O que vi em 2015!

26/12/2015

Por Leonardo Isaac Yarochewsky – /12/2015

“Ficção de que começa alguma coisa! Nada começa: tudo continua. Na fluida e incerta essência misteriosa Da vida, flui em sombra a água nua. Curvas do rio escondem só o movimento. O mesmo rio flui onde se vê. Começar só começa em pensamento” Fernando Pessoa

O ano de 2015 chega ao fim. Verdadeiramente não há do que sentir saudade. A fúria punitiva esteve presente durante todo o ano. A sociedade continua vivendo a ilusão de que aumento de pena e cerceamento de direitos e garantias constituem remédios eficazes para redução e combate da criminalidade. O Brasil caminha a passos largos para se tornar em breve a maior população carcerária do planeta, hoje com mais de 700 mil presos ocupa o terceiro lugar atrás apenas dos EUA e da China. Chama a atenção o encarceramento feminino que vem aumentando proporcionalmente mais que o masculino. Rebeliões em todo o país foram à tônica do sistema prisional saturado, inumano e cruel demonstrando que a pena privativa de liberdade representa um sofrimento estéril e que a prisão “é uma instituição ao mesmo tempo antiliberal, desigual, atípica, extralegal e extrajudicial, ao menos em parte, lesiva para a dignidade das pessoas, penosa e inutilmente aflitiva” .

No sistema penal marcado pela seletividade, repressividade e estigmatização, a população carcerária jaza formada por jovens, negros, pobres, favelados e semianalfabetos, ou seja, os selecionados e criminalizados pelo sistema.

As polícias e o sistema penal continuam executando jovens nas favelas e periferias das grandes cidades e mascarando as mortes com autos de resistência.

2015 foi o ano em que a tortura se travestiu de delações premiadas. As prisões provisórias (temporária e preventiva) deixaram de ser exceção e se transformaram em regra, afrontando o princípio constitucional da presunção de inocência. As prisões preventivas perderam sua natureza cautelar e se constituíram em antecipação da tutela penal.

Em 2015 as prisões midiáticas insistiram em fazer parte do enredo do processo penal do espetáculo. Até agentes federais ganharam visibilidade e “marchinhas de carnaval”. Como em outros anos, em 2015 o juiz é transformado em super-herói. Com certeza no carnaval de 2016 o rosto do pop star estará estampado em mascaras carnavalesca como já ocorrera com um ex-ministro do STF. A sociedade não vive sem seus “heróis” e mitos. Como bem observa RUBENS CASARA “a aposta em mitos que ampliam o poder penal com o uso da força, em detrimento da cognição, justifica-se em razão da capacidade de a sociedade brasileira aceitar atos (e mitos) autoritários, mesmo em ambiente democrático”.

Embora em 2015 tenha começado no STF (Supremo Tribunal Federal) o julgamento do RE nº 635659 que trata da descriminalização do porte para uso de drogas - crime previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2006 - continuamos a mercê de uma política de drogas repressiva, moralista e ultrapassada. Como já foi dito alhures, a “guerra às drogas” tem feito mais vítimas do que as próprias drogas. Necessário, pois que ao retornar o julgamento do RE nº 635659 em 2016, o STF declare inconstitucional o art. 28 da Lei de Drogas e, consequentemente, descriminalize o uso e o porte para consumo de todas as drogas e não somente da “maconha” como já se manifestaram alguns ministros, posto que a criminalização - com a consequente punição do usuário - afronta princípios fundamentais da Constituição da República e garantistas do direito penal.

Em 2015 a Constituição da República foi rasgada pelo STF e pelo Senado Federal. A 2ª Turma do STF fez um verdadeiro “malabarismo” jurídico utilizando-se, indevidamente, dos argumentos próprios de uma prisão preventiva para mascarar uma prisão em flagrante inexistente que, posteriormente, foi vergonhosamente validade pelo Senado Federal. Definitivamente a prisão do Senador Delcídio do Amaral é uma página para ser virada.

Na política o ano de 2015 foi marcado por várias tentativas de golpe, de ataques à ordem constitucional e a legalidade democrática. Contudo, felizmente, no apagar das luzes o STF colocou o trem nos trilhos fazendo valer os mais caros princípios da democracia.

O ano de 2015 foi, também, o ano da intolerância. Da intolerância política, religiosa e social. O ano do ódio em relação a gênero, as opções sexuais, ao modo de viver das pessoas... Foi o ano em que o fascismo saiu às ruas e gritou.

A democracia além de ser um regime político e uma prática de governo, como bem destaca MARCIA TIBURI é “também um ritual diário – como estar em festa no mundo com o que há de mais simples – que precisamos praticar em família e no trabalho, na casa, na rua, no mundo virtual. Não há democracia sem respeito à singularidade e aos direitos fundamentais que o Estado, cada instituição, cada cidadão, deve ao outro com quem compartilha a vida, pública e privada”.

O ano de 2015 se vai. Mas não se vai em vão. Com certeza dele podemos tirar muitas lições. Se o autoritarismo, o ódio e o fascismo gritaram, a legalidade democrática falou baixo, mas falou aos corações. A legalidade democrática falou de igualdade e fraternidade. Enquanto os fascistas falam de ódio falamos de amor. “Eles passarão eu passarinho”. E, ainda, com o poeta MARIO QUINTANA:

“Lá bem no alto do décimo segundo andar do ano Vive uma louca chamada Esperança E ela pensa que quando todas as buzinas Todos os tambores Todos os reco-recos tocarem: – Ó delicioso voo! Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada – outra vez criança E em torno dela indagará o povo: – Como é o teu nome, meninazinha dos olhos verdes? E ela lhes dirá ( É preciso dizer-lhes tudo de novo ) Ela lhes dirá bem alto, para que não se esqueçam: – O meu nome é ES – PE – RAN – ÇA …”


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Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista, Professor de Direito Penal da PUC Minas, Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).

 


Imagem Ilustrativa do Post: Justice // Foto de: Thomas // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


   

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