O RECURSO COMO ATO POSTULATÓRIO DE NATUREZA IMPUGNATIVA - 3ª. PARTE

29/10/2019

1. Introdução

No texto anterior, formulou-se a seguinte pergunta: o que faz de um ato processual ser postulatório?

A solução – aparentemente simples, pois baseada na premissa de ser o postulatório espécie do processual – ganha nuances quando se percebe que entre o segundo e o primeiro há, ao menos, um nível na escala classificatória. Isso porque a postulatoriedade não é referente a todos os sujeitos do processo, tal como a impositividade não o é.   

Se a esta é própria do agir judicial, aquela o é do agir interessado, máxime o das partes[1]. Portanto, antes de aludir ao postulatório como espécie de ato processual, deve-se especificar este último, estabelecendo a existência de atos processuais a partir dos sujeitos que os praticam; ao menos, separando-os entre os sujeitos interessados e os não interessados.    

Disto, pode-se dizer que, no primeiro caso, há atos postulatórios e outros, como o dispositivo, e, no segundo, impositivos e outros.

Nesta classificação, porém, não se apresenta como diferença específica a procedimentalidade ou não do ato processual. Essa distinção é deveras relevante, sendo dupla a necessidade de estabelecê-la, algo por ser feito abaixo como etapa na construção da resposta adequada à pergunta acima.  

 

2. Atos do procedimento e demais (f)atos[2] processuais

Eis uma distinção que, embora clássica, está sendo deixada de lado, possivelmente em virtude não só do advento do CPC-15, bem como, e curiosamente, de certa análise dos fatos processuais a partir da Teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda.

Como dito, há, tal como será demonstrado abaixo, duas necessidades que a impõem.

 

2.1. A questão gnosiológica

Do ponto de vista gnosiológico (problema do conhecimento), os atos do procedimento são comunicações entre os sujeitos processuais. O procedimento como um todo, em verdade, deve ser considerado como uma estrutura comunicativa.

Logo, ao peticionar, a parte antes de tudo comunica algo ao juiz[3]. Este, por sua vez, ao se pronunciar, comunica algo aos demais sujeitos, às partes em especial. Já o MP ao apresentar parecer ou cota também comunica; o perito também o faz quando apresenta o laudo etc. O próprio juiz quando conhece algo de ofício comunica para dizê-lo que o fez[4]. Mesmo que isso só ocorra no ato decisório, ele está a fazê-lo. Observe-se a nuance deste último caso: o ato de comunicar sempre acontece, ainda que a matéria conhecida de ofício só seja apresentada na decisão. Trata-se de um dado gnosiológico, ademais. Do ponto de vista deontológico, porém, haveria transgressão em tal prática, pois é ilícito julgar com base em algo sobre o qual os demais sujeitos processuais não puderam falar (art. 10 c/c art. 9º., caput, ambos do CPC).   

Os atos do procedimento, desse modo, são atos comunicativos. Neles, por óbvio, há a presença de um elemento comunicado. E o que por eles é comunicável? Essa é uma resposta cuja compreensão é relativamente simples, desde que se deixem de lado concepções reducionistas apresentadas por parte da processualística (que, a pretexto de desgarrar a Dogmática Processual de uma perspectiva filosófica, acaba por chancelar uma metafísica de baixíssima qualidade), colocando a questão dentro de uma teoria do conhecimento.

Nesse sentido, comunicáveis são os eventos que têm relevância para o direito. Por evento deve-se entender aquilo que é único e, por isso, irrepetível, de modo que somente é apreensível mediante um relato linguístico. Eis o abismo gnosiológico de que fala João Maurício Adeodato. Os chamados fatos jurídicos são eventos em tal perspectiva[5]. Já a relevância para o direito é algo estritamente normativo. Assim, tautologicamente, diz-se que todo o juridicizável é relevante para o direito. Do ponto de vista da comunicação processual, contudo, só terá relevância aquilo que puder ser analisado pelo juiz. No direito constitucional brasileiro, sabe-se, isto se confunde com o juridicizável (inciso XXXV do art. 5º., CRFB).

 

2.1.1. A comunicação processual como condição de possibilidade para o implemento processual dos eventos relevantes para o direito

A comunicação processual é, sem dúvida, condição de possibilidade para o conhecimento desses eventos, a fim de que, das mais variadas formas, eles possam ser processualmente implementados. Exemplos são válidos para explicar: i) quando numa ação de cobrança o réu alega prescrição, ele o faz para que, sendo devidamente constatado o evento referente a ela, possa ser aplicada a regra jurídica que a estabelece, de modo a ser tida por neutralizada a pretensão afirmada pelo autor; ii) quando numa ação de usucapião o autor afirma ter adquirido a propriedade, ele o faz para que o juiz, constatando a ocorrência do evento afirmado, declare à dita aquisição. Esse implemento processual é, em rigor, a tão decantada tutela jurisdicional. Em linguagem mais afeita à teoria de conhecimento: comunicam-se eventos (ato do sujeito interessado) para que eles possam ser implementados[6] (tutela jurisdicional). Gnosiologicamente: comunica-se para conhecer e, com isso, implementar. 

Assim sendo, os eventos relevantes para o direito são comunicáveis ao juiz por intermédio dos atos procedimentais. Além daqueles referentes ao dito direito material, os atos processuais (ou a não ocorrência deles) como um todo também são comunicáveis.

Eis o ponto nevrálgico deste texto. Antes de explicar o porquê de os fatos processuais também se submeterem ao sistema gnosiológico posto acima, é preciso, suscintamente, expor a razão de um fato jurídico ser considerado processual.  

 

2.2. O que faz de um fato jurídico ser processual

Ultimamente, vem se entendendo que a razão de ser processual um fato jurídico está na possibilidade de ele repercutir num processo. Ou seja, sua eficácia tem de ter a propensão de interferir processualmente. O fato é processual, portanto, pelo seu efeito.

Tal ideia é, todavia, equivocada. Ao lançar mão dela, além de não se observar a causa (eficiente) do fato jurídico (o suporte fático), contribui-se, pragmaticamente, para a confusão dos regimes jurídicos aplicáveis a cada um dos fatos processualmente relevantes.

Como não poderia deixar de ser, o ser processual encontra-se no suporte fático do fato jurídico. Para melhor entender, é preciso, pois, falar em processualidade: ou seja, a característica daquilo que é processual.

Entende-se a processualidade, aqui, como algo fenomênico, e não meramente normativo. O sentido de direito processual não é aquele estabelecido no art. 22, I, CRFB (sentido estático, de problemática conteudística), mas sim de direito em facticidade, ou seja, o fato e o efeito jurídico por ele gerado (sentido dinâmico). Nesse sentido, é o processo, e não a normatização sobre este. Processo entendido, acima de tudo, como a relação jurídica processual[7].

É importante frisar que a ideia de relação jurídica processual (e, portanto, de direito processual) é referencial. Nesse sentido, direito processual é aquele que tem a ver com o conteúdo da dita relação, sendo material o direito que compuser seu objeto (ou seja, aquilo que há de ser analisado pelo juiz). Ademais, é precedido pelo direito pré-processual e pós-cedido pelo pós-processual.

Logo, um fato jurídico será processual quando em seu suporte fático estiver presente algo que componha o espectro eficacial de uma relação jurídica processual, seja ela presente (no sentido de pendente), passada[8] ou futura[9].

Um exemplo é interessante. Leve-se em conta o caso da morte como fato do mundo, ou seja, a ocorrência de um ser humano perder a vida. Esse dado fático pode ser elemento de suportes fáticos dos mais diversos, como o do fato jurídico da sucessão. Para isso, é preciso que o ser humano que morra tenha, minimamente, patrimônio e herdeiros. Do ponto de vista processual, se o humano que falece é parte de um processo (ou seja, sujeito de uma relação processual), há elemento próprio componente de outros suportes fáticos, como o da suspensão do processo para fins de sucessão processual (art. 313, I, CPC), sendo o direito em discussão transmissível, e, sendo este intransmissível, o da extinção do processo sem análise do mérito (art. 485, IX, CPC).

Do ponto de vista linguístico isso fica muito evidente. Uma coisa é o relato fático: “Fulano de tal, dono do patrimônio X, pai de Beltrano, faleceu; outra é o relato: “Fulano de tal, dono do patrimônio X, pai de Beltrano, litigante no processo Y, faleceu”. Neste caso, há um elemento diferenciador: o ser litigante, o ser parte de um processo. A processualidade está, portanto, aqui: no ser parte, que é componente do espectro eficacial de uma relação processual.

 

2.3. O fato processual como evento

Diante do já exposto, pode-se entender os fatos processuais como elementos comunicáveis. Explica-se. Do ponto de vista do implemento processual, os diversos fatos processuais só têm relevância se puderem ser objeto de conhecimento, algo que, para tanto, exige sua comunicação.

Embora mantenham – na estrutura – sua condição de fato jurídico (e, sendo o caso, válidos e eficazes), não terão operacionalidade caso não sejam comunicados. Se, por exemplo, a morte da parte (fato processual stricto sensu) não vier ao conhecimento do juiz do processo, isto pelas diversas formas de comunicação permitidas (um relato testemunhal é suficiente para tanto), ela não tem como ser implementada. Isso não pré-exclui sua eficácia como fato jurídico, apenas, por não ser conhecida, não tem como ser levada ao cabo. 

Do mesmo modo que, para ter um negócio jurídico implementado processualmente, é preciso comunicar a ocorrência (ou inocorrência) de um fato processual. Isso porque ambos são eventos. Não se trata, é importe frisar, de um problema de ordem normativa, sujeito, por isso, a alterações do direito positivo: tem a ver, consoante dito acima, com a questão gnosiológica. Uma convenção de arbitragem, posto que, na estrutura, possa existir válida e eficazmente, não será implementável se o réu (ou outro legitimado) não comunicar sua ocorrência ao Estado-juiz, a fim de que este, por força dela, inadmita o procedimento. No caso, o réu, em geral por petição, comunica o acontecimento da convenção de arbitragem (comunicação de fato) para que, conhecendo-a em sua existência válida e eficaz, o juiz possa implementá-la, de modo a extinguir o processo sem resolução do mérito (inciso VII do art. 485, CPC).

Rigorosamente, os negócios jurídicos processuais, em especial os do art. 190, CPC, são eventos a serem comunicados ao Estado-juiz[10]. Não enfrentar a dimensão gnosiológica que os atinge é ignorar algo imprescindível à correta compreensão deles. A processualística que os analisa precisa, sob pena de perder em cientificidade, observar essa dimensão.          

Com todos os fatos processuais isso ocorre. Eis o porquê de, no título deste item, ao menos em sugestão, eu ter fixado que a contraposição é entre o ato do procedimento e os demais fatos processuais, e não apenas os atos jurídicos processualmente relevantes. Estes como espécies daqueles[11] se submetem ao mesmo modelo. A contraposição clássica ato do procedimento x ato processual, redutora da amplitude deste último tipo, ocorre (e nisso é, metodologicamente, correta) porque todos os atos que compõem a cadeia procedimental são atos jurídicos em sentido estrito, incluindo o próprio procedimento.

É necessário frisar que o viés comunicacional do ato do procedimento não é algo absoluto. Isso se dá porque, dinamicamente, ele pode passar a ser elemento comunicado por outro ato procedimental. Ao se recorrer, por exemplo, comunica-se a ocorrência da decisão, o erro que a eiva etc. Nessa perspectiva, a decisão judicial deixa de ser ato do procedimento, cingindo-se a ser aquilo que, pelo recurso, é afirmado ao juiz recursal.

 

2.4. A questão normativa

Saindo da questão filosófica, tem-se o âmbito da Dogmática Jurídica. A função desta, como se sabe, é a solução de problemas: o seu aspecto pragmático-finalístico.

É papel do jurista, portanto, revelar o regramento jurídico aplicável à espécie, ao caso posto em análise. Aqui, a perspectiva analítica (rigor conceitual, classificações metodologicamente corretas, observância dos rigores lógicos etc.) tem relevância se, e somente se, servir para a resolução do problema. Em tempos que, muito por força de se superestimar uma suposta Teoria Geral do Direito, formada por conceitos jurídicos a priori, acaba-se por se reduzir a importância da Dogmática Jurídica, um alerta se faz válido, notadamente se contido em textos como este, no qual preocupação metodológica é deveras reduzida: “o jurista não pode sentir vergonha ao fazer Dogmática Jurídica”. 

Se não bastasse a séria questão filosófica acima apontada, referente à própria estruturação do conhecimento no direito processual, a distinção que aqui se defende tem um fundamento de ordem dogmática, ou seja, inerente à normatividade posta. Mais, caso se estabeleça uma ordem de prioridade: o problema normativo sobreleva, uma vez que, de sua má compreensão, não se perderá apenas em cientificidade: verdadeiras injustiças são cometidas quando, baseando-se numa concepção dogmática equivocada, o juiz aplica regramento jurídico impertinente ao caso.

Pois bem. A distinção entre os atos do procedimento e os demais atos processuais é imperiosa do ponto de vista normativo pelo simples dado de que há regramentos jurídicos distintos para ambos os tipos.

Aos atos do procedimento, por exemplo, há um regramento jurídico específico no que tange à sua validade (arts. 276-283, CPC). Aliás, mais especificamente, existem atos do procedimento submetidos a regimes jurídicos mais específicos, como o recurso, cuja regência da sanabilidade de seus defeitos é tratada em artigos como o 932, parágrafo único, CPC, isso quando não há regras ainda mais específicas, como a prevista no § 3° do art. 1.029, CPC, referente aos recursos excepcionais.

Não são essas as regras que regem, e. g., a validade dos negócios processuais do art. 190, CPC. Aqui, além do próprio dispositivo (que, aliás, só fixa as bases mínimas, tendo de ser complementado por outros dispositivos), regerá a validade o regramento jurídico existente no ramo do direito que regula o tipo negocial. Se um consumidor celebra uma convenção de arbitragem, v. g., a validade (e, portanto, a possível nulidade mencionada no próprio art. 190, parágrafo único, CPC) é aquela prevista, acima de tudo, nas disposições do CDC (inciso VII do art. 51)[12].

Se o negócio jurídico envolve, de outro modo, o Poder Público, o regime jurídico de validade dos atos administrativos (cuja sistematização está longe de ser delineada pela doutrina) é regente do caso, sendo o aplicável a este, ao menos em geral, o disposto no art. 2º., Lei n. 4.717/65.

E tudo isso são apenas exemplos. A análise deve ser fenomenológica, ou seja: deve-se observar cada ato isoladamente (inclusive os próprios atos do procedimento), a fim de o correto regramento jurídico a ele aplicável ser desvelado.

Mais ainda, frise-se, não só referente à validade, e sim a todo regime jurídico, desde aquilo que é necessário à concreção do suporte fático (plano da existência), passando pelo indispensável à produção de seus efeitos (plano da eficácia), indo até mesmo, se for o caso, aos elementos integrativos necessários à produção de determinado efeito[13], às determinações inexas, ao problema da distratabilidade e aos diversos problemas de outras vicissitudes na vida de um ato jurídico, como a revogabilidade, a denunciabilidade, a resolutividade, a rescindibilidade, a revisibilidade etc. 

Tudo isso, aparentemente, compõe uma tarefa “chata”, mas própria do labor do dogmático.

Dito isso, no próximo texto, estabelecer-se-á as outras premissas necessárias à resposta à pergunta no início formulada.

 

Notas e Referências

[1] A alusão ao termo sujeito interessado acima reside no fato de ele servir para abranger todo aquele que, de algum modo, por dedução ou adesão, formule algum tipo de pedido (comunique vontade, portanto). Isso abrange não só terceiros intervenientes, incluindo o “amicus curiae”, como também, de algum modo, o próprio MP atuando como “custus legis”. Voltar-se-á a este tema quando da análise mais acurada da essência dos atos postulatórios.

[2] Em rigor, existem no âmbito processual paralelamente aos atos procedimentais fatos jurídicos, e não apenas atos jurídicos, daí a colocação, entre parênteses, da letra f antecedendo a expressão atos. Não obstante, até por motivos de ordem linguística, contrapor-se-á ao termo atos do procedimento a expressão atos processuais.

[3] Daí se dizer (Pontes de Miranda) que, entre outras coisas, a petição contém comunicação de fato.

[4] No chamado conhecimento de ofício é dado ao juiz o poder de, constatando-o, levar em conta algo sem a necessidade de alegação pelo sujeito interessado. Ou seja, o conhecimento da matéria pode dar-se validamente sem a necessidade de ato de comunicação expressa por tal sujeito. Não obstante, não há total liberdade, tal como ocorre quando um cientista analisa seu objeto de estudo. Para que o conhecimento de ofício possa, validamente, ocorrer é preciso que, além de tudo, a matéria (objeto cognoscível) esteja provada nos autos. Não se trata, desse modo, de um conhecimento privado, mas sim, a partir de sua comprovação no âmbito procedimental, obtido por outros meios de comunicação diversos da alegação expressa da ocorrência (ou inocorrência) do fato, tal como acontece nas comunicações de fato externadas em petições e coisas do tipo.  

[5] Fato jurídico na expressão acima está numa perspectiva estrutural, tal como, por exemplo, Pontes de Miranda o alude como produto da incidência normativa sobre um suporte fático ocorrido. Nessa perspectiva, pode-se enquadrá-lo como algo que existe e, além disso, tem, conforme o caso, validade (ou invalidade) e eficácia (ou ineficácia). Outra coisa é a perspectiva comunicacional (própria do conhecimento). Aqui, não importa sua estruturação: existente ou não existente e, no primeiro caso, válido ou inválido, eficaz ou ineficaz, o fato jurídico é “apenas” um evento comunicável.  

[6]implemento processual é algo que, por isso, nada tem a ver com a estrutura do fato jurídico, ou seja, referente à sua existência, validade e (se for o caso) eficácia. Não é um quarto momento na vida dele, portanto. Em verdade, tem a ver com a questão da aplicação do direito: comunica-se o evento para, sendo ele constatado, possa ocorrer a aplicação do regramento jurídico adequado à espécie.

[7] Obviamente, a faticidade processual não se resume à relação jurídica processual. Engloba não só as demais relações jurídicas existentes na processualidade, além de, obviamente, todos os fatos que, de algum modo, têm relevância para o processo, dentre eles o procedimento.

[8] É possível falar em fato jurídico cujo elemento de processualidade lhe anteceda. Por exemplo, para aqueles que defendem sua viabilidade constitucional (o que não é o caso do autor deste texto), é o que se tem no acordo de desconsideração da coisa julgada, pois, aqui, se está a dispor sobre um elemento processual já ocorrido: a eficácia da coisa julgada.

[9] Quando, por exemplo, se convenciona que, em determinada relação processual, qualquer lide advinda será resolvível até o esgotamento as esferas ordinárias, excluindo-se, com isso, a jurisdição dos tribunais superiores, está-se a negociar sobre algo (poder de recorrer) que é hipotético. Por compor uma relação jurídica processual, embora de ocorrência apenas possível, é tido por processual. Eis a razão de ela ser futura em relação ao ato de disposição.

[10] Por óbvio, se o negócio jurídico é celebrado em algum âmbito de comunicação imediata (como numa audiência), a comunicação ao juiz perfaz-se de plano. Em rigor, o chamado princípio da imediatidade é um corolário lógico do problema gnosiológico acima apontado. Sua construção dá-se cientificamente, e não normativamente, algo similar ao que Pontes de Miranda chama de lei jurídica.

[11] Conforme diz Pontes de Miranda, fato é expressão que denota acontecimento, evento; já ato diz respeito à conduta, aquilo, portanto, fundado no agir humano. Toda conduta é antes de tudo um acontecimento, este é universal em relação àquela. Eis o fundamento ontológico de se dizer que o ato jurídico é espécie de fato jurídico lato sensu. 

[12] Aqui, é de se perguntar: se antes do advento do CPC, a convenção de arbitragem era regível pelo CDC, por qual motivo ela não mais o é? Por força do art. 190, CPC (mais especificamente, de seu parágrafo único), talvez se diga. Ora, tal resposta padece de equívocos: primeiro, por não entender o problema gnosiológico posto acima, não se dá conta que os negócios jurídicos processuais (em rigor, a convenção de arbitragem é pré-processual, todavia) são elementos comunicados processualmente, e não o próprio ato comunicativo; segundo, e pior, pois, em sendo assim, deixa de ser perceber que, ao falar de nulidade, o mencionado dispositivo não impede a aplicabilidade de outras disposições, mas, ao contrário, se abre a regramentos jurídicos próprios, como o previsto no CDC. São esses regramentos que, portanto, preenchem o conteúdo do termo nulidade mencionado no parágrafo único do art. 190, CPC.

[13] Por exemplo, chega-se a invocar o art. 200, CPC, para reger os atos do procedimento. Alhures(https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=392686454481290&id=138250306591574), já se teve a oportunidade de negar a viabilidade de tal entendimento. Segue um excerto: “Ao fixar que os atos processuais das partes (incluindo os bilaterais) produzem efeitos de plano (isto é, independentemente de homologação judicial), o dispositivo acaba por ter um âmbito bem menos amplo do que se costuma entender. Isso porque ele não tem sentido para os atos procedimentais das partes, especialmente os postulatórios. Estes dispensam qualquer tipo de homologação por um motivo simples: são postos para a análise judicial, a fim de, em seu conteúdo, serem acolhidos ou rejeitados. Homologação é algo que lhes é estranho. Não se homologa atos como a petição inicial, a contestação, o recurso etc.: eles procedem ou não. Homologação se dá para atribuir ao ato um efeito que, em sua essência, não existe, efeito este que só o agente homologatório pode atribuir. Como a chancela pelo fisco no lançamento sujeito à homologação e a força de coisa julgada para o acordo celebrado pelos litigantes. O sentido do caput do art. 200, portanto, é estabelecer o óbvio: os atos dispositivos das partes, para produzirem seu efeito precípuo, não precisam ser homologados. A transação sobre o objeto da lide, por exemplo, enseja a extinção desta última, desde que, claro, seja válida e eficaz conforme seus próprios requisitos. A ressalva do parágrafo único feita à desistência da ação também se dá por motivos óbvios. Embora o ato de desistir já produza o efeito de desfazer a demanda (pois o revoga), ele não tem como gerar a imediata extinção do processo, já que tal extinção só ocorre por decisão judicial. É inconcebível dizer que a parte possa, ela mesma, extinguir o processo. Em verdade, trata-se de uma falsa homologação: não há o que se homologar; tem-se apenas de, verificando a validade e a eficácia do ato de desistência, extinguir o processo sem resolução do mérito. Já no recurso a ´homologação´ é desnecessária pois a extinção do processo já se deu, conquanto esteja condicionada pelo recurso. Assim, por força da desistência, ao se retirar este último, a extinção do processo se desprende de suas amarras”.

 

 

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