O sigilo no inquérito policial – Por Ricardo Antonio Andreucci

24/08/2017

Seguramente, o sigilo é a característica mais importante do inquérito policial, merecendo uma análise um pouco mais aprofundada acerca de seus precisos contornos, harmonizando-se com as prerrogativas do advogado, estampadas no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, principalmente após as modificações introduzidas pela Lei nº 13.245/16.

O inquérito policial, por excelência, é um procedimento sigiloso, ou seja, o acusado, a vítima, as testemunhas, ou qualquer outro interveniente do procedimento, com exceção do magistrado ou membro do Ministério Público, poderão ter o acesso aos autos restringido pela autoridade policial.

O art. 20, “caput”, do Código de Processo Penal, nesse sentido, dispõe o seguinte:

“Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.”

Para a decretação do sigilo, a autoridade policial deverá, como em qualquer ato discricionário, fundamentar quais as razões de oportunidade e de conveniência que ensejaram a decisão, evitando, evidentemente, que a publicidade irrestrita venha a prejudicar as investigações e, por consequência, a elucidação do fato, isso sem mencionar os interesses do investigado em ter preservada a sua intimidade.

Não prevalece, entretanto, o referido sigilo em relação aos advogados, de acordo com o art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94 — Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.

O dispositivo citado contempla, como direito do advogado, “examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital.”

Note-se que a procuração é desnecessária, o que, a princípio, poderia levar à falsa idéia de que qualquer advogado, sem qualquer interesse legítimo no inquérito, pudesse devassar-lhe o conteúdo, inclusive copiando peças e tomando apontamentos.

O dispositivo estatutário, no entanto, deve ser harmonizado com o disposto na Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal, que assegura ao defensor o amplo acesso aos elementos de prova constantes do procedimento investigatório, “no interesse do representado”.

A propósito, dispõe a Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

Assim, o advogado, no interesse de seu cliente, tem direito de ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados no inquérito policial, não prevalecendo, com relação a ele, o mencionado sigilo.

O §11 do acima citado art. 7º do Estatuto da Advocacia, outrossim, adotando postura semelhante à da Sumula Vinculante 14, estabelece que a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.

O §12 arremata que, a inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.

Portanto, para o perfeito delineamento dos contornos do sigilo do inquérito policial, é necessária a análise conjunta do art. 20 do Código de Processo Penal com o art. 7º, XIV, §§ 11 e 12, do Estatuto da Advocacia, e com a Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal, preservando-se o interesse da sociedade na elucidação do fato e não desguarnecendo o investigado de seus direitos, conferindo-se, ademais, o merecido e necessário prestígio ao advogado no exercício de honroso mister.


Curtiu o artigo???

Conheça os livros de Ricardo Antonio Andreucci!

Obras Andreucci


 

Imagem Ilustrativa do Post: Secret // Foto de: Sebastiano Terreni // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/ustiano/14993032115

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/zero/1.0/deed.en

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura