O Secretariado de um Estado alheio à Juventude que Morre

19/08/2016

Por Fillipe Azevedo Rodrigues - 19/08/2016

Dois fatos foram notícia no pequeno Rio Grande do Norte recentemente: a nomeação e exoneração da Delegada Kalina Leite para Secretária Extraordinária e a morte do jovem Bruno Hallys, preso de 28 anos, na Penitenciária Estadual de Alcaçuz.

Embora não pareça, os dois fatos estão relacionados. E ouso esclarecer o porquê.

O Governador do Estado do Rio Grande do Norte (RN) tem a atribuição de nomear seus Secretários para ocupar a chefia das Secretarias de Estado criadas por Lei, consistindo nos dois escalões superiores da gestão do Executivo Estadual.

Além disso, o Governador pode nomear três cargos extraordinários de Secretário, cuja remuneração é atrativa ($14.080,09), para designar as atribuições que entender prioritárias a fim de auxiliá-lo diretamente (art. 8º da Lei Complementar Estadual n.º 163/99).

Sem secretarias ou órgãos para esses Secretários Extraordinários chefiarem, pode-se dizer que são três cargos “coringas” para complementar de maneira mais dinâmica vácuos de coordenação em políticas públicas urgentes e prioritárias.

Não vejo o instituto com maus olhos, mas seu uso no RN é de causar espanto, em função da total inversão de prioridades.

Explico.

O Governo atual iniciou sua gestão optando por utilizar seus três “coringas” com as seguintes atribuições:

(i) relações institucionais;

(ii) políticas para mulheres; e

(iii) políticas para juventude.

Recentemente, o Chefe do Executivo resolveu fundir as duas atribuições relativas a mulheres e juventude num único cargo extraordinário para, com a vacância do terceiro, nomear a Delegada Kalina Leite para Secretária Extraordinária de Gestão de Projetos, especificamente a Gestão do Programa RN Sustentável – capitalizador do Estado nesse momento de dificuldade financeira através de investimentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), inclusive em segurança pública.

Ocorre que a mudança desprestigiou interesses.

Conforme noticiado pela Tribuna do Norte, o Governador “Robinson Faria estaria recebendo forte pressão de representantes de entidades estudantis” para voltar a separar as políticas para mulheres e juventude em dois cargos extraordinários como fez desde o início do Governo. Ainda segundo a reportagem, o Governador cedeu e isso motivou a exoneração da Delegada Kalina Leite, restabelecendo o status quo do secretariado extraordinário.

O problema maior, entretanto, oculto nessa história, não consiste em o Poder Executivo ceder a tais pressões, mas ceder quando já conta em sua estrutura com:

(i) uma Subsecretaria da Juventude, preenchida por um cargo de Subsecretário (R$4.750,00 – terceiro escalão hierárquico), um cargo de Coordenador (R$3.250,00 – quarto escalão), dois cargos de Subcoordenador (R$1.875,00 cada – quinto escalão), conforme a Lei Complementar Estadual n.º 319/06 e a Lei Ordinária Estadual n.º 8.061/02; e

(ii) uma Coordenadoria de Políticas para as Mulheres, contando com um cargo de Coordenador (R$3.250,00), também conforme Lei Ordinária Estadual n.º 8.061/02.

A propósito, esses dois órgãos para políticas em prol das mulheres e da juventude, repletos de cargos de chefia, estão sob o “guarda-chuva” da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (SEJUC), assim como a gestão do Sistema Penitenciário.

Dentro da SEJUC, o Sistema Penitenciário de todo o Estado é gerido por umaCoordenadoria de Administração Penitenciária (COAPE), cuja titularidade máxima fica em um cargo de Coordenador (R$3.250,00), respondendo, juntamente com seus colegas das pastas de mulheres e juventude, ao Secretário de Estado da Justiça e da Cidadania.

Tamanha responsabilidade – falo da gestão dos estabelecimentos penais de todo o sistema de justiça potiguar – fica reduzida a um cargo de Coordenador, de quarto escalão, ao passo que já se prestigia com inúmeros outros cargos, inclusive mais elevados, as políticas para as mulheres e juventude, conforme mencionado acima.

Então, cabe perguntar, por que usar os cargos de Secretário Extraordinário para atribuições e políticas públicas que já contam com estruturas melhores e maior número de gestores do que o Sistema Penitenciário?

Para quem não é do Rio Grande do Norte, a resposta lógica esperada deve ser: “porque o Estado é seguro e a segurança pública e o sistema penitenciário não merecem tanta atenção”.

Pois bem, a lógica não esteve presente aqui.

O próprio governador, desde março de 2015, reconheceu e decretou estado de calamidade no sistema penitenciário. Só em 2016, já são 250 os presos foragidos dos presídios potiguares e 15 mortes no sistema penitenciário, somadas às 27 mortes de 2015. Para finalizar, o Rio Grande do Norte é o Estado com maior crescimento de violência homicida no Brasil e sua capital, Natal, está entre as mais violentas do país.

Em que pese a campanha eleitoral do atual Governador e dos demais candidatos, no ano de 2014, já viesse centrada no discurso de controle da violência e da insegurança, as decisões políticas seguiram o caminho diametralmente oposto, como se vê nas notícias que inauguraram este texto.

O jovem Bruno foi apenas mais um que morreu brutalmente no monstruoso sistema penitenciário potiguar e a Delegada Kalina Leite, embora não viesse para resolver essas questões necessariamente, teve que ceder espaço às pressões de “entidades estudantis” em prol da juventude… Será mesmo?

Enquanto o Estado permanecer com seus secretários extraordinários em atribuições redundantes e mantiver a gestão de todo o sistema penitenciário na mão de um único cargo de quarto escalão, creio que a prioridade do Governo permanecerá no sentido de atender aos caprichos partidários-ideológicos de grupos estudantis em detrimento da vida de jovens, idosos, homens e mulheres norte-rio-grandenses.


Publicado originalmente no Portal Jusliberdade.


Fillipe Azevedo RodriguesFillipe Azevedo Rodrigues é Advogado na QBB Advocacia, Conselheiro do Conselho Penitenciário do Estado do Rio Grande do Norte e Professor da Universidade Potiguar, Natal – RN. Mestre em Direito constitucional pela UFRN e Doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal. Autor do Livro “Análise Econômica da Expansão do Direito Penal” pela Editora Del Rey, Belo Horizonte.


Imagem Ilustrativa do Post: DSC_3134 // Foto de: Jackie Finn-Irwin // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

 

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