile López Netto[4] são: a manutenção da fertilidade do solo; a redução da erosão mediante aporte de matéria orgânica no solo e reciclagem de nutrientes; sequestro de carbono; auxilio na conservação da biodiversidade; proteção dos recursos hídricos; conectividade de corredores ecológicos; promoção de infiltração de agua no solo; esfriamento do solo e reconstituição do habitat para fauna silvestre.
O sistema agroflorestal oferece, ainda, serviços ambientais, sociais e agrícolas elementares e essenciais à sociedade. Sob o ponto de vista ambiental, é uma importante estratégia para conservação das áreas de preservação permanente. Socialmente, colabora com a segurança alimentar nas pequenas propriedades rurais por meio da produção de grãos básicos, colaborando para fixar o homem na terra por meio da produção familiar. Para agricultura, representa o fortalecimento da pequena propriedade rural, com a manutenção da produção em pequena escala e o fortalecimento da agricultura familiar; a mitigação da interferência de aspectos físicos e climáticos na produção e a redução da dependência no uso de agrotóxicos.
Outra importante nota acerca do sistema agroflorestal toca a versatilidade na sua utilização pelos produtores rurais, pois, o sistema é capaz de ser adaptado a partir da necessidade do agricultor e segundo o tipo de ambiente natural. Para tanto, Amazile Lópes Netto[5] destaca os seguintes princípios básicos para o manejo agrícola por meio do sistema agroflorestal: a) manter a cobertura do solo; b) conhecer e seguir a sucessão natural dos vegetais; c) procurar aumentar a biodiversidade da área cultivada; e d) conservar a fauna e a flora nativa.
Neste contexto, conclui-se que o art. 61-A da Lei Federal n.º 12.651/2012, ao permitir o manejo de atividade agrossilvipastoris – combinação de cultura agrícola com arvores e animais, em área de preservação permanente, colabora para o desenvolvimento rural com garantia de preservação do meio ambiente.
Notas e Referências:
[1] CARMO, Wagner. Aspectos legais da agricultura em área de preservação permanente no novo código florestal. Empório do Direito (on-line). Santa Catarina. Disponível na internet www.emporiododireito.com.br – acesso em 04 de setembro de 2017.
[2] Disponível em http://www.ecodesenvolvimento.org/ecodesenvolvimento - acesso em 07 de setembro de 2017
[3] LÓPES NETTO, Amazile. Políticas públicas para o desenvolvimento rural sustentável em ambientes de montanha no Brasil e na Argentina. 2013. 167 f. Tese (Doutorado em ciência, tecnologia e inovação agropecuária. Universidade Rural do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2013.
[4] Idem
[5] Idem
Imagem Ilustrativa do Post: Ação de governo no Pipiripau valoriza produtores que cuidam da terra // Foto de: Agência Brasília // Sem alterações
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