O que aconteceu com nossos alunos?

19/08/2017

Por Thiago M. Minagé – 19/08/2017

Quando os alunos iniciam a graduação, e ali estão, cheios de sonhos, dúvidas e audácias [uns mais outros menos] se deparam nas primeiras aulas com o texto mais famoso [assim considero] de nosso ordenamento jurídico. Qual seja:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

Nesse contexto começam a forjar futuros juristas [nem todos, claro] que trabalharão com o manuseio do direito nas mais diversas áreas de atuação. Seja investigando, defendendo, acusando, julgando ou assessorando.

A origem dos cursos de direito, se deu com a implantação no Brasil em 11 de agosto de 1827 em Olinda e Recife, para satisfazer a necessidade de preparar os jovens da elite para a assumir cargos públicos do estado brasileiro. Dessa forma, desde sua origem, o curso de direito, sempre teve por finalidade formar burocratas, cuja missão seria de perpetuar a estrutura de poder da classe dominante em face dos hierarquizados, meros subordinados ao exercício do poder estatal. Algo completamente distante da realidade social, que ainda se presta o direito[1].

Depois dos ocorridos que presenciei essa semana, onde uma ex aluna, de forma agressiva e desdenhosa, menosprezava a atuação advocatícia com referências ofensivas, tais como: esses advogados atrapalham a justiça ... defensores de vagabundos ... garantistas de merda e etc.

Observando uma singela menção à origem do ensino jurídico no Brasil comparado ao que acabo de relatar, não fica difícil concluir que o ensino jurídico [desde a origem] teve a missão de transmitir conhecimento ao aluno, de forma a ignorar a realidade estrutural social de uma forma que o conhecimento burocrata passado [ensinado] reflete um verdadeiro fruto teórico divorciado da prática quotidiana.

Por conta desses fatos aqui mencionados [origem e ofensas gratuitas] entende-se o reflexo que um ensino descompromissado e alheio à uma realidade social pode acarretar. Cria-se profissionais comprometidos não com a evolução/transformação social, e sim, iludidos com a estrutura de poder dominante que se desvincula da teoria, justamente pela falta de controle e limites ao exercício do poder desenfreado.

Ensinar Direito [ciência jurídico social] não significa simplesmente reproduzir conceitos, macetes ou métodos de memorização. Vai além. Precisa despertar o interessa pela crítica, pelo aperfeiçoamento, pela insatisfação com simplismo e principalmente despertar no aluno o senso crítico que produz a discordância e consequentemente consolida uma democracia. Na mais pura expressão do que seria um estado democrático de direito.

Essa forma de ensino e aprendizado jurídico que insiste em negar o conhecimento da cultura, da transformação social, da sociologia e ciência política, da realidade econômica, da filosofia, da psicanálise, dentre outras, fizeram com que os estudantes de direito ficassem cegos [metaforicamente] onde a visão de aprendizado está voltada para conceitos e esquemasmuitas vezes, limitados a somente vislumbrar uma única posição em linha reta, não deixando adentrar em sua visão o desvelamento de uma sociedade que se transforma a cada dia[2].

De qualquer forma, esse pequeno texto desta semana, visa chamar a atenção para o ensino jurídico, desde quem transmite ao que recebe o conhecimento. E ninguém melhor que Eduardo Galeano [comparado ao famos texto constitucional de abertura desse texto] para enfiar o dedo na ferida e apontar os horrores que são frutos de nossa [i] responsabilidade no ensino jurídico

Aviso aos delinquentes que se iniciam na profissão: não se recomenda assassinar com timidez. O crime compensa, mas só compensa quando praticado em grande escala, como nos negócios. Não estão presos por homicídio os altos chefes militares que deram a ordem de matar tanta gente na América Latina, embora suas folhas de serviço deixem rubro de vergonha qualquer bandido e vesgo de assombro qualquer criminologista. Somos todos iguais perante a lei. Perante a lei? Perante a lei divina? Perante a lei terrena, a igualdade se desiguala o tempo todo e em todas as partes, porque o poder tem o costume de sentar-se num dos pratos da balança da justiça.[3]

Um mundo que prefere a segurança à justiça, há cada vez mais gente que aplaude o sacrifício da justiça no altar da segurança. Naas ruas da cidades são celebradas as cerimônias. Cada vez que um delinquente cai varado de balas, a sociedade sente um alívio na doença que a atormenta. A morte de cada malvivente surte efeitos farmacêuticos sobre os bem viventes. A palavra farmácia vem de phármakos, o nome que os gregos davam às vítimas humanas nos sacrifícios oferecidos aos deuses nos tempos de crises.[4]

Mas a vida é assim, erramos, aprendamos e o pior de tudo é que continuamos a insistir em muitos erros. Onde tudo isso vai parar? Sinceramente, não sei.


Notas e Referências: 

[1] GOMES, Sebastião Edilson Rodrigues. A crise do ensino jurídico. Opinio Verbis. Porto Velho, v. 1, n. 2, jul./dez. 2004.

[2] TAQUES. Silvana. A crise do ensino jurídico: uma abordagem crítico-reflexiva perante a necessidade de transformação da realidade sócio-jurídica. http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1449

[3] Pag. 207

[4] Pag. 81


Sem título-15

Thiago M. Minagé é Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá/RJ. Professor substituto da UFRJ/FND. Professor de Penal da UNESA. Professor de Processo Penal da EMERJ. Professor da Pós Graduação ABDConst-Rio. Colunista do site www.emporiododireito.com.br. Autor do Livro Prisões e Medidas Cautelares à Luz da Constituição. Membro do IAB. Advogado Criminalista.

E-mail: thiagominage@hotmail.com


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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