O pedido de instauração do IRDR e a necessidade de protocolo de petição de informação no órgão originário

22/08/2017

Por Vinicius Silva Lemos - 22/08/2017

O CPC/2015 trouxe a novidade do incidente de resolução de demandas repetitivas ou, simplesmente – IRDR – como a aposta em como lidar com a multiplicidade de demandas desde o segundo grau de jurisdição, antecipando a discussão macro das demandas em massa para essa instância. A competência do incidente é dos Tribunais Estaduais ou Regionais – TJs ou TRFs, os quais terão a novidade de apreciar matérias com o intuito de fixar teses jurídicas vinculantes em recursos, remessa necessária ou

O conceito do incidente, nos dizeres de Abboud e Cavalcanti, passa por um “mecanismo processual coletivo proposto para uniformização e fixação de tese jurídica repetitiva” que detém o objetivo de “conferir um julgamento coletivo e abstrato sobre as questões unicamente de direito abordadas nas demandas repetitivas, viabilizando a aplicação vinculada da tese jurídica aos respectivos casos concretos[1]”.

Um instituto novo, com inspiração notadamente alemã[2], contendo como base o Musterverfahen[3], apesar de também ter influências de outras experiências[4], soando como uma real criação jurídica brasileira, com peculiaridades próprias, numa tentativa de aproximar-se da realidade brasileira.

Mesmo com a existência de didática processual dos recursos repetitivos e da repercussão geral, no âmbito dos Tribunais Superiores, a novel legislação processual, primou, sobre o IRDR, por ampliar horizontes, incluindo os Tribunais de segundo grau – chamados de apelação/revisão[5] – na sistemática de pensar e contribuir para a resolução de demandas repetitivas, aumentando o leque de órgãos com a finalidade de alcançar processualmente soluções para os litígios que se repetem no âmbito territorial, atribuindo uma eficácia processual até então inexistente, primando pela efetividade de diversos princípios processuais constitucionais, dentre eles, o da duração razoável do processo[6].

O instituto correlato, no direito alemão, foi criado com a existência de quantidade de processos bem menor e atrelado a pontos materiais específicos – num primeiro momento, somente o mercado financeiro, com determinada questão repetitiva. Já no Brasil, com a existência de milhares ou milhões de demandas com a mesma questão de direito – incidente ou meritória – e, com um Judiciário com uma jurisprudência claudicante, quase lotérica[7], o resultado é uma insegurança jurídica, com a necessidade de utilização de um incidente em caráter mais amplo, diferente do seu instituto inspirador, limitado a uma questão específica.

Nesse viés, o CPC/2015, ao criar o IRDR, teve o intuito de desde a segunda instância ter um mecanismo de controle de questões repetitivas, com uma ampliação das técnicas de resolução em julgamento por amostragem. Qualquer matéria pode ser suscitada como repetitiva e originar um IRDR, ainda em segundo grau. Portanto, houve uma inovação ao criar uma alternativa de se pensar em resolução massificada de questões idênticas em segundo grau, imbuindo mais Tribunais nessa tarefa primordial, incluindo os de segundo grau.

Para a instauração do IRDR nos Tribunais Estaduais ou Regionais, os requisitos existentes para tanto devem ser preenchidos no recurso em questão. O art. 976 dispõe sobre o cabimento do incidente, com a sua possibilidade para suscitação dos legitimados, quando identificarem uma matéria/questão de direito, que contenha efetiva repetição de processos que versem sobre aquela mencionada controvérsia, causando um possível risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, já que quanto mais processos, maior a possibilidade de decisões conflitantes e não uniformes.

Dessa maneira, o referido artigo já dimensiona os requisitos para a instauração do incidente, com a conjunção dos seguintes: questão somente de direito; multiplicidade efetiva; risco de ofensa à isonomia ou à segurança.

A legitimidade para o pedido de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, de acordo com o art. 977, tem algumas possibilidades: pelo juiz; pelo relator; pelas partes; pelo Ministério Público; e Defensoria Pública.

O instituto possibilitou, em sua criação, uma amplitude da legitimidade, permitindo o pedido de suscitação do IRDR tanto de ofício, pelo juiz de primeiro grau ou o relator – o colegiado também – em segundo grau ou, por requerimento, pelas partes, Ministério Público e Defensoria Pública, não restringindo nenhum dos atores processuais possíveis[8].

O protocolo do incidente é realizado fora do processo originário, aquele que será usado como base fática para tal análise, ou seja, é um incidente que detém procedimento próprio e desvinculado do seu processo base, ainda que a ele se interligado, com evidentes reflexos processuais.

O IRDR, portanto, é um procedimento autônomo, com uma instrumentalidade própria. A petição de requerimento é quase que uma petição inicial, com a menção das partes,

o endereçamento ao presidente do Tribunal, para a devida distribuição, a fundamentação jurídica com o preenchimento dos requisitos pertinentes ao próprio incidente e o pedido da resolução da questão repetitiva. Mesmo que seja realizado de maneira oficiosa, pelo relator, pelo colegiado ou pelo juízo de primeiro grau, deve haver um documento que inicie o incidente em paralelo, nem que seja um ofício organizacional da questão e da presença de todos os requisitos.

Tanto na forma oficiosa pelo juízo ou em requerimento, há a necessidade de instrução com documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente, para uma maior e melhor verificação pelo órgão julgador do cumprimento dos requisitos. A necessidade de melhor instrução do pedido tem como intuito uma comprovação dos requisitos para uma análise com base nestes documentos pelo órgão julgador[9].

Independe do pagamento de custas processuais.

O momento do pedido ou de ofício da instauração do incidente deve ser prévio ao julgamento do recurso[10], pelo seu fator incidental. Não há como suscitar um incidente recursal em momento posterior ao julgamento do recurso, pela própria desnecessidade de resolver a questão repetitiva, caso tal julgamento já tenha ocorrido.

A suscitação tem um ponto temporal limite em segundo grau, dada a necessidade de ser anterior ao julgamento recursal, mas, se for suscitado quando o processo estiver em primeiro grau, pode ser a qualquer momento.

Um ponto relevante sobre do instituto é, justamente, essa possibilidade do pedido ser realizado quando o processo ainda está em primeiro grau, fase em que todos os legitimados, salvo o relator, podem requerer a instauração do incidente, ampliando o cabimento para uma divergência maior do que somente entre decisões internas do Tribunal e, dessa forma, possibilitando por existências de decisões ou sentenças conflitantes de juízos em primeiro grau.

O pedido de instauração do IRDR tem endereçamento ao presidente do Tribunal de segundo grau, de modo autônomo ao processo-base para o próprio incidente. Inaugura-se, portanto, um procedimento incidental com total autonomia e, em um colegiado totalmente diverso daquele que em que o processo – recurso, remessa necessária ou competência originária – tramita.

Uma vez admitido o IRDR, com a devida decisão de afetação, todos os processos com identidade material, adstritos àquela territorialidade devem ser suspenso s, pelo fato da competência ser de Tribunal de segundo grau – Estadual ou Regional Federal – para o julgamento da tese jurídica ali invocada. Evidentemente que o processo utilizado como base para a instauração do incidente, de igual maneira, será suspenso em sua tramitação.

No entanto, o problema levantado nesse texto está em outro momento. Como vimos, o requerente do IRDR pleiteia tal instauração em órgão diverso, como o próprio ordenamento prevê e, assim, necessário indagar-se: esse processo base da suscitação do incidente pode ser julgado – do protocolo do IRDR até o julgamento da admissibilidade – ou deve ser suspenso sumariamente? A resposta legal expressa pela suspensão somente existe a partir da decisão de admissibilidade positiva, contudo aquele processo base, por ser interligado à própria existência do IRDR, não pode ser julgado a partir do protocolo do pedido de instauração do incidente. Essa é a lógica da própria natureza incidental do pleito. A preocupação necessária passa pela impossibilidade, dado o pleiteio pela instauração do incidente, do prosseguimento do julgamento do processo originário, base do IRDR. Mas, como impedir que o colegiado originário julgue o recurso, remessa necessária ou ação de competência originária, se, num primeiro momento, nem tem ciência da existência de tal requerimento protocolado em órgão diverso – o colegiado maior? Esse ponto é importante para o requerente, afinal, o IRDR deve ser proposto em momento anterior ao julgamento da demanda principal em segundo grau e, partir de tal pedido, consequentemente, não pode ocorrer tal julgamento, pelo fato do protocolo realizar estar em tramitação, com a necessidade de distribuição para o relator e análise colegiada de admissibilidade.

Há uma ausência de procedimentalidade nesse ponto, após a admissibilidade positiva, seja pela ampla divulgação, preconizada no art. 979, ou, especificadamente ao processo originário, a avocação do feito, com a transferência de competência para esse colegiado maior. Contudo, tais providências somente ocorrem em momento posterior à admissibilidade positiva e, naturalmente, impedem o órgão originário de julgar a demanda principal, uma vez que, agora, o julgamento será pelo órgão também competente para o IRDR.

O problema procedimental está no período de tempo entre o pedido de instauração e o julgamento da admissibilidade pelo colegiado, com duas consequências necessárias: a ciência do órgão originário sobre a existência do IRDR; e a impossibilidade do julgamento da demanda principal.

Com o protocolo do IRDR, direcionado ao presidente do Tribunal, e, posteriormente, remetido ao colegiado competente para a formação de precedente, o órgão originário deve ser cientificado de tal ato e, para isso, seria possível duas hipóteses: protocolo de uma petição de informação pelo requerente; ou expedição de ofício pela Presidência do Tribunal. Qualquer dos atos processuais sugeridos satisfaria a ciência do órgão originário e, consequentemente, impediria o julgamento da demanda principal. O ideal seria cada Tribunal adotar, regimentalmente, a necessidade de expedição de ofício ao órgão em que tramita a tal demanda, com o intuito de cientificar da existência do IRDR, impossibilitando qualquer julgamento meritório nesse intermédio temporal até a admissibilidade do incidente.

Entretanto, sem previsão legal, tampouco regimental, pertinente que o requerente realize o protocolo de petição de informação – tal qual no agravo de instrumento, mas sem as sanções dali existentes – do IRDR, com o claro intuito de cientificar o colegiado e impedir qualquer julgamento meritório em sua demanda. Tal ato é uma obrigação do requerente? Evidentemente que não. Afinal, por tratar-se de uma construção procedimental, não há como entender que haja uma obrigatoriedade, porém sem tal informação, o requerente correrá o risco de sua demanda ser pautada para o julgamento do recurso, remessa necessária ou competência originária, o que imputar-se-á, a partir desse momento, a necessidade de tal comunicação.

E, ainda, caso haja o julgamento dessa demanda principal, tal ato judicante, pela existência do IRDR, é nulo, contudo para se chegar nessa conclusão de nulidade, o interessado deverá interpor embargos de declaração, com a explicação da existência de pedido de instauração do incidente. Toda essa sucessão de atos – julgamento, recurso, decisão anulatória – na demanda principal são desnecessários e, plenamente, evitáveis, via uma petição de informação.

Uma pergunta é pertinente para tal questão: esse possível julgamento é realmente nulo? O IRDR é um incidente processual no Tribunal e, comparando-o com outros incidentes recursais, como o incidente de assunção de competência – IAC – e o incidente de arguição de inconstitucionalidade, uma vez suscitados, o mérito daquela demanda principal não pode ser julgado, com a necessidade de suspensão do julgamento principal para o enfrentamento da questão incidental.

No entanto, o IRDR é, procedimentalmente, diferente dos demais, pelo fato que os outros incidentes são suscitados no mesmo órgão competente para o julgamento meritório. Como o IRDR é protocolado diretamente para o presidente do Tribunal, o órgão originário não tem a ciência, mas a lógica processual da existência de um incidente processual impõe a mesma necessidade a esse incidente, que a simples suscitação impede o julgamento meritório, como entendemos.

Desse modo, o requerente, ao protocolar o pedido de instauração do IRDR, deve peticionar ao órgão originário de sua demanda, com a informação da existência de tal pedido, funcionando esse ato como uma cooperação dessa parte para o processo, seja para seu próprio benefício – não ver a existência de um julgamento desnecessário e nulo, quanto para a procedimentalidade como um todo, pelo fato de impedir a realização de atos desnecessários.

Não há forma para tal petição, tampouco prazo, dada a sua inexistência no ordenamento, contudo pertinente que o requerente realize tão logo protocole o IRDR, pelo risco de uma tramitação desnecessária da demanda principal. E, por outro lado, ao receber tal petição, o relator, no órgão originário, deve suspender a tramitação, sem incluir em julgamento e, se pautado, retirar da pauta da sessão.


Notas e Referências:

[1] ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório. Revista de Processo | vol. 240 | Fev/ 2015. p. 222.

[2] O instituto teve como inspiração um paralelo estrangeiro, o procedimento denominado de musterverfahren, oriundo do direito germânico, um procedimento de julgamento de processo-modelo, no “qual se elege uma “causa piloto” onde serão decididos determinados aspectos gerais e comuns a diversos casos já existentes, sendo que a solução encontrada será adotada por todas as ações pendentes sobre o mesmo tema.” AMARAL, Guilherme Rizzo. Efetividade, segurança, massificação e a proposta de um “incidente de resolução de demandas repetitivas”. Revista do Processo. ano 36. volume 196, junho/2011. p. 255/256.

[3] A utilização no direito alemão serviu como base para a criação desta novidade legislativa do Código de 2015. Foi instituída, na Alemanha, no ano de 2005, para a resolução de demandas específicas para o mercado de capitais, com um intuito bem delimitado e com aplicabilidade experimental: “Foi concebida, de início, como um instrumento restrito aos litígios no campo do mercado de capitais, sendo proposta como lei experimental, destinada a perder sua eficácia com o exaurimento do prazo de cinco anos (em novembro de 2010, portanto). Antes disso, porém, a técnica foi incorporada ao ZPO (Zivilprozessordnung). Técnica similar foi ampliada em 2008 na Alemanha quando da ocorrência de mais de 20 casos idênticos envolvendo a assistência e previdência social (Sozialgerichtsgesetz).” “1) eleição da causa representante; 2) processamento da  demanda  perante o tribunal, com realização de audiências, produção de provas, e decisão resolvendo as questões de fato e de direito envolvidas na controvérsia; 3) julgamento posterior de todas as outras causas, sobrestadas em primeira instância, que serão decididas com base na decisão modelo prolatada pelo tribunal estadual.” NUNES, Dierle. O IRDR do Novo CPC: este “estranho” que merece ser compreendido. http://justificando.com/2015/02/18/o-irdr-novo-cpc-este-estranho-que- merecesercompreendido.

[4] Comentário do autor: o Group Litigation Order GLO do direito inglês e o agrupamento de ações do direito português.

[5] Comentário do autor: mudando de certa maneira, a própria função destas cortes, retirando a mera verificação da revisão, para passar a formar precedentes, o que necessita uma outra visão, uma outra amplitude judicante.

[6] “O incidente de resolução de demandas repetitivas, técnica processual destinada a contingenciar litígios seriados, assenta-se em três pilares principais, quais sejam: o princípio constitucional da isonomia, que exige tratamento uniforme dos litígios isomórficos, a segurança jurídica, estampada na previsibilidade e uniformidade das decisões judicias e, por fim, a prestação jurisdicional em tempo razoável. Tais princípios, além de nortearem todo o ordenamento jurídico processual (como se infere, dentre outros, dos artigos 1o a 12o do CPC), são a base constitucional do incidente ora analisado.” MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; TEMER, Sofia. O Incidente de resolução de demandas repetitivas do novo código de processo civil. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.6 - Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Editora JusPodivm, Salvador, 2015. p. 230

[7] “A ideia da jurisprudência lotérica se insere justamente nesse contexto; isto é, quando a mesma questão jurídica é julgada por duas ou mais maneiras diferentes. Assim, se a parte tiver a sorte de a causa ser distribuída a determinado Juiz, que tenha entendimento favorável da matéria jurídica envolvida, obtém a tutela jurisdicional; caso contrário, a decisão não lhe reconhece o direito pleiteado.” CAMBI, Eduardo. Jurisprudência Lotérica. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, ano 90, v. 786, abr. 2001. p. 111

[8] Enunciado n.º 204 do FPPC: Quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, poderá o juiz oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e os demais legitimados a que se refere o art. 977, inc. III, para que, querendo, ofereça o incidente de resolução de demandas repetitivas, desde que atendidos os seus respectivos requisitos.

[9] Enunciado n.º 202 do FPPC: O órgão colegiado a que se refere o § 1º do art. 947 deve atender aos mesmos requisitos previstos pelo art. 978.

[10] Enunciado n.º 89 do FPPC: Havendo apresentação de mais de um pedido de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas perante o mesmo tribunal todos deverão ser apensados e processados conjuntamente; os que forem oferecidos posteriormente à decisão de admissão serão apensados e sobrestados, cabendo ao órgão julgador considerar as razões neles apresentadas.


Vinicius Silva Lemos. Vinicius Silva Lemos é Advogado. Doutorando em Processo pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor da FARO e UNIRON. Membro da ANNEP, ABDPRO, CEAPRO e IBDP. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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