Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo
De início é preciso agradecer! Fazemos aniversários, às vezes. São 3 anos desde minha formatura no bacharelado do Direito. Ou seja, Quando tomei integração na ciência jurídica primária; recebi meu grau acadêmico de bacharel. Em outras palavras: “quando colocaram aquele chapeuzinho quadrado na minha cabeça”. Houve gritaria da família e choro. Na ocasião estava com duas boas cabeças reflexivas que hoje pensam em questões urbanas e educacionais na Universidade La Salle. Selando estes três anos falo sobre Publicidade, tema debatido no dia 22 de agosto no curso de Direito do Consumidor, com a criativa Yasmine Uequed Pitol, o ilustre professor Diego Ghiringhelli de Azevedo e o querido prof. Marcos Catalan. Estes pensamentos críticos ante a cultura do consumo rondam o pensamento do Grupo de Pesquisa de Teorias Sociais do Direito há um bom tempo, principalmente para expormos os limites das formas jurídicas adotadas na administração social da Justiça.
Meu caminho lógico-dogmático atual encontra-se na irradiação da constituição para seus subsistemas, em sua tentativa mais formal. Minha estratégia neste texto seria desenvolver em sentido inverso, os reflexos dessa “luz” constitucional da própria cultura do consumo nos operadores do Direito, nas informações informais das salas de audiência. A falência do nível operacional do Direito é ciente no Senso Comum Teórico dos Juristas, inclusive nos JECs, asseguradores mínimos da “cidadania do consumo”.
Qual será o próximo movimento das corporações? Qual será a próxima olhada pro lado dos operadores dos direitos em nichos tão importantes como o Direito do Consumidor? Um constitucionalismo digital nascente pode estar revelando o verdadeiro caos do nível operacional do Direito em relação às transnacionais, inclusive podemos assumir que o judiciário deve acumular seu Conhecimento de maneira mais coerente, demonstrando adequadamente seu trabalho ao Cidadão em direção de um critério normativo mínimo para o bem viver. Isso significaria retirar-se da cultura jurídica administrada pela publicidade; para a cultura jurídica gerida para o prazer humano.
Quando falamos em cultura jurídica é preciso verificar os aspectos significativos da cultura vigente, principalmente na seleção da forma de comunicação, hoje fundada na publicidade. Raymond Williams, um dos expoentes da New Left e pensador do materialismo cultural, encara a publicidade como o sistema mágico da nossa Era. O materialismo cultural reponde revelando que a popularidade do “consumidor” se deve à capacidade econômica proporcionada, sendo assim, generalizada como descrição do membro comum da sociedade moderna capitalista.
Somos o mercado que o sistema de produção industrial organizou. Somos os canais pelos quais o produto é escoado e desaparece. Em qualquer versão do que somos enquanto comunidade, a pressão de um sistema de produção industrial move-se em direção a essas formas impessoais.
(Williams, em Publicidade: o sistema mágico)
O sistema mágico então atua na excessiva produção simbólica ligada ao desejo. Poderíamos dizer então, que este sistema construído por elementos “adicionais” da economia de origens no século XVII, sua transformação na “publicidade moderna” do fim do século XIX e seu movimento centralizador passa afetar diretamente a política e a cultura. O pensar derivado do mercado econômico: partidos políticos vendem-se ao eleitorado; educação organizada para maior oferta de emprego; a cultura avaliada e reproduzida nos termos do lucro comercial.
O estabelecimento do padrão mágico da publicidade opera no sentido de habilitar o consumo de bens individuais – que não está abarcado pelas necessidades humanas não satisfeitas – associando-o aos desejos humanos. Essa excessiva manutenção da competição, fez com que o sistema mágico evoluísse: além de proliferar a crença de que o alto consumo equivale ao alto padrão de vida, fez de muitos objetos a satisfação sexual e pré-sexual aprisionando força social na ética do consumo cego através da confusão e exaustão da relação simbólica. Neste sentido: a distância segura do consumo: não à felicidade do excesso.
A publicidade é a consequência de um fracasso social para encontrar meios de informação e decisão públicas para toda uma ampla gama da vida econômica cotidiana.
(Williams, em Publicidade: o sistema mágico)
Com a transformação do impacto como critério de comunicação bem sucedida, a lacração empreendedorística jurídico-empresarial torna-se a cultura dominante criadora de um excesso significativo. Esse excesso é lido no horizonte da cultura jurídica por Luis Alberto Warat em A Ciência Jurídica e seus dois maridos como uma cultura detergente, empreendimento cultural que corresponde a um pensamento sem sujeira, podado de desejo. O excesso castrador do simbólico é navegável nos sites das corporações advocatícias, em fotos clean dos escritórios charmosos. Todo esse ideal carregado nos outdoors trata-se de um totalitarismo que não está fundamentado apenas na unidade burocrática da tomada de decisões, mas também, neste apelo de unidade do campo simbólico feito pela publicidade.
Dona Flor pode ser imaginada como a ciência jurídica. Ela precisa lidar com os desejos (do Social) e com o que carregamos pela nossa história como sociedade. Assim, representa a democracia; como um jeito de viver entre os prazeres e as necessidades. Um ponto erótico entre Vadinho (metafísica dos desejos) e Teodoro (metafísica dos costumes). As pretensões libidinais de Dona Flor – ou seja, aproximação Direito/sociedade – não emerge na intertexturalidade petrificada dos complexos burocráticos – no mal trato generalizado que a tecnologia oferece às corporações. A ignorância nos acessos jurídicos mínimos, a proteção dos juristas por meio de seu imaginário de amigo do Rei tornam as revoltas democráticas não operacionalizáveis, engessando-as. Em conjunto com o desenvolvimento das TICs, a publicidade deste século XXI transformou a intertexturalidade do metódico Teodoro, “sexo somente duas vezes por semana”, em inovações do desempenho tecno-empresarial. O desenvolvimento das tecnologias da comunicação parece alimentar antes a sede do gozo excessivo podado de desejo, do que uma verdadeira abertura e generalização das interações comunicativas.
A máscara metódica e propositiva do sistema jurídico tornou-se um corno recalcado que ignora o desejo, substituindo-o pela masturbação tecno-inovadora. Essa confusão elaborada pela publicidade faz de juízes, heróis; sustenta super-salários e auxílios-moradia; embala os recém-iniciados no ensino jurídico ao destino fracassado do excesso.
O cinismo e o charlatanismo característicos da publicidade parecem ter invadido de vez a reprodução do Direito. Seria essa a estratégia do sistema social contemporâneo, transformar cidadãos em consumidores de direitos?
Falei que ia deixar eles viver, é uma pena que eu minto, irmão!
(Baco Exú do Blues, em Tropicália)
Notas e Referências
MONCORVO, Diogo “Baco Exú do Blues”. Tropicália. In: ESÚ, 2017.
WARAT, Luis Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. 2.ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.
WILLIAMS, Raymond. Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
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