Introdução.
A proteção do meio ambiente é realizada, fundamentalmente, por meio do poder de polícia do Estado. A exteriorização do poder de polícia ambiental ocorre por meio de normas administrativas que vinculam restrições ao uso da propriedade e às atividades em geral, visando ao equilíbrio ecológico[1].
Corrobora com a premissa inicial o conceito de Hely Lopes Meirelles, para quem o poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.[2]
O poder de polícia é imanente à concepção de Estado e submete-se ao princípio da legalidade para condicionar a ação do particular, e do próprio Estado, em favor do bem-estar humano e em benefício da coletividade.
No presente artigo abordar-se-á os aspectos mais relevantes do poder de polícia em relação ao meio ambiente e os reflexos da Lei Complementar n.º 140/2011 quanto ao exercício da fiscalização ambiental.
Proêmio históricos e normativos do poder de polícia.
A sociedade, em razão da teoria de criação do Estado, atina para a clássica afirmação dual entre estado de natureza e estado de segurança social, exigindo que o Estado moderno seja um garantidor universal e ilimitado de direitos. Entretanto, a mesma sociedade ouvida do fato de que a manutenção de direitos requer, inversamente, a presença de obrigações ou deveres.
A relação entre direitos e deveres é, antes de tudo, uma relação vinculada a noção de cidadania, cuja falta de percepção social gera conflito coletivo e obriga o Estado a condicionar a fruição e o gozo dos direitos, independente da natureza a que estejam vinculados. A interferência do Estado para racionalizar ou harmonizar o aproveitamento dos direitos individuais é realizada por meio do poder de polícia.
Para Paulo de Bessa Antunes[3], o poder de polícia tem suas origens na formação do Estado moderno da Europa Ocidental, fruto da centralização do poder político e da degeneração do mundo feudal que resultaram na ampliação dos chamados campos de interesse público e, consequentemente, do interesse do Estado. Paulo de Bessa Antunes prossegue afirmando que embora não seja possível afirmar, com precisão, a origem do termo polícia, sabe-se, contudo, que a necessidade concreta do Estado em administrar, ordenar e regulamentar a vida em sociedade impôs o exercício e a prática de ações que passaram a ser denominadas ou conhecidas como atividade de polícia, própria de um poder político centralizado e centralizador.
Marcello Caetano[4] afirma que o emprego da palavra polícia possui conotação diferente daquela utilizada até o século XIX. Explica que por meio da revolução francesa, a palavra polícia deixou de ser sinônimo de estado arbitrário e passou a significar estado fundado na lei e em princípios jurídicos.
Não sem razão, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, após decidir os casos Brown Vs Maryland e Noble Vs Heskell, assentou: a) que a extensão do poder de polícia alcança a ideia de intervenção concreta nas grandes necessidades sociais; b) que o papel do Estado na sociedade é planejar e regular; c) que o estado liberal converte-se em estado social na medida em que passa a ser o responsável pela regulação das necessidades sociais, e d) que o limite do poder de polícia se resume no respeito ao princípio da legalidade[5].
Exsurge a definição de poder de polícia do direito norte americano como sendo police power is th exercise of the sovereign right of a government to promote order sofety, security health, morals ande generat welfare within constitutional limits and is na essential atribute of government.
No Brasil, a expressão poder de polícia é definia pelo Código Tributário Nacional – CTN, art. 78, a saber: considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão do Poder Público, a tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.
Vê-se, pelas definições, que hoje o poder de polícia caracteriza-se como instrumento da Administração Pública para impor restrições e limitações às pessoas naturais e às pessoas jurídicas por meio da lei e em nome da convivência social harmônica.
As características do poder de polícia.
A doutrina tradicional menciona as principais características do poder de polícia. Pode-se, entretanto, resumi-las sob as seguintes premissas: a) é atividade indelegável, exercida apenas pelo Estado; b) é divisível em poder de polícia administrativa e poder de polícia judiciária; c) é atividade com atributo de autoexecutoriedade; d) é atividade que permite ao Estado agir utilizando meios coativos; e) é atividade vinculada às normas, exigindo do Poder Público a plena e incondicional regulamentação, corolário do princípio da legalidade; f) é atividade que exige autoridade competente para ser exercido, e g) é atividade discricionária.
O poder de polícia e o meio ambiente.
Em termos gerais, a aplicação do poder de polícia para proteção do meio ambiente não refoge ao regramento e às características do poder de polícia administrativo. Contudo, é necessário ater-se para as seguintes especificidades: a) que o poder de polícia ambiental deve atender às regras de sustentabilidade previstas na ordem pública ambiental; b) que o conceito de poder de polícia ambiental é jurídico-administrativo, conjugando a função de fiscalização e de controle – a lei de crimes ambientais criminalizou inúmeras ilícitos administrativos; c) que o poder de polícia ambiental atua com base no princípio da prevenção – a fiscalização colaborar para evitar danos ao meio ambiente; d) que o poder de polícia ambiental requer atenção quanto à competência e investidura do servidor público para o exercício do múnus público – a Lei Federal n.º 10.410/2002, condiciona a atividade de fiscalização ambiental à presença dos titulares dos cargos de especialista em meio ambiente; e, e) que o poder de polícia ambiental embora esteja vinculado ao princípio da legalidade, possui outras fontes normativas complementares, destacando-se as resoluções CONAMA, as portarias e demais atos administrativos.
A fiscalização ambiental e o poder de polícia na Lei Complementar n.º 140/2011.
Até a edição da Lei Complementar n.º 140/2011, a competência para fiscalização ambiental operava-se segundo regras estipuladas pelo CONAMA. Wagner Carmo[6] aduz que por meio de decisão do STF[7], a competência ambiental, que inclui o poder de fiscalização, era determinada em observância às regras da Resolução CONAMA n.º 237/1997, cujo mérito indicava a aplicação do princípio da ponderação dos interesses por meio da hierarquização das relações em nível federal e garantia à União poderes mais amplos; aportando aos demais entes federados apenas os poderes residuais.
Naquele contexto, a fiscalização ambiental encontrava-se prejudicada em razão da ocorrência das seguintes situações: a) complexo entrelaçamento entre os órgãos ambientais; b) geração de disputa de poder entre os órgãos ambientais; c) dificuldade de separação de competência para licenciar e fiscalizar, fazendo com que mais de um órgão atribuísse a si mesmo o direito de realizar e executar o ato administrativo ambiental.
Todavia, com o advento da Lei Complementar n.º 140/2011[8], a situação passou a ser normatizada e a solução encontrada foi a atribuição da competência fiscalizatória ao órgão ambiental responsável pela licenciamento. Assim, conforme leciona Paulo de Bessa Antunes[9], o ente que não detenha a competência para licenciamento, somente poderá autuar uma atividade que não esteja em sua esfera de atribuição para licenciar, quando o órgão dotado da mencionada atribuição tenha se quedado inerte.
Conclusão.
O epilogo do artigo permite confirmar que o poder de polícia é essencial à proteção do meio ambiente e que a Lei Complementar n.º 140/2011 colaborou para a cooperação federativa, entre os órgãos ambientais.
Notas e Referências:
[1] MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 8º ed. rev. atul. e ampl – Rio de Janeiro. Forense, 2012. p. 65
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. O poder de polícia, o desenvolvimento e a segurança nacional. Estudos e pareceres de direito público. v. II.
[3] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14ª. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 164
[4] CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. 10. ed. Coimbra: Almedina, 1986, p. 1145
[5] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14ª. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 166
[6] CARMO, Wagner J. E. Gestão ambiental na federação brasileira. Curitiba: ed. CRV, 2015, p. 46
[7] ADI n.º 1245/RS. Rel. Min. Eros Graus. Tribunal Pleno. DJU 28;08/2005, p. 6
[8] Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
§ 1o Qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia.
§ 2o Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis.
§ 3o O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.
[9] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14ª. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 172
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