O primeiro homem e o pecado adâmico

09/04/2017

Por Valdemar Habitzreuter e Wellington Lima Amorim - 09/04/2017

“Com o suor do teu rosto comerás o teu pão”. Eis a sentença fatídica à espécie humana como herança do pecado adâmico. Nasce-se pecador, segundo a cultura religiosa judaico-cristã. Em outras palavras, desde o início se está contaminado pela doença do pecado, e o remédio da cura é o batismo que purifica o ser humano desta mancha original, mas só com a observância fiel das prescrições da bula cristã. O remédio, para ser eficaz, é de uso contínuo, encapsulado pela fé e esperança da cura definitiva; portanto, a garantia da salvação. A História humana é marcada pelo pecado, erro ou desvio. Desde que fomos expulsos do Paraíso fomos condenados a História, submetidos a ação do tempo. E por isso, a liberdade não é mais possível.

Como conceber que uma criança recém-nascida já tenha sua alma maculada pela herança do pecado de Adão e Eva? E que pecado é este? Tem ela o gene do pecado contaminador dos primeiros pais da humanidade? Segundo o cristianismo (catolicismo), sim; ela tem de ser batizada, pois se chegar a falecer sem o batismo não verá a glória no céu, vegetará eternamente no Limbo. No entanto, nos parece que o Limbo já não existe mais, foi abolido pelo papa Bento XVI. Restaria então o purgatório. Mas, há aí também um problema, só passa pelo purgatório quem foi batizado e precisa expiar alguma dívida deixada para trás aqui na terra. Só restaria então o inferno.

A única saída dessa trágica fatalidade seria abolir também o inferno. Estas crianças iriam então para o céu e fariam o ambiente celestial mais alegre com seus sorrisos inocentes e angelicais, contagiando a todos os seus habitantes. Acredito que isso ainda está por vir. O Papa Francisco já acenou neste sentido quando diz: “A igreja já não acredita em um inferno literal, onde as pessoas sofrem. Esta doutrina é incompatível com o amor infinito de Deus”. Por fim, será preciso abolir a noção de pecado original para que o homem possa andar com as próprias pernas e voltar a venerar o chão, e fitar o horizonte, como quem olha para o eterno. Será preciso um novo adão e construir um novo paraíso. Uma vida sem pecado: “É preciso colocar o homem diante de um novo princípio da História. O Homem novo tem de ser um Adão sem pecado que possa pôr em marcha uma história sem pecado. Só assim pode-se conceber uma nova vida, uma vida transformada na base. A humanidade só espera um profeta: o da vida sem pecado.” (Cioran) 

Há um fundo de verdade nessa herança pecaminosa do pecado original? Como é bem se sabe, na Filosofia de Platão o corpo é um cárcere para a alma, dificultando a que ela vislumbre e faça sua trajetória de volta a sua morada original. Só através de uma ascese rigorosa e constante consegue o homem reprimir ou controlar os sentidos, as paixões, da carne para que a alma se lembre de sua origem da outrora vida de bem-aventurança e lute contra a natureza carnal que a escraviza e, assim, possibilitar a volta e poder desfrutá-la novamente.

Por outro lado, Agostinho, em sua época, estava às voltas no combate ao pelagianismo (heresia de Pelágio) e, justamente, teve que enfrentar um pelagiano intelectual altamente versado em Filosofia e Teologia, como ele, de nome Juliano de Eclano, que discordava totalmente da possibilidade da transmissão por herança do pecado de Adão e desafiou Agostinho: “dizei-me: quem é essa pessoa que inflige um castigo a criaturas inocentes (...) Vós respondeis: Deus. Deus, dizeis! Deus! Aquele que nos confiou seu amor, que nos amou, que não poupou Seu próprio Filho por nós. (...) É Ele, dizeis, quem julga dessa maneira; é Ele o perseguidor de crianças recém-nascidas; é Ele que envia bebezinhos para as chamas eternas”.

Agostinho retruca: Adão e Eva, assim que perpetraram o pecado, cobriram suas genitálias de vergonha e isto configurou sua culpa, conscientes que ficaram do pecado cometido ao desobedecer a Deus. Esta sensação de culpa e consequente vergonha acompanha ainda hoje a todo ser humano como uma herança psíquica, no dizer de Agostinho. Assim, a atividade sexual humana oferece a oportunidade de pecar, de enlamear a alma pelo gozo do corpo se não for regrada. Com esta justificação, a moral cristã incutiu de que o instinto sexual deixado livre e sem controle nos arrasta para o lado animalesco e nos deixa distantes das coisas do espírito. A moral cristã enaltece a castidade para fins de elevar espiritualmente o ser humano; o sexo exercido fora dos padrões morais cristãos seria pecaminoso, permitido apenas, controladamente, dentro do casamento para fins de procriação. No entanto: "As mulheres só chegou a seu cume na santidade (...) Mas perguntai a qualquer um para que diga sinceramente a quem preferia se tivesse de escolher entre uma puta e uma santa?" (Cioran). As prostitutas possuem um saber muito mais profundo que qualquer filósofo já possuiu. Quanta inutilidade em ter lido Platão, Aristóteles, Agostinho, Kant ou Hegel. Perda de tempo e cansaço do espírito.


Valdemar Habitzreuter. . Valdemar Habitzreuter é Msc. em Filosofia - Universidade Federal de Santa Catarina. . . .


Wellington Lima Amorim. . Wellington Lima Amorim é Professor Doutor em Ciências Humanas - Universidade Federal do Maranhão. . .


Imagem Ilustrativa do Post: The Expulsion of Adam and Eve from the Garden // Foto de: SNappa2006 // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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