O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA E OS JURISTAS PUNITIVISTAS

28/05/2019

 

Aos menos avisados, parece ser absolutamente contraditório que juristas de formação autoritária e punitivista não cessem de combater o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.

Em recente palestra proferida na UFES, em Vitória, procurei denunciar esta hábil estratégia de "flexibilizar" o tradicional princípio da legalidade, que sempre fundamentou o nosso sistema processual penal, baseado na "Civil Law".

É preciso aguçar a nossa consciência crítica para perceber O QUE está por trás desta estratégia, aparentemente ingênua e simpática.

É preciso aguçar a nossa consciência crítica para perceber QUEM está por trás desta estratégia, aparentemente ingênua e simpática.

Na verdade, os punitivistas são coerentes e desejam introduzir, cada vez mais, a discricionariedade em nosso sistema processual, o que tem facilitado a seletividade na persecução penal. Negócios jurídicos processuais são seletivos por natureza.

Deseja-se dar ao membro do Ministério Público um poder quase ilimitado. Com ou sem acordo de não persecução penal, o Ministério Público se coloca acima da lei.

Assim, embora o legislador tenha incriminado uma determinada conduta, o membro do Ministério Público, levando em conta critérios pessoais e discricionários, poderia optar por não instaurar o processo criminal.

Outras vezes, mediante acordo com os réus, escolhe penas e regime de penas ao arrepio do que está disposto no Código Penal e na Lei de Execução Penal. É o negociado sobre o legislado no sistema de justiça criminal, na errada interpretação do instituto da “Delação Premiada”.

Não é por outro motivo que, hoje em dia, encontramos diversos políticos presos em regime fechado e empresários corruptores em regime domiciliar. Alguns empresários sequer seriam acusados em juízo.

A discricionariedade, no processo penal, é um excelente instrumento para o "Lawfare", que se disseminou em grande parte da nossa América Latina, após forte empenho dos Estados Unidos na mudança dos Códigos de Processo Penal, em 15 países.

Há mais de um ano, em estudo que fiz publicar na 15ª.edição do meu livro “Direito Processual  Penal, Estudos, Pareceres e Crônicas”, 2018, editora Juspodium, em parceria com Pierre Souto Maior Amorim, denunciei enfaticamente esta “artimanha processual”, através do seguinte texto sobre esta relevante e grave questão:

“Acabei de ler um importante livro que importei da Argentina, intitulado "Bases del nuevo código procesal penal de la nación", de autoria de Marcelo A. Solimine, ed. Had-Hoc, Buenos Aires, 2015. Esta obra cuida do sistema do código federal que ainda se encontra em "vacatio legis". Em sua parte introdutória, tal autor argentino faz uma interessante explanação sobre o movimento de reforma processual penal na América Latina. Na verdade, foram novos códigos de processo penal, em 15 países, começando pela Guatemala, em 1992 e terminando em 2009, no México.

Mais impressionante do que este tempo recorde é o fato de que todos estes novos códigos de processo penal, com estrutura do chamado sistema adversarial, sofreram influência direta de juristas e organismos dos Estados Unidos da América do Norte, conforme estudo do professor argentino Máximo Langer, escrito originalmente em inglês, já que ele estava fazendo sua pós-graduação naquele país. Escreveu Marcelo Solimini, in verbis: "A partir de alli se desencadenó un proceso de reforma que Máximo Langer muestra con detalle y profundidad, con mención de los componentes políticos e ideológicos coyunturales que le dieron impulso, incluída la injerencia de organismos de los EE.UU. e internacionales (como ILUANUD) ... que concluyó con una cascada de códigos acusatorios y reformas procesales ... (p.51/52).

Em relação ao estudo acima citado de Máximo Langer, a obra que lemos faz constar em seu rodapé n.4, pag.51: "Muestra alli la labor da la USAID (Agência de los EE.UU. para el desarrollo internacional), que patrocinó los procesos de reforma em América Latina a partir de 1985, sin imponer modelos estadounidenses y apoynando a las instituiciones locales existentes ...".

Mais adiante, na p.55, Marcelo Solimine esclarece sobre a presença de grupos provenientes das universidades norte americanas nos debates sobre novos códigos de processo penal, inclusive em relação ao argentino, conforme dito por Marcos Salt, em sua exposição na Câmara de Senadores do Congresso.

Desta forma, julgo estar confirmado o que venho dizendo há muito tempo. O chamado sistema processual adversarial (sistema acusatório puro ou radical) tem origem na ideologia liberal e privatista reinante nos Estados Unidos e não atende ao interesse público”. Este estudo também está publicado nesta coluna do Site Empório do Direito.

Por derradeiro, cabe salientar que a melhor forma para se reduzir o grande número de inquéritos e processos penais não é debilitando o nosso já frágil Estado de Direito, mas sim, adotando-se o princípio do "Direito Penal Mínimo", descriminalizando uma série de delitos que não têm grande significado. Este juízo de relevância deve ser do legislador e não do Promotor de Justiça ou Procurador da República, que não estão acima das leis !!!

Outra forma correta para reduzir o chamado “congestionamento” do sistema de justiça criminal seria condicionar à representação do ofendido (vítima) a persecução penal em diversos crimes de menor gravidade, mormente quando seja disponível o bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora. Por exemplo, a instauração de inquérito e processo penal diante de crime de furto deveria depender de representação da vítima, em prazo de trinta dias.

Em conclusão, cabe ao legislador resolver todas estas questões no plano do Direito Penal e não se utilizar do processo penal para, indiretamente, despenalizar ou mesmo tornar impuníveis condutas tipificadas como crimes, como ocorreu, de certa forma, através da lei n.9099/95, nos chamados Juizados Especiais Criminais.

Esta “política criminal” de privatizar o processo penal, através de negócios jurídicos processuais, acaba por desacreditar ou mesmo desmoralizar as instituições, que atuam no nosso sistema de justiça criminal, perante a opinião pública.

Tal vem ocorrendo com a outorga de poderes discricionários incompatíveis com o sistema da legalidade, fundante do nosso Estado Democrático de Direito. Nele, a “palavra-chave” é o controle e o respeito às regras jurídicas cogentes.

Como se disse no passado, queremos um governo de leis e não dos homens. Repudiamos a utilização do processo penal como instrumento de várias formas de perseguição às pessoas (Lawfare)!!!

Juristas progressistas, não sejam ingênuos!!!

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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