O punitivismo a granel e sua interface com o Estado Constitucional

14/01/2020

A história do Constitucionalismo no mundo sempre caminhou na direção de se proteger os direitos fundamentais dos cidadãos contra a arrogância dos poderosos e o autoritarismo dos governos despóticos. Não é por menos que as constituições estabelecem limites ao poder de governar.

A constituição é a dinamite que explode a tirania. É impossível pensar a história do Ocidente sem imaginar o papel de grande relevo que o constitucionalismo exerceu sobre as instituições. Direitos e garantias quando cumpridos são os paladinos da nossa Democracia.

Tendo em vista essa nobre história de salvaguarda de garantias é mais que obrigatório se lutar de maneira árdua contra aquilo que eu chamo de punitivismo a granel.

O que quero dizer com essa expressão? Isso significa que na mesma medida em que os clamores populares se manifestam por mais punição, mais o Estado cria leis duras e repressivas contra a criminalidade.

É importante destacar que os criminosos devem ser punidos e conduzidos ao cárcere quando infringirem as normas, entretanto cumpre ressaltar que tal deve ocorrer quando existir a observância das regras do jogo democrático, uma vez que do contrário o Estado, no pretexto de ser o guardião da norma, não se transforme em um bandido de distintivo.

Contudo, o que se observa no mundo contemporâneo, especialmente no Brasil é que existe uma seletividade muito evidente. Pequenos delinquentes são presos, enquanto a criminalidade do colarinho branco, ou seja, aquela protagonizada por políticos e empresários do alto escalão não são conduzidos ao sistema prisional. Quando muito passam poucos dias lá.

Nos Estados Unidos, políticos concedem entrevistas coletivas para anunciar leis que dizem respeito às sentenças condenatórias e são acompanhados no palco pelas famílias de vítimas. Leis são aprovadas e batizadas com o nome de vítimas: Lei Megan, Lei Jenna, Lei Brady etc. Na Grã-Bretanha, as vítimas dos delitos aparecem como palestrantes convidados nas conferências dos partidos políticos e estabeleceu-se um “estatuto da vítima”, com amplo apoio dos partidos políticos.[1]

Um dos mitos planetários vindos da América é a ideia da política de tolerância zero, supostamente responsável pelo sucesso policial de Nova Iorque, a qual se estruturaria numa teoria criminológica cientificamente comprovada, a famosa “teoria das janelas quebradas.[2]

O que essa teoria nos diz? Esta teoria informa que a repressão imediata e rígida das pequenas infrações e desentendimentos da via pública limita o desencadeamento das infrações criminosas de maior monta, (r) estabelecendo um clima saudável de ordem e disciplina, uma estranha ilustração do ditado popular francês “quem rouba um ovo, rouba um bezerro”.[3]

Desse modo, é nítido o amplo crescimento do movimento punitivista, tanto em terras brasileiras como em terras alienígenas. Passando pelo Brasil, Estados Unidos e Grã-Bretanha fica bem claro que a tendência é o alargamento dos mecanismos de punitividade, sejam eles a lei, a mídia, a política etc.

Ademais, devemos relembrar que o Estado constitucional foi conquistado no combate contra a tirania. A democracia e o Estado de Direito servem de vigas mestras para toda a estrutura dos Estados contemporâneos. E pensando nesse Estado Constitucional que devemos nos posicionar contra standards punitivistas.

À guisa de conclusão, pode-se afirmar que é importante punir sim, pois o jus puniendi pertence exclusivamente ao Estado. Por esse motivo deve-se punir dentro dos limites permitidos pela Ética e pela normatividade. É imperativo obedecer os postulados do Estado de Direito, pois do contrário ele pode revidar e contra nós mesmos.

 

Notas e Referências

[1] GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008, p. 55.

[2] WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. p. 435.

[3] WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 435.

 

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