O que são contratações temporárias irregulares?

01/04/2023

Contratações temporárias irregulares são aquelas que não vem de lei. Dessa forma, os municípios, os Estados-membros e o Distrito Federal, bem como a União, com intuito de firmar contratações temporárias, deverão proceder à regulamentação do instituto, prevendo, ainda, expressamente, as hipóteses passíveis de ser objeto da contratação. As hipóteses não poderão ser genéricas, visto que deverão objetivar o atendimento da necessidade temporária de excepcional interesse público. Dessa feita, é imprescindível que a contratação, fundada no artigo 37, IX, acima mencionado, tenha caráter temporário, buscando satisfazer o excepcional interesse público. Nessa senda, a contratação temporária não poderá ser celebrada para o “desempenho de funções permanentes ou previsíveis da administração pública, já que estas não se enquadrariam no conceito “necessidade temporária de excepcional interesse público”, intrínseco no permissivo constitucional, e devem ser exercidas por servidores efetivos”.

Além da existência de lei, da temporariedade da contratação e do excepcional interesse público, a contratação temporária deverá ser precedida de processo seletivo simplificado.

O abuso na utilização do recurso da contratação de agentes públicos sem concurso público, sob a falsa alegação da necessidade temporária de excepcional interesse público, e a prorrogação dos contratos por longos anos são condutas renitentes do norte ao sul do Brasil na administração pública federal direta e indireta, e na administração pública direta e indireta de estados e municípios.

Algumas carreiras são inerentes às atividades do Estado, sendo regulares e permanentes na Administração Pública, devendo ser preenchidas por meio de concurso público, nos termos do artigo 37, II, da Constituição do Brasil. A par disso, não se pode olvidar que o procedimento de contratações temporárias, na hipótese, por exemplo, de auditores fiscais de tributos, é incompatível com a natureza das funções exercidas por esses agentes públicos, posto que as atividades de fiscalização de exercício do poder de polícia são exclusivas do Estado, devendo, portanto, serem desenvolvidas por servidores efetivos, admitidos mediante regular concurso público (Art. 37, XXII, CF).

As carreiras da administração tributária não podem ser objeto de delegação a terceiros, ou mesmo de contratação temporária, nos moldes do artigo 37, IX, da Constituição Federal, uma vez que envolve, inclusive, a quebra de sigilo fiscal dos contribuintes, sejam pessoas físicas ou jurídicas, conforme dispõe o artigo 145, § 1º, da Constituição Federal. Em síntese, os auditores fiscais de tributos devem ser servidores de carreira da Administração Pública, admitidos por meio de concurso público, sendo vedada a contratação temporária e a delegação das suas atribuições a particulares. Por fundamentos semelhantes, refuta-se a possibilidade de contratação temporária, ou ainda por meio de cargos em comissão, de outros agentes públicos que exerçam parcela do poder de polícia do Estado, a exemplo das carreiras de fiscal de vigilância sanitária, guarda de trânsito, policial civil e militar, agentes ambientais, dentre outros.

Foi na Constituição Federal de 1988 que o contrato temporário passou a existir na legislação brasileira. Mas é preciso saber que essa é uma condição especial, excepcional e temporal. Na contratação temporária por excepcional interesse público, existe a categoria do regime especial. Nessa categoria, cada ente federativo, ou seja, a União, os Estados e Municípios têm as suas próprias leis.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. I. - A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37 e a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público: C.F., art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público excepcional. II. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 1.500/ES, 2.229/ES e 1.219/PB, Ministro Carlos Velloso; ADI 2.125-MC/DF e 890/DF, Ministro Maurício Corrêa; ADI 2.380-MC/DF, Ministro Moreira Alves; ADI 2.987/SC, Ministro Sepúlveda Pertence. III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3210 / PR. Relator: Min. Carlos VellosoJulgamento: 11/11/2004. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

No mesmo sentido:

CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. I - A contratação temporária de servidores sem concurso público é exceção, e não regra na Administração Pública, e há de ser regulamentada por lei do ente federativo que assim disponha. II - Para que se efetue a contratação temporária, é necessário que não apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei, mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do caráter da temporariedade. III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente. (ADI 3430 / ES. Relator: Min. Ricardo LewandowskiJulgamento: 12/08/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

A simples indicação do dispositivo legal que ensejou a contratação temporária não é suficiente para justificar a celebração de contratos, devendo o gestor complementar no ato do processo de contratação as razões que o levaram a selecionar pessoal sem concurso público. As contratações temporárias na administração pública somente podem ocorrer nas expressas hipóteses previstas na lei inerente ao respectivo ente da federação, desde que realmente seja temporária a contratação, esteja presente o interesse público, e que a medida seja em caráter excepcional.

 

Notas e referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 de mar. de 2023.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/inicio/>. Acesso em: 26 de mar. de 2023.

BRASIL. Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: <https://www.tce.pi.gov.br/>. Acesso em: 26 de mar. de 2023.

DUTRA, Micaela Dominguez. O Tribunal de Contas e o Verbete n. 347 da Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Direito Público, Ano V, n. 20 (Mar-Abr. 2008). p. 190-200.

NOVO, Benigno Núñez. Compreendendo contratação temporária de servidor público nos Estados e Municípios. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/96275/compreendendo-contratacao-temporaria-de-servidor-publico-nos-estados-e-municipios>. Acesso em: 26 de mar. de 2023.

STF.  Ação Direta de Inconstitucionalidade: Adi 3430 ES. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=604552>. Acesso em: 26 de mar. de 2023.

STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade: Adi 3210 PR. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=363338>. Acesso em: 26 de mar. de 2023.

TCE/PI. Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: <https://www.tce.pi.gov.br/wp-content/uploads/2021/07/LOTCE.-atualizada-2021.pdf>. Acesso em: 26 de mar. 2023.

TCE/PI. Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: <https://www.tce.pi.gov.br/wp-content/uploads/2022/01/REGIMENTO_INTERNO_WORD-atualizado-ate-05-01-2022-.pdf>. Acesso em: 26 de mar. de 2023.

 

 

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