O simbolismo penal e suas mazelas

30/04/2018

Mude,

mas comece devagar,

porque a direção é mais importante que a velocidade.

Mude de caminho, ande por outras ruas,

observando os lugares por onde você passa.

Veja o mundo de outras perspectivas.

Descubra novos horizontes. (...)

 

(Edson Marques). 

 

Realmente, ao pretender algo, não se mostra como prudente perseguir aquilo que tanto se almeja sem equacionar ou medir os esforços. Como já dizia o ditado popular: “a pressa é a inimiga da perfeição”. Necessário, então, sempre manter atenção e cuidado para não errar e perpetuar tal heresia de forma contínua. Às vezes, de fato, é indispensável novos ares, novos pensamentos, novas atitudes e novas ações, a persistência no erro é altamente prejudicial não só à vida, mas para tudo!

Feitas tais lamúrias, é triste, portanto, ver como o Estado, quando em sua pressa cotidiana e mal desenvolvida, costuma, cotidianamente, utilizar o Direito Penal como símbolo de punição indistintamente, como se uma lei com penas mais graves fossem resolver os problemas da nação.

Recentemente, o Presidente da República sancionou a Lei 13.654 de 23 de abril de 2018, alterando alguns dispositivos legais no ordenamento jurídico, entre os quais chama-se a atenção para os arts. 155, §§ 4 e 7, e 157, 2º e 2º-A, ambos do Código Penal.

Trata-se de inovação legislativa que objetivou dar uma resposta aos crescentes assaltos a agências e terminais bancários em todo o País, desejando-se, inclusive, abranger as condutas de “explosão” dos caixas eletrônicos.

Veja-se:

Furto

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018).

§ (...).

7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018).

 

Roubo

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

(...).

2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade: (Redação dada pela Lei nº 13.654, de 2018)

I – (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.654, de 2018)

II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.

IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior;  (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996).

VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

3º Se da violência resulta: (Redação dada pela Lei nº 13.654, de 2018)

I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018) 

Pois bem. Percebe-se, claramente, que a alteração legal capitou, com os olhos e ouvidos bem atentos o “clamor popular” acerca da “necessidade” do aumento de pena para aqueles que empregam violência ou grave ameaça contra pessoas com armas de fogo, bem como àqueles que assaltam bancos e explodem caixas eletrônicos.

No que tange aos aspectos político-sociais, a manifestação do Poder Legislativo, em aprovar da referida lei, referendou a “voz pública”, haja vista que a população, diante dos acontecimentos recentes, postulava uma medida de ordem para a inibição e repreensão das indigitadas condutas ilícitas à coletividade.

Por sua vez, sob o manto jurídico, algumas observações de ordem prática e teórica se mostram necessárias, notadamente: a) pela revogação do inciso I, do §2º, do art. 157; b) a elevação da causa de aumento para a conduta do crime de roubo, quando praticado com arma de fogo; c) ultratividade da norma revogada; d) aplicação de lei mais favorável e outras mais.

O presente artigo pautar-se-á à análise das alterações ensejadas no art. 157 do Código Penal.

 

  1. Emprego de arma (de fogo)

 

Sempre se viu a causa de aumento de pena no art. 157, §2º, I, do Código Pena - aumento pelo emprego de arma -, como um elemento normativo que dependia de verificação diretamente no caso concreto. Ou seja, o termo genérico previsto no referido inciso era casuísta e de “encaixe”, a medida em que, em determinadas hipóteses era e em outras não, entendido como “arma”.

Nesse sentido, visando atribuir uma margem de direcionamento, o STJ consignou sua jurisprudência no sentido de que o conceito de arma, para fins do §2º, I, poderia ser extraído do Decreto nº 3.665/2000. Isto é, seria considerado como “arma” tudo o que fosse possível de causar danos a seres vivos ou coisas. Veja-se:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO. EMPREGO DE ARMA CARACTERIZADO. APREENSÃO E PERÍCIA. DESNECESSIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO. TENTATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. De acordo com o entendimento pacificado nesta Corte, "tem-se como arma, em seu conceito técnico e legal, o 'artefato que tem por objetivo causar dano, permanente ou não, a seres vivos e coisas', de acordo com o art. 3º, IX, do anexo do Decreto n. 3.665, de 20.11.2000, aqui incluídas a arma de fogo, a arma branca, considerada arma imprópria, como faca, facão, canivete, e quaisquer outros 'artefatos' capazes de causar dano à integridade física do ser humano ou de coisas, como por exemplo um garfo, um espeto de churrasco, uma garrafa de vidro, etc" (HC n. 207.806/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe de 11/4/2014, grifei). Desse modo, observa-se que a "ponteira" utilizada pelo acusado, tal como descrita no acórdão recorrido - "um ferro grande, usado na construção para quebrar paredes de concreto" - enquadra-se no conceito de instrumento capaz "de causar dano à integridade física do ser humano". 2. (…) (AgRg no AREsp 677.554/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 03/05/2017) – Grifou-se.

Todavia, diante da alteração legislativa inserida pela Lei 13.654/2018, não poderá mais realizar tal asserção. Consoante a regra restritiva imposta, apenas poderá aumentar a pena se for utilizada pelo agente uma “arma de fogo”. Ou seja, o legislador pretendeu especificar, agora, que apenas o instrumento bélico em questão ensejará a causa de aumento na terceira fase da pena.

O significado jurídico de “arma de fogo” provavelmente continuará sendo extraído do mesmo decreto acima, haja vista que se trata de uma norma penal em branco. A propósito, o referido dispositivo normativo, no art. 3º, XIII, atesta que são consideradas como armas de fogo:

Arma de Fogo: arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil (BRASIL, Decreto 3.665/2000).

Entretanto, conforme é sabido, tal “ausência de encaixe” no referido parágrafo das outras modalidades de armas, não impedirá que o juiz, caso tenha que proferir sentença condenatória, tenha “especial” atenção sobre essa particularidade na primeira fase de aplicação da pena, momento, aliás, em que poderá avaliar as circunstâncias e consequências do crime (art. 59, Código Penal).

Enfim, embora na primeira fase da aplicação da pena não exista critério legal para o julgador estabelecer o patamar mínimo ou máximo em abstrato para considerar as referidas circunstâncias judiciais, tal fator não impedirá (como nunca impediu) inserir que as consequências e circunstâncias foram gravosas ante o emprego de uma “faca” ou “facão”, ou mesmo “canivete”, no momento do roubo, por exemplo.

 

  1. A consequência da revogação do inciso I, do §2º, do art. 157, do Código Penal

 

Não bastasse os efeitos acima mencionados, a revogação do referido inciso (art. 157, §2º, I, CP) proporcionou algumas consequências interessantes, se analisadas tanto no curso da ação penal, quanto no bojo da execução penal daquele que fora condenado pela prática da conduta de roubo, com causa de aumento de pena pelo emprego de arma, mas que não seja de fogo.

Pergunta-se: “aqueles que foram denunciados pelo art. 157, §2º, I, do Código Penal, pelo emprego de arma branca, serão condenados apenas pelo caput?” E para quem está cumprindo pena, poderá o Juízo da Execução reduzir a pena daqueles que foram condenados pelo roubo majorado pela causa de aumento de pena pelo emprego de arma que não seja de fogo?

De fato, aparenta-se, sob esta ótica, que a Lei 13.654/2018, funcionou como novatio legis in mellius, haja vista que não mais subsiste como causa de aumento de pena para todas as outras formas que eram entendidas como arma. Assim, em face da ausência da causa de aumento para aquelas formas de arma, a aplicação da lei é imediata, mesmo que já tenha sido transitado e julgado (art. 2º, parágrafo único, Código Penal).

Logo, se o agente estiver sendo processado, o magistrado não poderá condená-lo com a pena aumentada com fundamento naquela causa de aumento, ressalvada a possibilidade, na primeira fase de aplicação da pena, de considerá-la, conforme já imaginado acima.

Ao seu turno, se a sentença já tiver transitado em julgado, o próprio Juiz da Execução poderá aplicar a lei mais benéfica, conforme determina a Lei de Execução Penal, no art. 66, I. Portanto, algumas penas de alguns sujeitos por ai deverão passar por uma nova “revisão”, o que ocasionará progressões ou mesmo extinção da punibilidade pelo cumprimento da sanção penal. Uma boa matéria defensiva...

Por fim, e para aqueles que estão sendo processados por roubo com o emprego de arma de fogo? E os que já foram condenados por esta conduta? Bem, neste caso, diante da impossibilidade da lei retroagir para prejudicar, permanecerá inalterado, eis que a atual causa de aumento de pena (2/3 terços), sensivelmente mais elevada que a anterior, apenas poderá ser aplicada a partir da publicação da Lei 13.654/2018.

Aliás, não se pode esquecer que, neste caso, àquele que praticou o delito de roubo com arma de fogo, responderá pela causa de aumento pretérita mesmo que a referida norma tenha sido revogada, eis que se trata do fenômeno da ultratividade da lei penal, pois, embora revogada, permanecerá surtindo efeitos até o fim do processo ou execução penal.

Consequentemente, indaga-se: A que veio Lei 13.654/2018, mesmo???

 

  1. Direito Penal Simbólico como uma “arma” de prevenção ao crime?

 

O “populismo penal”, fenômeno que denota os anseios coletivos e populares pela repressão a condutas criminosas que geram insegurança à sociedade por, aparentemente, não estarem sendo diagnosticados pelo Poder Público. Tal movimento ganha força principalmente pela repercussão que os meios midiáticos empregam na exploração das matérias jornalísticas, quase sempre explorando os sentimentos da população de impotência, bem como de incompetência do Estado no trato com o agente delinquente.

Como consequência desse fenômeno, a discriminação e inserção do ódio no meio social é expressiva e, à medida que a população se vê com este “risco” e dessa “ausência de leis mais rígidas”, aumenta-se o medo social e a população começa por desejar o fim, do que os meios. Como resultado desta mistura, passa-se a preferir “trancafiar” por mais tempo o malvado criminoso, do que envidar esforços em recuperá-lo e trazê-lo de volta ao caminho do convívio harmônio e social (diga-se de passagem, a recuperação é uma ideia esquecida no dicionário penal no últimos anos).

Sabe-se, igualmente, que as organizações e associações criminosas que se lançam a práticas de delitos com o intento de assaltar bancos e explodir caixas eletrônicos não são tidos como um mero ladrão. Pelo contrário, trata-se, em última análise, de facções que estão, invariavelmente, ligadas ao narcotráfico ou milícias, quiçá a agentes públicos da própria segurança pública! (uma verdadeira tristeza...).

Tais infrações criminais ocorrem pelo fato de serem mais equipados do que as polícias militares dos Estados. Não são descobertos com facilidades pelo motivo de possuírem instrumentos (carros, computadores, armas) de última geração, ponto este que as polícias civis não os possuem.

Fazendo-se, neste momento, uma grossa analogia à icônica frase de Ferdinand Lassale quando destacou que se uma Constituição estiver desprovida dos reais fatores de poder, será tida como uma mera folha de papel, com a devida vênia, assim também será com o Código Penal que se pretende impor. De nada adiantará se não for provido pela estrutura estatal adequada e necessária à repressão do crime organizado que, infelizmente, cada vez mais é melhor aparelhado e estruturado.

Ora, o legislador evidencia que o único problema deste País seria a “falta de penas gravosas”, de forma que a impunidade tomasse o único partido dos problemas sociais. Não é verdade, tampouco a melhor saída. Para os reais aplicadores do Direito, é mais do que notável que um dos principais problemas ao enfrentamento do crime é a própria falta de estrutura que abrange todas as áreas do combate ao crime, com maior notabilidade às polícias.

Enfim, recrudescer o tratamento penal (que, com toda a sinceridade, não levará a nada, senão, mais um motivo para abarrotar os presídios locais), do que investir em condições materiais e estruturais das polícias judiciárias, militares e órgãos da administração da justiça brasileira, nada mais representa o erro contínuo do administrador público em confundir o Direito Penal como um instrumento meramente simbólico ao combate do crime.

Sem falar que, nessa “correria” desenfreada no combate ao crime através de leis capitaneadas sob o movimento “lei e ordem” (nomorreias e panpenalismos), a chance de provocar distorções jurídicas, torna-se realmente grande. Tais trapalhadas legais são “sentidas” diretamente pelos aplicadores da norma jurídica: Juízes, Promotores de Justiça; Delegados.

Mas, enquanto o pensamento for o de “aumentar o peso das penas”, fazendo-se leis para “inglês ver”, a retórica do simbolismo penal (que tanto se deseja) será a solução de todos os problemas nacionais, mesmo que servindo-se apenas como uma figura ilustrativa e sem cores, sem qualquer real prático equivalente. 

 

REFERÊNCIAS 

BRASIL. Decreto-lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1941. Código Penal. Presidência da República. Casa Civil. In: Planalto. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>, acesso em 24.04.2018;

BRASIL. Lei 13.654 de 23 de abril de 2018. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal), para dispor sobre os crimes de furto qualificado e de roubo quando envolvam explosivos e do crime de roubo praticado com emprego de arma de fogo ou do qual resulte lesão corporal grave; e altera a Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, para obrigar instituições que disponibilizem caixas eletrônicos a instalar equipamentos que inutilizem cédulas de moeda corrente. Código Penal. Presidência da República. Casa Civil. In: Planalto. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13654.htm>, acesso em 24 de abril de 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência. Disponível em <http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ>, acesso em 24.04.2018.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017.

BRASIL. Decreto nº 3.665 de 20 de novembro de 2000. Dá nova redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). Presidência da República. Casa Civil. In: Planalto. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm>, acesso em 25 de abril de 2018.

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Caixa eletrônico explode // Foto de: Milton Jung // Com alterações

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