O racismo estrutural no Brasil: uma realidade que persiste

08/07/2023

O racismo é um problema enraizado na sociedade brasileira, e sua presença pode ser facilmente identificada em diversas esferas da vida cotidiana. O racismo estrutural, em particular, é uma forma de discriminação que está profundamente enraizada nas estruturas sociais, econômicas e políticas do país.

No Brasil, o racismo estrutural se manifesta de várias maneiras. Por exemplo, as oportunidades de emprego são frequentemente negadas aos indivíduos negros, que enfrentam maiores dificuldades para conseguir empregos bem remunerados e ocupar posições de liderança. Além disso, a violência policial é desproporcionalmente direcionada aos negros, resultando em um número alarmante de mortes e prisões injustas.

A educação também é um campo em que o racismo estrutural é evidente. A falta de investimento em escolas públicas localizadas em comunidades negras, aliada à falta de representatividade e reconhecimento da cultura afro-brasileira nos currículos escolares, perpetua a desigualdade de oportunidades educacionais entre brancos e negros.

No âmbito econômico, a desigualdade racial também é evidente. Negros têm menos acesso a crédito, empreendedorismo e oportunidades de crescimento profissional. A falta de políticas públicas efetivas para combater essa desigualdade contribui para a perpetuação do racismo estrutural.

Uma atitude discriminatória resulta na violação do artigo 7 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948:

"todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação."

A Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Normas de Discriminação Racial da ONU, ratificada pelo Brasil, diz que:

“Discriminação Racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e/ou exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou qualquer outra área da vida pública” Art. 1.

Movimentos extremistas racistas baseados em ideologias que buscam promover agendas populistas e nacionalistas estão se espalhando em várias partes do mundo, alimentando o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância correlata, muitas vezes visando migrantes e refugiados, bem como pessoas afrodescendentes.

Em sua mais recente resolução sobre a eliminação do racismo, a Assembleia Geral das Nações Unidas reiterou que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e têm o potencial de contribuir construtivamente para o desenvolvimento e o bem-estar de suas sociedades.

A resolução também enfatizou que qualquer doutrina de superioridade racial é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa e deve ser rejeitada, assim como teorias que tentam determinar a existência de raças humanas segregadas.

A relatora das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, E. Tendayi Achiume, em seu recente relatório sobre o populismo nacionalista, analisou a ameaça representada pelo populismo nacionalista aos princípios fundamentais de direitos humanos de não discriminação e igualdade.

A relatora condenou o populismo nacionalista que promove práticas e políticas excludentes ou repressivas que prejudicam indivíduos ou grupos com base em sua raça, etnia, nacionalidade e religião, ou outras categorias sociais relacionadas.

Em seu relatório sobre a glorificação do nazismo online, Achiume identificou tendências recentes e manifestações de glorificação do nazismo, neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar as formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata.

Ela destacou as obrigações dos Estados sob o direito internacional dos direitos humanos para combater essas ideologias extremas online, bem como as responsabilidades das empresas de tecnologia à luz dos princípios dos direitos humanos.

Constituição Federal de 1988, no seu art.  inciso XLII, determina que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito de reclusão nos termos da lei”.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…).

– IV Promover o bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a prosperidade…(…).

– XLI A lei punirá a qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

Art. 4º – A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II – prevalência dos direitos humanos;

VIII – repudio ao terrorismo e ao racismo;

Art. 7º-

XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

Art. 215. § 1º- O Estado protegera as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

Art. 216. § 5º – Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

ADCT – Art. 68 – Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras e reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

Lei Caó: Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989

Para regulamentar a disposição constitucionalem 1989, foi promulgada a Lei nº 7.716, mais conhecida como Lei Caó, em que são definidos os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. A Constituição já era explícita ao repudiar o racismo como uma prática social, considerando-o crime imprescritível e inafiançável.

Além de criminalizar as condutas anteriormente consideradas como contravenção, a Lei Caó criou novos tipos penais e estabeleceu penas mais severas. Pode-se dizer que a Lei possui três grupos de condutas consideradas como crime racial:

- Impedir, negar ou recusar o acesso de alguém a: emprego, estabelecimentos comerciais, escolas, hotéis, restaurantes, bares, estabelecimentos esportivos, cabeleireiros, entradas sociais de edifícios e elevadores, uso de transportes públicos, serviço em qualquer ramo das Forças Armadas;

- Impedir ou obstar o casamento ou convivência familiar e social;

- Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, incluindo a utilização de meios de comunicação social (rádio, televisão, internet etc.) ou publicação de qualquer natureza (livro, jornal, revista, folheto etc.).

Injúria Racial: Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997

A Lei nº 9.459/1997 ampliou a abrangência da Lei Caó, ao incluir, no artigo , a punição pelos crimes resultantes de discriminação e preconceito de etnia, religião e procedência nacional. Também incluiu, em seu artigo 20, tipo penal mais genérico para o crime de preconceito e discriminação: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

A Lei no 9.459/1997 ainda criou um tipo qualificado de injúria no Código Penal (injuria racial), por meio da inclusão do parágrafo 3º ao artigo 140 do Código. Embora a criação do crime de injúria racial não tenha alterado a Lei Caó, ela provocou grande impacto no processamento dos crimes raciais no país.

Como as formas de processamento das ações penais por crime racial e por injuria racial são diferentes, essa dificuldade de classificação de condutas discriminatórias, que muitas vezes é intencional, tende a beneficiar a impunidade.

Estatuto da Igualdade Racial

Em 20 de julho de 2010, foi sancionado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Estatuto da Igualdade Racial – Lei nº 12.288/2010. Este dispositivo legal foi instituído com o principal objetivo de garantir à população negra a efetiva igualdade de oportunidades na sociedade brasileira, a defesa dos seus direitos individuais e coletivos, além do combate à discriminação e as demais formas de intolerância.

Em seu capítulo IV, o Estatuto da Igualdade Racial, doutrina sobre as instituições responsáveis pelo acolhimento de denuncias de discriminação racial e orienta cada pessoa sobre os mecanismos institucionais existentes que tem como finalidade assegurar a aplicação efetiva dos dispositivos previstos em lei.

É, portanto, hoje, a principal referência para enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial.

Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003

Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.

É importante destacar que o racismo estrutural não é apenas uma questão individual, mas sim um problema sistêmico que afeta toda a sociedade brasileira. As estruturas sociais, econômicas e políticas foram construídas ao longo de séculos de opressão racial, e a mudança requer não apenas a conscientização e ações individuais, mas também a implementação de políticas públicas que promovam a igualdade racial.
Para combater o racismo estrutural, é necessário um esforço conjunto de todos os setores da sociedade. O governo, por exemplo, deve implementar políticas públicas que promovam a igualdade racial, como ações afirmativas e investimentos em educação e emprego para a população negra. As empresas também têm um papel fundamental, implementando programas de diversidade e inclusão em seus quadros de funcionários e promovendo a igualdade de oportunidades.

Além disso, é essencial que a sociedade como um todo se engaje no combate ao racismo estrutural, questionando e desconstruindo estereótipos e preconceitos arraigados. A educação e a conscientização são fundamentais para promover uma mudança real e duradoura.

Em suma, o racismo estrutural no Brasil é uma realidade inegável que afeta negativamente a vida de milhões de brasileiros. Para superar esse problema, é necessário um esforço conjunto de todos os setores da sociedade, desde o governo até a população em geral. Somente com ações efetivas e políticas públicas que promovam a igualdade racial poderemos construir um país mais justo e igualitário para todos.

 

Notas e referências

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 05 de jul.de 2023.

BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nações Unidas Brasil. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/91601-declara%C3%A7%C3%A3o-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em: 05 de jul. de 2023.

BRASIL. Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969. Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D65810.html#:~:text=DECRETo%20n%C2%BA%2065.810%2C%20DE%208,as%20Formas%20de%20Discrimina%C3%A7%C3%A3o%20Racial.>. Acesso em: 05 de jul. de 2023.

BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%207.716%2C%20DE%205%20DE%20JANEIRO%20DE%201989.&text=Define%20os%20crimes%20resultantes%20de,de%20ra%C3%A7a%20ou%20de%20cor.&text=Art.%202%C2%BA%20(Vetado).>. Acesso em: 05 de jul. de 2023.

BRASIL. Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9459.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%209.459%2C%20DE%2013,7%20de%20dezembro%20de%201940.>. Acesso em: 05 de jul. de 2023.

BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm.>. Acesso em: 05 de jul. de 2023.

BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm>. Acesso em: 05 de jul. de 2023.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001.

 

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