O SISTEMA DE PRECEDENTES E SUA APLICABILIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

24/02/2018

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Da compreensão e aplicação dos precedentes judiciais; 3 A vinculação dos precedentes à luz dos arts. 926 e 927 do CPC; 4 Conclusão; Referências.

RESUMO: Este artigo tem como objetivo realizar uma abordagem teórica sobre o sistema de precedentes brasileiro, à luz do novo Código de Processo Civil, demonstrando a sua importância para o julgamento de casos similares. Demonstra-se uma preocupação mais contundente com a necessidade de observância e respeito aos precedentes. Esse sistema revela-se numa dinâmica que busca possibilitar a estabilidade das decisões dos tribunais, outorgando maior segurança jurídica à sociedade, quanto à maneira de se comportar diante do que é decidido. A uniformização da interpretação não pode mais ser considerada instrumento de controle da legalidade, devendo ser recepcionada como forma de unidade e coesão ao direito. Cabe às Cortes dar uniformidade à sua jurisprudência, de forma a deixá-la estável, íntegra e coerente. Do ponto de vista da pesquisa implementada, os principais instrumentos utilizados foram os dados bibliográficos (doutrina) pertinentes ao assunto.

PALAVRAS-CHAVE:  Precedentes – Aplicabilidade – direito brasileiro

ABSTRACT: This article aims to carry out a theoretical approach on the Brazilian precedent system, in light of the new Civil Procedure Code, demonstrating its importance for the judgment of similar cases. There is a stronger concern about the need for observance and respect for precedents. This system is revealed in a dynamic that seeks to enable the stability of court decisions, granting greater legal certainty to society, as to how to behave in the face of what is decided. The uniformity of interpretation can no longer be considered an instrument of control of legality, and should be accepted as a form of unity and cohesion to the law. It is up to the Cortes to give uniformity to its jurisprudence, in order to make it stable, complete and coherent. From the point of view of the implemented research, the main instruments used were the bibliographic data (doctrine) pertinent to the subject. 

KEYWORDS: Precedents - Applicability - Brazilian law 

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade contribuir de alguma forma para o debate sobre o sistema brasileiro de precedentes, mostrando os pontos mais relevantes do tema, direcionando uma compreensão adequada sobre os pronunciamentos vinculantes descritos no novo Código de Processo Civil.

É sabido que toda norma jurídica é alvo de ser interpretada, quer seja o ato normativo escrito (seu foco mais abrangente), quer seja a decisão formada em juízo, também o direito relativo aos costumes ou a um tratado de ordem internacional. Isso é necessário para se aclarar o verdadeiro sentido e alcance do texto normativo.

As normas representam o significado tirado de uma ou mais disposições legais ou de atos normativos, de conformidade com o trabalho do intérprete na ocasião da aplicação. Por isso, a norma traduz-se no resultado desse exercício interpretativo.

Cabe ao juiz ou Tribunal a incumbência de interpretar a norma jurídica para decidir um caso concreto e, a partir daí, extrair o precedente que vai gerir os casos análogos posteriores. Há a atividade de interpretação por parte do juiz, assim como o necessário contraditório com a participação efetiva das partes sobre a maneira exata de se aplicar o pronunciamento, que terá força vinculante.

Um dos avanços do Código de Processo Civil/2015 vem a ser o encadeamento dogmático de um sistema de precedentes obrigatórios. A igualdade, a coesão, a segurança jurídica e a previsibilidade dos decisórios jurisdicionais revelam as principais motivações para a implementação desse sistema.

Com o fortalecimento dos precedentes, desafia-se para o Judiciário a relevante função de preservação dos princípios da segurança jurídica e da igualdade dos jurisdicionados, ambos inseridos na Constituição.

Decidir tendo como baliza os precedentes judiciais traz para o julgador carga maior de atenção e responsabilidade, exigindo apreciação criteriosa dos fatos e da questão de direito, objeto do caso atual e sua correspondência com o processo anterior.

Demonstrar-se-á a dinâmica do precedente, traçando as diferenças existentes entre este, a jurisprudência, as súmulas e as decisões judiciais, com apresentação das técnicas de distinção e de superação. É a ratio decidendi que irá vincular os Tribunais e os juízes de primeira instância. O precedente deve estar pautado nos fundamentos determinantes da decisão.

Em seguida, far-se-á um breve estudo sobre os artigos 926 e 927 do CPC, fundamentais para a compreensão dos precedentes normativos e vinculantes, esboçando a maneira como guiarão a estabilidade das decisões judiciais.

Não se tem pretensão de exaurir os assuntos aqui tratados, e muito menos de abordar todos os tópicos abrangidos pelo tema. Pretende-se apenas falar em linhas gerais, tratando dos assuntos mais pertinentes. 

2 DA COMPREENSÃO E APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS

É certo que os sistemas do commom law e civil law nasceram em meio a situações políticas e culturais diferenciadas, ocasionando o surgimento de tradições jurídicas distintas, caracterizadas por elementos específicos de cada um.

A tradição jurídica do civil law, com forte influência da Revolução Francesa, descaracterizou-se com a evolução da sociedade. O magistrado, baseado na corrente positivista, antes vetado de interpretar a legislação, foi aos poucos trazendo para si essa função interpretativa, principalmente com as novas definições de direito e da jurisdição, fundamentado pelas ideias do neoconstitucionalismo.

Com o neoconstitucionalismo e a atividade do juiz por meio de efetivação das regras abertas originou-se um modelo de magistrado mais atento com o controle da constitucionalidade das leis no caso concreto e com a concretização dos direitos fundamentais. O princípio da legalidade, antes com fundamentação apenas formal, passa a ter uma configuração material, com aderência ao conteúdo da legislação. A lei deve ser aplicada em conformidade com os direitos fundamentais. Essa função exercitada pelo juiz muito se confunde com o modelo do julgador da tradição do common law, a exemplo do direito estadunidense e inglês.

Necessário entender que a segurança jurídica, muito forte no civil law por conta da estrita aplicabilidade da lei, não tem como se afastar do sistema de precedentes, onde casos iguais devem ser julgados do mesmo modo, dando racionalidade ao direito. Esse sistema não é restrito ao desenvolvimento do direito do common law. O poder dos precedentes obrigatórios é importante para manter coesão ao sistema jurídico, a isonomia, a estabilidade, a previsibilidade e a efetividade das decisões das Cortes Supremas.

O precedente obrigatório dá orientação aos jurisdicionados, informando-lhes como devem se conduzir, além de dar-lhes a previsibilidade sobre as decisões judiciais, enaltecendo o princípio da segurança jurídica e a igualdade perante a lei.

A jurisdição, antes com a sua característica declaratória da vontade da lei, destina-se agora a levar o julgador a conformar todo o ordenamento jurídico aos direitos previstos na Constituição, fazendo valer a sua força normativa. Acrescenta-se que o magistrado não pode agir como um simples servo do Poder Legislativo. Sua função judicial vai muito além, devendo adaptar as regras e os princípios às realidades sociais, com interpretação condizente com um modelo de efetivação concreta dos direitos.

Luiz Guilherme Marinoni[1] nesse mesmo sentido acentua:

A dificuldade em ver o papel do juiz sob o constitucionalismo impede que se perceba que a tarefa do juiz do civil law, na atualidade, está muito próxima da exercida pelo juiz do common law. Ora, é exatamente a cegueira para a aproximação das jurisdições destes sistemas que não permite enxergar a relevância de um sistema de precedentes no civil law

O que pode variar entre os dois sistemas é a importância que se confere à legislação codificada e a atividade que o magistrado leva em conta ao interpretá-la. O juiz tem a incumbência de preservar a coerência do direito e de manter o respeito e a credibilidade do Judiciário perante a sociedade. Ele não soluciona o caso para si, mas para o cidadão, que ali aporta sua demanda. O julgamento do juiz de piso deve respeitar a autoridade das decisões judiciais das cortes de vértice.

O juiz brasileiro, de primeira instância, ao resolver os casos concretos, tem o poder de vetar a lei que está em desconformidade com a Constituição, na sua função de controle da constitucionalidade das leis. A última e definitiva palavra cabe ao Supremo Tribunal Federal, guardião do texto constitucional. Isso o diferencia de muitos países da Europa Continental, em que tal atribuição não é conferida ao juiz ordinário.

Interessante registrar que o Novo Código de Processo Civil Brasileiro (Lei nº 13.105/15) traz a tônica de respeitabilidade aos precedentes e uniformização de sua jurisprudência, de forma a racionalizar o sistema judicial, a partir da leitura e interpretação dos artigos 926 e 927 do CPC.

O CPC/2015 titubeia na utilização corrente de termos como “precedente”, “jurisprudência” e “súmula”, de forma atécnica e inadequada, por vezes. Há uma diferenciação entre essas expressões.

Inicia-se por definir o que seja um precedente. Trata-se de uma decisão judicial, prolatada em um processo prévio, que servirá como alicerce para formação de outro pronunciamento jurisdicional, que vem a ser posteriormente proferido. A decisão anterior que serviu de base é considerada um precedente.

Justifica-se também que uma decisão pronunciada por um tribunal, nem sempre se considera um precedente. A resposta estatal deve transcender o caso particular, devendo gerar efeitos normativos para frente em casos análogos. Deve proporcionar um conteúdo com a característica de universalização e de dizer uma regra jurídica.

Hermes Zaneti Jr[2] assim propõe:

Os precedentes [...] não se confundem também com as decisões judiciais. Isso porque as decisões judiciais, mesmo que exaradas pelos tribunais superiores ou Cortes Supremas, poderão não constituir precedentes. Neste sentido, duas razões podem ser indicadas para que nem toda decisão judicial seja um precedente: a) não será precedente a decisão que aplicar lei não-objeto de controvérsia, ou seja, a decisão que apenas refletir a interpretação dada a uma norma legal vinculativa pela própria força da lei não gera um precedente, pois a regra legal é uma razão determinativa, e não depende da força do precedente para ser vinculativa; b) a decisão pode citar uma decisão anterior, sem fazer qualquer especificação nova ao caso e, portanto, a vinculação decorre do precedente anterior, do caso-precedente, e não da decisão presente no caso-atual [...] Assim como, não será precedente, a decisão que apenas se limitar a indicar a subsunção de fatos ao texto legal, sem apresentar conteúdo interpretativo relevante para o caso-atual e para os casos-futuros. 

O precedente constitui a decisão primeira que formaliza a tese/fundamentação jurídica, delineando-a de forma definitiva, tornando-a clara. Os precedentes devem ser considerados fonte primária do direito, com caráter vinculativo.

A forma de decisão a partir de precedentes, utilizando-os como fundamentos argumentativos, constitui alicerce das tradições jurídicas anglo-saxônicas, com adesão ao sistema do common law.  No caso brasileiro, tem-se um sistema híbrido, com a feitura de decisões judiciais baseadas em precedentes, com adaptação ao ordenamento previsto no civil law. O Brasil é historicamente arraigado ao sistema jurídico romano-germânico, com feição de civil law.

O ordenamento jurídico brasileiro tem conhecimento de duas formas de precedentes (vinculantes e não vinculantes, estes últimos também conhecidos como persuasivos). Os primeiros prestam-se a garantir que casos similares tenham julgamentos iguais, com eficácia vinculativa, dando vazão aos princípios da igualdade e da segurança jurídica, como antes falado.

Ressalta-se o aspecto caracterizador do precedente, de roupagem grandemente coercitiva, extraindo-se daí o stare decisis, dando a conotação de que a decisão antecedente cria o direito, impondo aos juízes a obrigação de conduzir-se, nos casos posteriores, observando os julgamentos já prolatados em situações pretéritas parecidas.

Sendo precedente persuasivo, nenhum juiz tem a obrigação de segui-lo, não tendo eficácia vinculante. Se utiliza-o como precedente é porque convenceu-se de que está correto para o caso sob análise. Quanto maior hierarquicamente o órgão prolator da decisão, mais elevado será o seu poder persuasivo.

Para compreender melhor o sistema de precedentes, necessário estabelecer uma diferenciação entre estes e a jurisprudência, aqui exemplificando o artigo 926 do CPC “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

Conceitua-se jurisprudência como várias decisões judiciais, prolatadas pelos tribunais, sobre um determinado tipo de questão, no mesmo sentido. Ela é constituída por precedentes vinculantes e de persuasão, que são empregados como fundamentação jurídica em outros feitos, e também formada de simples decisões reiteradas.

O precedente é objetivo, pois se reporta a uma decisão que vai servir de suporte para decisão de outras ações. A jurisprudência, no entanto, ela tem um caráter abstrato, não estando configurada de modo objetivo em julgamento algum, pois extraída da interpretação e aplicação pelo Tribunal de uma similar matéria jurídica, de forma majoritária em relação ao seu entendimento.

Nesse sentido, constata-se uma diferença quantitativa importante entre os dois institutos. O precedente trata-se de uma decisão judicial, que foi prolatada em um caso, servindo de diretriz para casos análogos futuros. A jurisprudência, de outro modo, trata-se de uma gama reiterada de decisões judiciais, com um entendimento linear e constante sobre determinado tipo de matéria, dando azo a demonstrar o pensamento do Tribunal sobre a interpretação da norma jurídica.

A jurisprudência predominante pode ser transformada em um enunciado de súmula, tradicionalmente chamada de súmulas, que é o resultado de um precedente que se constituiu em uma jurisprudência majoritária, ou seja, é uma síntese da jurisprudência que predomina no Tribunal. Adquire o nome de súmulas por advir de um órgão fracionário de determinada Corte. O Tribunal, ao verificar já ter constituído um entendimento majoritário, firme e constante acerca de uma certa matéria jurídica, formaliza essa construção mediante um verbete de súmula (art. 926, § 1º), materializando objetivamente a jurisprudência dominante naquele sentido.

Não se permite informar apenas o enunciado da súmula, mas de igual modo as decisões judiciais oriundas dos processos em que tal assunto foi discutido e decidido (referência aos precedentes anteriores), possibilitando o conhecimento das circunstâncias que conduziram à construção daquele verbete e as razões jurídicas que alicerçaram tal entendimento. Esse requisito está disposto no art. 926, § 2º, do CPC, que diz: “Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação”.

Somente dessa forma haverá a possibilidade de se demonstrar o alcance certo da norma jurídica que se pretendeu arrematar no enunciado sumular.

Cumpre registrar que os Regimentos Internos dos Tribunais devem prever um procedimento para construção de súmulas, bem como a sua alteração e eventual cancelamento, com a previsão de realização de audiências públicas e intervenção do amicus curiae, de forma que haja o contraditório substancial a respeito da rediscussão da regra jurídica firmada, nos termos do art. 927, § 2º, do CPC.

Sem o desejo de aprofundar sobre o assunto, forçoso determinar a diferença entre súmula vinculante e demais enunciados de súmulas das Cortes.

A súmula vinculante está prevista no art. 103-A, da Constituição Federal, dando legitimidade ao Supremo Tribunal Federal, de ofício ou a requerimento, para aprovar súmulas que terão efeito vinculante aos órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nos âmbitos federal, estadual, municipal e distrital, de forma que esses entes judiciários e administrativos não podem decidir em desconformidade com as referidas súmulas. São, pois, de aplicação obrigatória, não podendo deixar de aplicá-las e decidir de forma desigual.

Os enunciados de súmula, chamados persuasivos, não possuem eficácia vinculante, sendo simplesmente argumentativos, permitindo aos juízes decidirem legitimamente de modo diferente, desde que o faça de forma fundamentada, justificando o não emprego do enunciado sumular.

Quando um precedente é reiteradamente utilizado, transforma-se em jurisprudência, que se predominante na Corte, pode resultar na emissão de um enunciado de súmula.

Outrossim, o juiz ao solucionar uma causa dar azo a duas normas jurídicas, uma de amplitude geral e outra de forma individual.

Afirma-se norma geral porque o princípio jurídico que se extrai de um caso específico pode ser utilizado em outras circunstâncias concretas semelhantes àquele anteriormente formado.

A norma geral, assentada pela jurisprudência, denomina-se de ratio decidendi               (também chamada de holding no direito estadunidense), que se encontra fincada na motivação da decisão. Representa as razões jurídicas e substanciais que dão base à decisão (fundamentos determinantes), devendo ter a sua interpretação e compreensão no exame do caso concreto.

Necessário registrar que o precedente judicial é formado por duas partes: as circunstâncias fáticas que nutrem a controvérsia e a tese ou razão jurídica (denominada de ratio decidendi) figurada na fundamentação da decisão.

José Rogério Cruz e Tucci[3] sobre a ratio decidendi afirma:

[...] constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto [...]. É essa regra de direito (e, jamais de fato) que vincula os julgamentos futuros inter alia. [...] Cumpre esclarecer que a ratio decidendi não é pontuada ou individuada pelo órgão julgador que profere a decisão. Cabe aos juízes, em momento posterior, ao examinarem-na como precedente, extrair a ‘norma legal’ (abstraindo-a do caso) que poderá ou não incidir na situação concreta. [...] A submissão ao precedente, comumente referida pela expressão stare decisis, indica o dever jurídico de conformar-se às rationes dos precedentes [...]. 

Nesse mesmo diapasão, assume a ratio decidendi a feição de uma escolha hermenêutica, com diretriz universal, repercutindo-se sobre todos os casos posteriores, aos quais são pertinentes, disciplinando-os.

O que dá eficácia vinculante a um precedente são os fundamentos determinantes (tradicionalmente chamados de ratio decidendi) do decisório judicial colegiado, que tenham tido guarida ao menos pela maioria que integra a turma julgadora e que tenham passado pelo crivo do contraditório prévio e substancial.

Os fundamentos não determinantes da decisão, ou melhor, prescindíveis para o deslinde do conflito e que também contribuem para o resultado revelado na parte dispositiva, são chamados de obiter dictum ou dictum, não possuindo efeito vinculante. O obiter dictum, apesar de não servir como precedente vinculante em caso similar, não é desprezível, podendo orientar um futuro julgamento da Corte, como argumento persuasivo. Trata-se de uma simples opinião ou juízo acessório, dita de passagem no texto.

Por outro lado, a norma individual encontra-se presente na parte dispositiva do decisório e rege apenas aquele caso concreto apreciado pelo juiz, onde este vai dispor se julga procedente ou improcedente o pedido formulado. Caracteriza-se também pelo fato de ficar protegida pela coisa julgada material.

Cumpre ressaltar o pensamento de Daniel Mitidiero[4] assim disposto:

A percepção de que o magistrado, ao apreciar uma demanda, (re) constrói duas normas jurídicas é fundamental para que se possa entender, em primeiro lugar, a diferença entre o efeito vinculante do precedente – na verdade, da ratio decidendi contida num precedente -, [...], e o efeito vinculante da coisa julgada erga omnes, presente em determinadas situações [...].

[...], é imprescindível perceber que a fundamentação da decisão judicial dá ensejo a dois discursos: o primeiro, para a solução de um determinado caso concreto, direcionado aos sujeitos da relação jurídica discutida; o outro, de ordem institucional, dirigido à sociedade, necessariamente com eficácia erga omnes, para apresentar um modelo de solução para outros casos semelhantes àquele.

A norma geral assentada pelo precedente constitui um efeito secundário do decisório, com efeito erga omnes, não dependente de manifestação jurisdicional nesse sentido.

Considerando que o Código de Processo Civil/2015 adotou a teoria dos precedentes obrigatórios, de igual modo recepcionou as técnicas de sua revisão, compondo o que se chama de dinâmica do precedente, preconizada no instituto da distinção (termo inglês: distinguishing ou distinguish) e da superação (locução inglesa: overruling).

Todo ordenamento baseado em precedentes necessita, para um regular funcionamento, estar atento para a constante mudança do pensamento jurídico, de forma que se preveja a existência de distinções e superações.

Diz distinguishing na situação analisada em que há distinção entre o caso concreto atual e o caso paradigma, não coincidindo os fatos essenciais discutidos e os que foram utilizados para dar sustentação à ratio decidendi ou tese jurídica revelada no precedente.

Cabe ao juiz, em sua análise, uma interpretação de forma restrita, por convencer-se que as especificidades do caso concreto vetam o emprego da regra jurídica exposta no precedente, podendo julgar o caso de forma livre, sem eficácia vinculativa. Incide aí que se chama de restrictive distinguishing. O magistrado, estendendo à hipótese sob exame igual solução jurídica dos casos anteriores, por achar aplicável, recai naquilo comumente chamado de ampliative distinguishing.

Claro que é necessário, em qualquer situação, o julgador expor os motivos pelos quais decidiu, com uma correta interpretação da lei conformando-a ao texto constitucional e a verificação das hipóteses fáticas.

Fredie Didier Jr et al[5] explicam:

Sendo assim, pode-se utilizar o termo ‘distinguish’ em duas acepções: i) para designar o método de comparação entre o caso concreto e o paradigma (distinguish-método) – como previsto no art. 489, §1º, V, e 927, § 1º, CPC; ii) e para designar o resultado desse confronto, nos casos em que se conclui haver entre eles alguma diferença (distinguish-resultado), a chamada ‘distinção’, na forma em que consagrada no art. 489, § 1º, VI, e 927, §1º, CPC.           

Estando o caso sub judice a revelar alguma particularidade que o separa do paradigma, ainda assim pode-se aplicar aquela ratio decidendi, pois não se exige identidade absoluta entre as circunstâncias fáticas, trazendo para o juiz o trabalho de um séria argumentação para comprovar tal hipótese.

O labor da técnica distintiva recai ao se aplicar qualquer precedente, sem exceção. O direito à distinção é decorrente do princípio da igualdade.

As técnicas de superação são duas, a saber: o overruling e o overriding. Acontece o primeiro quando se revela uma superação total do precedente, com a revogação do anterior, exigindo-se um poder maior de argumentação, com motivos até então não enfrentados. Pode ser de forma expressa, quando a Corte impõe expressamente uma nova orientação, revogando a anterior. Também de maneira tácita ou implícita, atribuindo uma orientação que contradiz com a anterior, conquanto não a afirme de forma expressa.

O ordenamento jurídico brasileiro não recepcionou a forma tácita, uma vez exigir motivação adequada e particular para a superação de um entendimento jurisprudencial, com base nos princípios da segurança jurídica, da igualdade e da proteção da confiança depositada no precedente (art. 927, § 4º, CPC).

No overriding ocorre somente uma parcial superação do precedente, onde o Tribunal restringe o campo de sua incidência, por conta de uma outra regra ou princípio.

Essas duas técnicas são úteis para não se deixar petrificar o direito, descongestionando o sistema, mantendo-o atualizado, de forma a atender às mutações sociais. 

3 A VINCULAÇÃO DOS PRECEDENTES À LUZ DOS ARTS. 926 E 927 DO CPC

Assim, com o objetivo de valorizar as decisões dos tribunais superiores, o Código de Processo Civil/2015 dá ênfase aos precedentes judiciais, dispondo os artigos 926 e 927, da seguinte forma:

Art. 926: Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores. 

A jurisprudência dos tribunais necessita ter os seguintes caracteres, na forma do       art. 926, do CPC: estabilidade, integridade e coerência. Com isso, preconiza a obrigação legal e genérica do Estado de proteger a segurança jurídica em seus decisórios.

Com o requisito da estabilidade, visa-se a impedir que os tribunais decidam de qualquer jeito, abandonando ou alterando sem qualquer fundamentação plausível suas anteriores decisões e consolidadas sobre determinada matéria, sob pena de ferir os princípios da segurança jurídica e da isonomia. O tribunal deve respeitar a sua jurisprudência, os seus precedentes. Isso não quer dizer que nada possa ser alterado. Caso não se ajuste mais à realidade social e com a exigência de uma fundamentação adequada, pode ocorrer a sua modificação, na forma do art. 927, § 4º, do CPC.

A motivação das decisões exerce uma função externa ao processo, servindo de norte para o próprio Judiciário e toda a conduta da sociedade.

O tribunal, conquanto seccionado em vários órgãos, configura um só ente, devendo agir de forma una, precisando ter postura similar sobre determinada matéria jurídica.

Nesse sentido, eis o pensamento de Humberto Ávila[6] quanto ao valor segurança enquanto estabilidade: “estabelece exigências relativamente à transição do direito passado ao direito futuro. Não uma imutabilidade, portanto, mas uma estabilidade ou racionalidade da mudança, que evite alterações violentas”.

O pressuposto da integridade diz respeito à historicidade das decisões prol e aceitas na interpretação e aplicação dos julgados que envolvem a mesma matéria. Deve-se evitar que a mesma questão jurídica seja vista de maneira injustificada perante distintos órgãos e que sejam respeitados julgamentos anteriores, com justificação de alteração na posição anteriormente adotada.

A coerência relaciona-se com o tratamento isonômico que é exigido na resolução de casos análogos, de forma a impedir os tribunais de decidirem de forma contraditória às decisões que antecederam, com exceção das técnicas de distinção ou superação dos precedentes, que se encontram dispostas no art. 489, § 1º, VI, do CPC. Há uma obrigação de respeito aos próprios precedentes. O discurso do Judiciário necessita ser coerente, conquanto não implique um só pensamento, mas que justifique substancialmente a mudança de orientação jurídica, dando solidez e confiança na atuação jurisdicional.

Vê-se que o art. 926 do CPC enfatiza a segurança nas decisões jurisdicionais. O artigo 927, por sua vez de caráter exemplificativo, revela a natureza do cumprimento do regramento anterior no direito pátrio, dispondo a relação de precedentes, com eficácia vinculante.

Essa última norma descreve hipóteses que devem ser observadas por magistrados e tribunais em seus pronunciamentos, merecendo análise neste estudo:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade

Essas decisões produzem efeito erga omnes, em relação à coisa julgada, na medida em que a ratio decidendi (motivos determinantes) dos decisórios prolatados pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade possui natureza vinculante, exigindo postura obrigatória no seguimento dessas orientações por parte de todos os juízes e demais tribunais.

II e IV – Os enunciados de súmula vinculante e de súmulas do STF e STJ

A observância a tais enunciados consubstancia-se nos motivos determinantes dos precedentes que lhe antecederam.

As súmulas vinculantes são editadas pelo STF, de conformidade com o art. 103-A, da Carta Magna e disciplinadas pela Lei nº 11.417/2006, no que tange à edição, revisão e o cancelamento desses enunciados. Além do Supremo Tribunal Federal, tem o condão também de vincular os demais órgãos julgadores e a administração pública direta e indireta, no âmbito federal, estadual e municipal.

Na forma do art. 103-A, §1º, CF, existem requisitos específicos para sua criação, como a controvérsia iminente a respeito da matéria constitucional, que ocasione forte insegurança jurídica e relevante multiplicidade de feitos sobre questões similares.

Tais súmulas são produzidas após decisões reiterativas do STF acerca de matéria constitucional, sendo este o seu objeto, velando pela sua interpretação, dando unidade ao direito. A eficácia vinculante acontece imediatamente, a partir do ato da publicação no Diário da Justiça e Diário Oficial da União, que ocorre no prazo de 10 (dez) dias posterior à sessão em que foi aprovada a edição, revisão e cancelamento do enunciado sumular. Existe a possibilidade de o Supremo modular os efeitos da súmula, considerando motivos de segurança jurídica ou interesse público (art. 4º, Lei 11.417/2006).

Outrossim, viável o instrumento processual da reclamação (art. 103-A, § 3º, da CF e art. 7º, da Lei 11.417/2006) com o objetivo de anular ou cassar a decisão judicial que for contra o entendimento preceituado na súmula vinculante ou que a tenha aplicado de forma indevida, sem prejuízos de outros meios jurídicos de impugnação de decisões à disposição do interessado.

Os demais tribunais pátrios tem a legitimidade para propor ao Supremo a criação de súmulas vinculantes (art. 3º, XI, Lei 11.417/2006). No entanto, cabe apenas ao STF a competência para edição, revisão e o seu cancelamento.

Afirma Monica Sifuentes[7] que as “súmulas vinculantes podem ser hoje qualificadas como verdadeiras fontes do direito”, pois possuem imperatividade coercitiva aos órgãos jurisdicionais, à administração pública e à sociedade em geral, além de conterem requisitos parecidos com a norma jurídica, ou seja, os critérios da generalidade e abstração.

Vale ressaltar que, de igual modo, detém caráter obrigatório a observância dos enunciados sumulares do STF, relativos a questões constitucionais, e das súmulas do Superior Tribunal de Justiça, acerca de disposições infraconstitucionais. Cabe ao STJ impedir pronunciamentos decisórios conflitantes acerca de igual questão de direito federal, constituindo precedentes com eficácia obrigatória tais decisões proferidas em seu campo de atuação.          

III – Os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos

O Código de Processo Civil, em seus artigos 489, §1º, 984, § 2º e 1038, §3º, prevê procedimentos com o objetivo de formação de precedente obrigatório, em que os motivos contrários e favoráveis à tese de direito discutidos incidentalmente serão apreciados pela Corte. Tem-se aí o contraditório substancial, passível de ingresso do amicus curiae e realização de audiência públicas, com a oitiva de pessoas experientes e com conhecimento acerca da questão sub judice.

Nesse sentido, traz-se aqui o incidente processual de assunção de competência, previsto no art. 947, do CPC, que tem como objeto o julgamento e a fixação de tese jurídica pelo órgão pleno, quando se tratar de recurso, reexame necessário ou feito de competência originária do tribunal, envolvendo importante questão jurídica (de direito material ou processual) e de real repercussão social (que transcende os interesses das partes envolvidas), não repetida em múltiplas ações (feito específico ou quantidade mínima de processos e não em causas repetitivas). Busca-se também a formação do precedente obrigatório, com a vinculação da própria Corte, seus órgãos fracionários e os juízos a ela vinculados.

Tal incidente visa garantir a segurança jurídica, prevenir distorções e uniformizar a jurisprudência, dando credibilidade ao Judiciário. Desperta-se com isso confiança nas decisões prolatadas, em que casos semelhantes terão tratamento isonômico. A resolução do incidente forma um precedente obrigatório, com eficácia vinculante, que orientará o tribunal e juízos a ele inerentes, haja vista a previsão no §3º, do art. 947, CPC. Trata-se nada menos de nova moldura do incidente visto no art. 555, §1º, do CPC/1973.

A sua instauração ocorre em qualquer tribunal, inclusive nas cortes supremas, envolvendo qualquer demanda, enquanto o processo ou o recurso respectivo não for julgado. Deve ser promovida real divulgação e publicidade quanto a esse instituto. Confere-se legitimidade para promoção do incidente ao relator, a qualquer das partes litigantes, ao MP e ao Defensor Público.

Com a criação do precedente obrigatório nesse incidente, caso seja ajuizada alguma ação com fundamento que o contrarie, o magistrado a julgará improcedente o pedido autoral, de forma liminar, sem necessidade de citação do réu e de instrução probatória, nos termos do art. 332, III, do CPC. Cabe também reclamação pela não observância da tese jurídica adotada em determinado acórdão prolatado no incidente, de conformidade com o art. 988, IV, do CPC.

O julgamento será realizado pelo órgão designado no regimento interno do tribunal respectivo, com a inclusão em pauta, observando-se a ordem cronológica de conclusão dos feitos, à luz do art. 12 do CPC. O acórdão proferido pode ser objeto de recurso, sejam eles embargos declaratórios, recursos especial e extraordinário, ordinário ou de revista, a depender da situação concreta.

Necessário também registrar os precedentes criados na resolução de casos repetitivos, com previsão no Código de Processo Civil, em seu art. 928, que abrange a decisão dada em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e os recursos especiais e extraordinários repetitivos, gerando discussão a respeito de questões jurídicas de direito material ou processual. Tais instrumentos objetivam dar uniformidade à jurisprudência, no que trata das questões repetitivas, e assim formar o precedente obrigatório e vinculante.

Diz o art. 976 do CPC acerca do cabimento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: “É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente: I - efetiva repetição de processos que contenham sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.” Prioriza-se que se dê tratamento igual a processos distintos que contêm a mesma questão jurídica, com realce à segurança jurídica. Exigem-se que tenham vários processos já decididos, com relevante divergência de pensamento detectada, gerando instabilidade jurídica.

Tem legitimidade para requerer o IRDR, na forma do art. 977 do CPC, o juiz ou relator (por ofício), as partes, o MP e a Defensoria Pública (esses últimos mediante petição), instruindo o pedido com a documentação necessária que demonstre os requisitos exigidos.

O julgamento ficará a cargo do órgão designado no regimento interno do tribunal de 2º grau, que cuida de dar uniformidade à jurisprudência, de forma a mantê-la íntegra, una e coerente. Para combater essa decisão de mérito, cabem recursos especial e extraordinário para o STJ e STF, respectivamente, seguindo orientação do art. 987, caput, CPC.

O órgão colegiado que tem a função de resolver o IRDR e de proclamar a tese de direito procederá também ao julgamento do recurso, do reexame necessário e da ação de competência originária da Corte.

Com o julgamento desse Incidente, a tese de direito terá aplicabilidade nos feitos individuais ou coletivos que tratam de igual questão jurídica, com tramitação na área de atuação do respectivo tribunal, alcançando inclusive os processos que correm nos juizados especiais estaduais ou da região. Afetará tanto os casos pendentes como os futuros que ali aportarem.

Passa-se a falar sobre o julgamento dos recursos excepcionais repetitivos, seja ele especial ou extraordinário, que versam sobre a mesma matéria jurídica, numa multiplicidade de processos. Tal faculdade está prevista no Código de Processo Civil, que diz:

Art. 1036 - Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.

§1o O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso. § 2o O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento. § 3º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 2º caberá apenas agravo interno. §4o A escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal não vinculará o relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia. §5o O relator em tribunal superior também poderá selecionar 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem. § 6o Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida. 

Existe autonomia nos tribunais de 2º grau e superiores na escolha dos recursos especiais e extraordinários, que servirão como paradigma nesse tipo de julgamento. A suspensão dos demais processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre semelhante questão de direito, é obrigatória.

Considerando as particularidades atinentes aos recursos especial e extraordinário, apenas matérias de direito federal e constitucional, respectivamente, são objeto desse incidente. Diferentemente do IRDR, que tem objeto mais extenso, abrangendo outras questões, a exemplo de direito local.

Após a seleção dos recursos, cabe ao relator, no tribunal superior, a afetação daqueles escolhidos como objeto da controvérsia, além de delimitar de maneira precisa a matéria que será submetida a julgamento, com a fixação do objeto em litígio. Ordenará a suspensão de todos os feitos pendentes, que cuidam da mesma questão e que tramitam no território pátrio. O prazo para julgamento dos recursos é de 1 (um) ano, tendo precedência sobre os demais processos, à exceção daqueles relativos a réus presos e de habeas corpus.

O relator também tem a faculdade de requerer ou admitir a presença de outras pessoas, órgãos ou entidades especializadas, com representatividade adequada, assim chamados de amicus curiae (art.138 c/c art. 1038, I, ambos CPC), que tenham interesse no julgamento, ante a importância da matéria a ser julgada e de grande repercussão social. Poderá determinar audiências públicas, com o depoimento de outras pessoas (art. 1038, II), a fim de melhor instrução do procedimento.

Com a decisão dos recursos afetados, ocorre a sua eficácia sobre os feitos sobrestados, aplicando-se a tese firmada. O acórdão proferido na técnica resolutiva de recursos especiais ou extraordinários repetitivos possui eficácia obrigatória, após a sua publicação, por atração do art. 1040 do CPC.

V – A orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados

Por último, como o órgão jurisdicional não possui caráter consultivo, a palavra “orientação” deve ser compreendida como uma decisão, dotada de eficácia vinculante aos demais juízes e tribunais correspondentes.

Com as considerações supra, é imperioso dizer que a criação de precedentes trata-se do objetivo principal e adequado para dar uniformidade ao direito e coesão ao sistema. Ampliam-se o debate e a discussão jurídica, com participação mais qualificada de todos os envolvidos. Revela-se assim um microssistema de criação e gestão de precedentes, que abrange o IRDR, os recursos repetitivos e o incidente de assunção de competência (IAC), cada um deles com as suas peculiaridades, já expostas acima. 

5 CONCLUSÃO

Tendo em vista o quanto acima exposto, ficou claro que a tarefa interpretativa envolve inegavelmente a atividade intelectiva do intérprete, de modo que não pode haver a subsunção automática ou a correlação lógica entre fatos e norma, como se a aplicação normativa fosse tarefa simplista e de fácil resolução.

Viu-se também que todo sistema normativo abarca sentidos, porém o significado não importa num dado prévio, mas o respectivo resultado auferido do trabalho interpretativo. O intérprete extrai esses significados por meio de uma conduta compreensiva, aberta aos valores insertos na sociedade.

No sistema brasileiro, é função primordial do Poder Judiciário dar uma interpretação à Constituição, uniformizando a sua aplicação em todo o país, especialmente por meio das Cortes Supremas.

O modelo de precedentes obrigatórios, a partir do Código de Processo Civil/2015, é imprescindível para corrigir as disfunções políticas (na seara do controle da constitucionalidade das leis e dos atos públicos) e também para garantir o papel dos princípios jurídicos, enquadrados como espécie normativa, dentro de uma concepção de um Estado democrático de direito constitucional.

Foi visto que a racionalidade do sistema é o motivo principal para uma teoria dos precedentes, devendo as cortes supremas (STF e STJ) assumirem a sua função de tribunais de interpretação, dando sentido ao direito constitucional e direito federal infraconstitucional, respectivamente, com a uniformização da jurisprudência, tutelando-se a isonomia e a segurança jurídica.

O Poder Judiciário brasileiro tem demonstrado uma preocupação pela resolução mais célere e eficaz das demandas levadas a ele e a utilização de precedentes possibilita um desenvolvimento mais otimizado, oferecendo um tratamento isonômico para as partes processuais em situações semelhantes, no que tange aos fatos principais. Há uma pensamento constante com a melhoria da prestação jurisdicional

Os juízes e tribunais emplacam uma salutar missão de auxiliar o Estado nesse procedimento especial e maduro de interpretação das leis e da resolução das matérias de direito que aportam as instâncias judiciárias. O Estado Democrático de Direito precisa estar apoiado na estabilidade do sistema jurídico, para que não prospere o abuso de direito processual e o crescimento da litigiosidade.

Os enunciados sumulares, os incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas e os julgamentos de recursos extraordinário e especial repetitivos contribuem de forma sistêmica e eficiente para a preservação de decisões coerentes, estáveis e íntegras, necessárias ao desenvolvimento do direito.

Portanto, as decisões que conferem sentido e desenvolvimento ao direito interessam a todos e não apenas às partes envolvidas no litígio, pois direcionam os demais cidadãos acerca de suas condutas em sociedade daqui para frente. 

REFERÊNCIAS 

ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011. 

DIDIER JR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. Salvador: Editora Jus Podivm, 2015, 674 p. 

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 5ª ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, 396 p. 

MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente – dois discursos a partir da decisão judicial. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2012, n. 206, p. 61-69. 

SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante – Um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São Paulo: Saraiva, 2005. 

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. 

ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, 427 p.

 

[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 5ª ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 60.

[2] ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 328-329.

[3] TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 175.

[4] MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente – dois discursos a partir da decisão judicial. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2012, n. 206, p. 61-69.

[5] DIDIER JR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. Salvador: Editora Jus Podivm, 2015, p. 491.

[6] ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p.124.

[7] SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante – Um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 161.

 

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