O problema do rol taxativo do 1015: há uma solução no CPC? – Por Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave

30/05/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Um dos grandes problemas de ordem prática gerados pelo CPC/15 é o decorrente da recorribilidade das decisões proferidas no curso do procedimento em primeiro grau, que teve a sistemática alterada com relação à interposição de recursos em face das decisões interlocutórias. No código anterior, a regra era a recorribilidade imediata das interlocutórias[1] (por agravo – retido ou de instrumento), sob pena de preclusão. Pelo atual código, a regra é a IRRECORRIBILIDADE imediata das interlocutórias.

Na atual legislação, as decisões proferidas no curso do procedimento em primeiro grau deverão ser objeto de recurso diferido, arguindo-se em preliminar de apelação a irresignação contra o seu conteúdo (art. 1009, §1º do CPC[2]), sendo alguns casos excepcionados pelo próprio Código em artigos esparsos (como o art. 354, parágrafo único[3]) e no art. 1015[4], que traz um rol de casos em que a decisão deverá ser impugnada por Agravo de Instrumento, sob pena de preclusão.

Assim, decisões que tratam de questões importantes – e que muitas vezes demandam uma solução imediata, como a decisão que trata da competência do juízo ou a que trata do deferimento da produção de um determinado meio de prova – ficaram fora da possibilidade de ser objeto de recurso imediato, devendo aguardar todo o trâmite processual em primeiro grau antes de ser analisada pelo Tribunal de segundo grau (TJ ou TRF).

E aí vem a questão: o que fazer para viabilizar a análise imediata da questão pelo Tribunal competente?

A doutrina, até agora, apresentou duas (na verdade, três) possibilidades: 1) interpretação extensiva do art. 1015, 1.1) de modo a considerar, por exemplo, que a decisão que trata da competência está abrangida pelo inc. III, que trata da decisão que rejeita a alegação de convenção de arbitragem (Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha[5]); 1.2) interpretando-se extensivamente o parágrafo único do art. 1015, do qual se conclui que todas as decisões cujo recurso diferido seja inútil, estarão passíveis de recorribilidade por agravo de instrumento (Rodrigo da Cunha Lima Freire[6]);  e 2) utilização do Mandado de Segurança[7].

Os Tribunais não pacificaram a questão, haja vista ambas as soluções apresentadas serem excessivamente lesivas ao sistema implantado pelo CPC/15, seja porque admitir a interpretação extensiva do rol do art. 1015 representa inegável insegurança jurídica com relação à preclusividade da questão (afinal, se estiver no rol do art. 1015, por interpretação extensiva, não poderá ser objeto de preliminar de apelação – como saber qual o recurso adequado e assim evitar a preclusão?), quer porque o mandado de segurança é um remédio constitucional inaplicável quando houver previsão de recurso com efeito suspensivo contra a decisão judicial (art. 5º, II da Lei 12.016/09) – e a apelação tem efeito suspensivo.

Por conta desta situação de incerteza, começamos a pensar em uma solução que estivesse dentro do CPC/15 e que não causasse danos à dinâmica processual estabelecida pelo código – ou que ao menos fosse menos lesiva à sistemática adotada pelo Código.

Pois bem. O CPC/15 aboliu o livro próprio das ações cautelares[8], mas não extirpou do processo civil o poder geral de cautela, que foi tratado nos artigos que cuidam das “tutelas provisórias”[9].

Da leitura dos arts. 299 e 300[10] do CPC/15, extraímos uma solução para a questão da recorribilidade diferida de decisões que demandam recurso imediato: a utilização do poder geral de cautela, expressamente consagrada no caput do art. 300 do CPC para as situações que evidenciem o risco ao resultado útil do processo.

O risco de dano ao resultado útil do processo em casos como o da decisão que trata da competência do juízo (seja caso de incompetência absoluta ou relativa) ou da produção de um determinado meio de prova é bastante fácil de se constatar.

Imagine-se um processo em que, arguida a incompetência do juízo, ele se dê por competente e continue com a tramitação processual, com a instrução e posterior prolação de sentença. Somente após a prolação da sentença – ou seja, decorrido muito tempo - poderá a parte interpor o regular recurso de Apelação para levar ao Tribunal a sua irresignação com relação à decisão interlocutória acerca da competência do juízo, nos termos do art. 1009, §1º. Assim, unicamente após toda a tramitação processual em primeiro grau o Tribunal terá a oportunidade de, eventualmente, dar provimento à preliminar invocada e reconhecer a incompetência do juízo.

A ideia que propomos é a utilização do poder geral de cautela para a antecipação da decisão do Tribunal com relação aos temas que, não abarcados pelas exceções do art. 1015 e dos demais dispositivos do CPC, não são passíveis de recurso imediato, mas que demandam uma solução imediata para assegurar a regular tramitação processual.

Destaque-se que o próprio Código, no art. 299, parágrafo único, define a competência para o conhecimento das cautelares que tiverem por objeto o recurso (“...nos recursos a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito”), o que nos leva a crer que a hipótese aqui levantada é reconhecida pelo sistema e plenamente viável.

Com a utilização do pedido antecipatório antecedente recursal, não se ofenderia o sistema de recorribilidades estabelecido pelo CPC/15 (com a restrição do rol de decisões passíveis de ser objeto de agravo de instrumento), tampouco se faria necessária a utilização de um remédio constitucional (Mandado de Segurança, que importaria em tramitação paralela de dois processos com relações recíprocas - basta pensar na seguinte questão: a decisão do mandado de segurança antes do trânsito em julgado, seria capaz de tornar a decisão irrecorrível por Apelação?).

Assim, por exemplo, uma decisão interlocutória em que o juiz, não obstante a arguição de incompetência realizada em sede de preliminar de contestação, declara-se competente para julgar o feito, pela regra colocada no art. 1009, §1o. do CPC, a parte deverá aguardar o encerramento da fase de conhecimento do procedimento para que possa levar a questão ao Tribunal. Considerando que a decisão demanda uma análise imediata, a parte poderá pleitear ao Tribunal, em sede de tutela provisória de urgência em âmbito recursal, a análise imediata da questão.

Por estas razões, nas diversas situações em que houver uma decisão interlocutória capaz de gerar um risco ao resultado útil do processo (art. 300 do CPC), deve haver a possibilidade de fazer com que esta questão seja imediatamente analisada pelo Tribunal, de sorte a possibilitar ao jurisdicionado uma resposta adequada e eficiente, sem que haja uma lesividade muito grande ao sistema. Pensamos que a utilização da tutela de urgência antecedente recursal seja a solução adequada e menos lesiva ao sistema.

Em poucas linhas, esta é a ideia que sugerimos para resolver a questão do rol taxativo do art. 1015, CPC: a utilização do poder geral de cautela, por pedido de antecipação do julgamento da preliminar do recurso diferido.


Notas e Referências:

[1] CPC/73, com a redação dada pela Lei 11.187/05: Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.

[2] Art. 1.009.  Da sentença cabe apelação. § 1o As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

[3] Art. 354.  Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III, o juiz proferirá sentença. Parágrafo único.  A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumento.

[4] Art. 1.015.  Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único.  Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

[5] DIDIER Jr., CUNHA, Leonardo Carneiro. Agravo de instrumento contra decisão que versa sobre competência e a decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual na fase de conhecimento. Revista de Processo. n. 242. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr. 2015, p. 276.

[6] Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=H0wcJuRtokQ&app=desktop.

[7] V. a questão abordada por Rogerio Licastro Torres de MelloFabiana Souza RamosAnna Paola Bonagura e Renato Montans em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI235291,81042-O+agravo+de+instrumento+e+o+rol+do+art+1015+do+novo+CPC+taxatividade (consultado em 08 de maio de 2017)

[8] Livro III do CPC/73.

[9] Livro V da Parte Geral do CPC/15 – arts. 294 a 311.

[10] Art. 299.  A tutela provisória será requerida ao juízo da causa e, quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal. Parágrafo único.  Ressalvada disposição especial, na ação de competência originária de tribunal e nos recursos a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito. (gn)

Art. 300.  A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. (gn)


A autora deste artigo publicou a obra O Novo CPC e os Processos em Curso: Direito Intertemporal, confira aqui!

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