O papel do judiciário ante a tempestade - Por Victor B. Gonçalves

09/12/2017

Nota-se ausência de luz em terrae brasilis. Em época de alterações problemáticas no ordenamento jurídico, tais quais na Lei Maria da Penha, a mudança do conceito de trabalho escravo, e, ainda, a entrada em vigor da Reforma Trabalhista. Relativizaçao e flexibilização de direitos fundamentais em prol do discurso econômico, ora, sem novidades.

Direito e Economia cruzam-se com veemência neste lúgubre período, recentemente, sempre com prevalência da figura do mercado, visando uma aceleração do Judiciário, bem como um discurso de imprescindível recuperação da veículada crise econômica. Não se nega aqui a importância de tal recuperação, contudo, indaga-se o modo que se opera.

Nesta toada, há uma troca de bases, isto é, o princípio de Estado perde seu lugar para o princípio de mercado. Assim, os objetivos primordiais insculpidos no artigo 3º, da Carta Magna, são novamente deixados de lado, como sempre foram, em decorrência do mesmo discurso. Conquistas sociais, destacadas nos artigos 5º, 6º e 7º, da Constituição Federal, permanecem sendo tão somente palavras.

É labor do Estado maximizar, adotar medidas positivas, garantir e proteger de forma efetiva a fruição de direitos fundamentais, em suma, deve cumprir com seu dever geral de zelo e não relativizar imprescindíveis conquistas.[1] Contudo, essa questão sempre obteve um caráter penoso, em razão da obsessão da mão direita do Estado com suas finalidades principais, esquecendo-se do outro lado, conforme já denunciava Pierre Bourdieu. [2]

Incontroversa a situação do país, com 13,1 milhões de pessoas desempregadas[3] e uma notória desigualdade social,[4] figurando entre os dez mais desiguais do mundo, consoante Relatório de Desenvolvimento Humano, elaborado pelas Nações Unidas. Assim, indaga-se se é por intermédio da flexibilização de direitos fundamentias o caminho a seguir, sendo esses já ineficazes em terrae brasilis.

Pode-se encontrar a fonte disso na violência estrutural presente indubitavelmente no Estado. Tal forma de violência não é praticada por um agente concreto, mas sim gerada pela própria estrutura social. Ainda, é caracterizada omissivamente ante a ausência de proteção e garantia de direitos e necessidades fundamentais, deste modo, proporcionando evidente exclusão social. Consoante supracitado, rotas seguidas para superar o flagelo esquecem de abordar consequencias do dumping social[5], gerando precariedade, generalização de insegurança, acentuação da desigualdade, segregação, desamparo de instituições públicas e criminalidade.

Em tempos como este, faz-se necessário evitar togados que lembrem Eichmann e exercer efetivamente a jurisdição constitucional. Explico. A metáfora é inspirada em Hannah Arendt, a filósofa percebeu que o oficial nazista era mero cumpridor de ordens, não possuindo compromisso reflexivo com o que definitivamente estava fazendo, em suma, era um indivíduo alienado, seguindo a lógica de seu período.[6]

Depreende-se que, no momento, é fundamental um juiz reflexivo, arraigado em elevar os valores constitucionais, isto é, que não fique fixado em teses formais, configurando um mero cumpridor de ordens. É utópico pensar de modo procedimentalista, vez que passado quase três décadas da promulgação da Constituição Cidadã, longe está de ser plenamente cumprido o catálogo de direitos fundamentais.[7]

O Judiciário não pode estar ligado a lógica econômica, deve estar ligado ao cumprimento de valores, proporcionando os verdadeiros ideais da Carta Magna. Não fosse assim, seria presente a insensibilidade e a ausência de valoração dos direitos fundamentais.

Reitera-se, é inegável a necessária recuperação econômica, problematizando-se aqui somente o modo como aquela opera-se e como sempre operou-se. É preocupante o esquecimento de inúmeras conquistas sociais, sendo assim, os togados brasileiros devem desgrudar-se do caráter Eichmann e assumirem seus verdadeiros papéis na sociedade.

O caminho a ser seguido poderia ser outro, entretanto, em uma sociedade na qual prevalece o ódio entre partes adversas, não parece tão próximo a construção dessa jornada. Em terrae brasilis, deveria haver menos ódio e mais diálogo.

 

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah, Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, Cia das Letras, São Paulo, 1999;

BOURDIEU, Pierre, Contrafogos, Trad. Lucy Magalhães, Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1998;

SARLET, Info Wolfgang, A eficácia dos Direitos Fundamentais, 10ª ed, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2011;

STRECK, Lenio Luiz, Verdade e Consenso, Lumen Juris, 3ªed, Rio de Janeiro, 2009;

WACQUANT, Loïc, As prisões da miséria, Trad. André Telles, Jorge Zahar, 2001, Rio de Janeiro;

Disponível em: http://www.brasil.gov.br. Acesso em 25 de novembro de 2017;

Disponível em: https://www.oglobo.globo.com/economia/brasil-o-10-pais-mais-desigual-do-mundo-21094828. Acesso em 25 de novembro de 2017. 

 

[1] SARLET, Info Wolfgang, A eficácia dos Direitos Fundamentais, 10ª ed, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2011, p. 190.

[2] BOURDIEU, Pierre, Contrafogos, Trad. Lucy Magalhães, Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1998, p. 10.

[3] Disponível em: http://www.brasil.gov.br. Acesso em 25 de novembro de 2017.

[4] Disponível em: https://www.oglobo.globo.com/economia/brasil-o-10-pais-mais-desigual-do-mundo-21094828. Acesso em 25 de novembro de 2017.

[5] WACQUANT, Loïc, As prisões da miséria, Trad. André Telles, Jorge Zahar, 2001, Rio de Janeiro, p. 77.

[6] ARENDT, Hannah, Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, Cia das Letras, São Paulo, 1999.

[7] Conferir em STRECK, Lenio Luiz, Verdade e Consenso, Lumen Juris, 3ªed, Rio de Janeiro, 2009, p. 26.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Storm Brewing At St Marys Lighthouse // Foto de: Graeme Darbyshire // Sem alterações

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