O papel do intangível no salvamento do negócio e o acervo técnico das Construtoras

03/08/2016

Por Charles M. Machado – 03/08/2016

A Operação Lava-jato, proporcionou um verdadeiro Tsunami das grandes empreiteiras brasileiras, e logo assistimos de forma acentuada o derretimento dos inúmeros ativos dessas empresas que sempre estiveram entre as maiores do Brasil.

Por isso em que pese os objetivos das ações penais, dessa tão propalada operação, o foco desse artigo é aprofundar um pouco mais sobre o maior ativo dessas empresas, seu acervo técnico que por conta da crise vem derretendo dia após dia.

Se é um ativo qual então seria o tratamento jurídico desse ativo, logo destacamos alguns pontos, que ativo seria o acervo técnico evidenciado pelas ARTs?

I – A noção de “bem”, como objeto do direito na Doutrina

Mas afinal o que são bens?

A resposta a esta pergunta é a síntese das premissas a seguir traçadas para o deslinde da questão central desta análise, qual seja, poderá o acervo técnico, representado pelas ART´s em anexo, constar como um ativo no balanço patrimonial da pessoa jurídica, representando assim, valor expresso em moeda corrente?

No entender de Ulpiano, jurista romano, bem era aquilo capaz de satisfazer um desejo: “bona ex eo dicuntor quod beant, hoc est beatus faciunt” (fr. . 49 D verb. . sing. . L. . 16).

Por outro lado, a noção tradicional da Economia 1 define como “bem” o objeto capaz de satisfazer uma necessidade humana, sendo disponível e escasso; para o jurista, “bem” é o objeto de um direito.

É de se notar que nem todos os bens jurídicos serão bens econômicos, pois os há de caráter apatrimonial, como as relações de família puras e a cidadania.  Noção próxima de bem é coisa, que boa parte da doutrina considera sinônimo, porém é mais correto reservar a palavra coisa para os “elementos destacáveis da matéria circundante” 2.

De outro lado, nem todas as coisas são bens, por serem incapazes de satisfazer um desejo ou uma necessidade humana; como há coisas capazes de satisfazer desejo ou necessidade, mas que não são disponíveis nem escassos (como o ar), têm-se tanto coisas que não são bens econômicos como bens jurídicos patrimoniais que não são coisas.

São as coisas que, simultaneamente, são bens jurídicos patrimoniais que se tornam objeto dos direitos reais, inclusive da propriedade, na acepção tradicional, romanística.

II - O bem intangível 

O que são bens intangíveis? A tradição estóica (Zenão), classificava como coisas corpóreas todos os objetos apreensíveis pelos sentidos; assim, Lucrécio, descrevendo a sensação do vento na corpo, comenta que “na natureza também existem corpos invisíveis”.  

A doutrina jurídica do período clássico, porém, adotou o entendimento platônico, de que coisa é o objeto tangível:  

    corporales heao sunt quae sui natura tangi possunt, veluti fundus, homo, vestis, aurum, argentum, et denique alia res inumerabiles. . Incorporales autem sunt quae tangi non possunt, quales sunt ea, quod in jure consistunt (Gaio Inst. . II Pars. . 12/14).

A distinção de Cícero, jurista romano ao qual nossa doutrina e legislação são fiéis seguidores, é igualmente interessante: há coisas que existem (quae sunte outras que se concebem (quae intelleguntur) 3 

Neste sentido, Blackstone viria a definir bens corpóreos como os objetos:  

“as affects the senses, such as can be seen and handed by the body”

Incorpóreos, por sua vez, seriam:

“creatures of the mind and exist only in contemplation” 4.

Curiosamente, o Direito Romano considera como bem corpóreo a propriedade, plena in re potestas, tão intrínseco era o direito no interior da coisa.  

Seriam intangíveis, por outro lado, o usucapião, a tutela, o usufruto, e as obrigações; como se vê, também são incluídos na relação bens intangíveis de caráter não inteiramente patrimonial, como a tutela. 

Clóvis Bevilacqua tinha, como bem jurídico intangível, a ação humana objeto do direito de crédito. 

Atualmente, subsistem pouquíssimas controvérsias sobre a possibilidade de se considerar um direito como sendo um bem jurídico. Argumenta-se, que o valor econômico de um direito é diverso do seu objeto, como se percebe facilmente ao avaliar-se um crédito diferido ou inseguro.  

A par dos direitos, do trabalho humano e da energia, costuma-se falar de “bens imateriais” em relação às criações do espírito humano, as obras artísticas, científicas, literárias, ou os produtos da inventiva industrial 5 

Depurando-se, pois, o conceito de acervo técnico, tem-se que:

 “considera-se Acervo Técnico do profissional toda a experiência por ele adquirida ao longo de sua vida profissional, compatível com as suas atribuições, desde que anotada a respectiva responsabilidade técnica nos Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia”. 

Pouco a pouco, como se vê, consegue-se vislumbrar que Acervo Técnico, portanto, é bem, da espécie de bem intangível. Resta agora, fundamentar a possibilidade jurídica de atribuir-lhe valor. 

III – A noção de bem no novo Código Civil

Hoje, a norma está incorporada ao art. 611 do Código Civil de 1916 (Art. 1. .269 do Código de 2002), segundo o qual  

"aquele que, trabalhando em matéria prima, obtiver espécie nova, desta será proprietário se a matéria era sua, ainda que só em parte, e não puder restituir à forma anterior”.  

O ponto crucial para entender o tratamento da especificação no direito civil está no art.  1. 270 do Código Civil de 2002, no que diz que:

 “em qualquer caso, inclusive o da pintura em relação à tela, da escultura, escritura e outro qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima, a espécie nova será do especificador, se o seu valor exceder consideravelmente o da matéria-prima”.

Analogicamente ao caso, uma vez que a norma descrita menciona os conceitos de trabalho, matéria prima, e espécie nova – a entender-se que as instalações de fios postes, e outros materiais de uso, transformando estes materiais em verdadeiras obras, conforme fotos em anexo – tem-se que a especificação a que se refere o novo código, pode ser aplicável ao caso, mesmo que, sabiamente, não tenha o legislador enfatizado que tal valor deva ser econômico, ainda que provavelmente o seja na maioria das hipóteses.

Tal regra explica, ao nível elementar das relações de direito privado, como se dá a criação e a apropriação do bem imaterial.

Seja essa matéria prima física ou já imaterial (a cultura, ou uma obra preexistente, ou o estado da técnica), é a adição de valor resultante de um trabalho do criador que constitui a obra ou invento.

A fim de explicitar o raciocínio sobre questão da imaterialidade do objeto do direito intelectual – acervo técnico – foi objeto de uma curiosa e importante decisão judicial do estado da Califórnia, tendo como autor da ação um antigo paciente do titular de uma patente no campo da biologia celular, que reivindicava direitos sobre o privilégio ou sobre seus resultados pelo fato de que as células sobre as quais versava a patente terem sido retiradas de seu corpo.

O tribunal recusou-se a conceder a reivindicação, notando que a patente resultava do esforço inventivo, e não da matéria prima, que não seria, de forma alguma, invenção 6, ou seja, é a invenção, o raciocínio intelectivo criador, ou executor da invenção, que recebe a atribuição de valor.  

Disse a Suprema Corte da Califórnia: 

“Finally, the subject matter of the Regents’ patent—the patented cell line and the products derived from it—cannot be Moore’s property. . This is because the patented cell line is both factually and legally distinct from the cells taken from Moore’s body. . Federal law permits the patenting of organisms that represent the product of "human ingenuity," but not naturally occurring organisms. . Human cell lines are patentable because "[l]ong-term adaptation and growth of human tissues and cells in culture is difficult—often considered an art…," and the probability of success is low. . It is this inventive effort that patent law rewards, not the discovery of naturally occurring raw materials.  Thus, Moore’s allegations that he owns the cell line and the products derived from it are inconsistent with the patent, which constitutes an authoritative determination that the cell line is the product of invention. 7

A noção empírica de imaterialidade ingressa no campo do Direito, em particular no que toca à Propriedade Imaterial, quando se constata que a diferença entre a coisa - livro, células, máquinas, acervo técnico - e o objeto do Direito está que este se constitui numa regra de reprodução 

Irrestrita sua aplicação como regra, a criação imaterial não tem, intrinsecamente, a escassez necessária para transformar um bem em bem econômico.  

Para que se mantenha a produção intelectual como atividade racional de produção econômica, é preciso dotá-la de economicidade, através de uma escassez artificial. 

A transformação desta regra de aplicação ilimitada, num bem econômico, se dá pela atribuição de uma exclusividade de Direito 8.   

Intangível por ser incorpóreo, ou por consistir apenas na concepção, o bem só se torna econômico, e por isso, objeto potencial de uma propriedade, quando satisfaz o requisito essencial de escassez e disponibilidade 

Assim, a Propriedade Intelectual só se exerce sobre um objeto imaterial específico. Não é a simples intangibilidade filosófica, ou a impossibilidade de tocar com as mãos, que o caracteriza.  

Numa economia concorrencial, tal objeto é uma criação estética, um investimento em imagem, ou uma solução técnica que consiste, em todos os casos, numa oportunidade de haver receita pela exploração de uma atividade empresarial 9.  Ou, como queria Vivante, a expectativa de lucros futuros 10 

Um exemplo do Direito Americano ilustra a geração da consciência jurídica sobre este particular objeto de tutela jurídica.  

Uma importantíssima lide foi trazida à Suprema Corte Americana em 1876 11 

“os proprietários dos armazéns de cereais do Estado de lllinois haviam recorrido à cúpula do poder judiciário dos Estados Unidos, questionando o direito de um governo estadual regular os preços de seus produtos.  

As autoridades estaduais afirmavam que, pelo poder de mercado que os armazenadores tinham, os consumidores se viam obrigados a adquirir os cereais, bens de primeira necessidade, a qualquer preço imposto.”  

O caso, como nota John Commons 12 

“se revestia de uma importância especial, em vista do princípio legal, no sistema anglo-americano então vigente, de que o Estado só podia regular a atividade econômica exercida sob concessão.  

Uma estrada, uma ponte, a exploração de uma via navegável podiam ter pedágios ou prazos de utilização limitados pela autoridade, por serem naturalmente bens públicos, concedidos à exploração privada; mas o comércio de cereais jamais fora atividade pública. 

A Corte terminou por concluir que o controle do preço dos grãos distribuídos ao público em geral implicava num poder de fato, detido por particulares, e incidente sob a esfera jurídica de terceiros.  

O estado tinha pois o dever de regular os preços excessivos, segundo o pensamento de Hegel - aliás presente nas ponderações dos juízes.”  

Esta foi a primeira vez, diz Commons, que surge no Direito Americano a consciência do poder econômico do empresário capitalista. Esta nova soberania, paralela e similar à do Estado, consistia no poder de negar, a quem necessitava, os bens econômicos que o empresário puder produzir ou vender.  

No caso de Illinois, os armazenadores se recusavam a suprir os bens necessários ao consumo do público, a não ser por um preço determinado, desproporcionado ao custo somado a uma margem razoável de lucratividade. 

A atuação da autoridade estatal, julgada constitucional pelo Supremo, tinha o propósito de controlar tal poder econômico, sob a lógica de uma justiça distributiva.  

Mas a solução do caso extravasava o simples sui cuique tribuere: o que se percebia era a emergência de uma soberania nova, e sua confrontação com o poder estatal clássica.  

Não é simples coincidência o fato de que a elaboração judicial destas novas relações de soberania foi contemporânea à modificação jurisprudencial que, nos Estados Unidos, sofreu o conceito de propriedade 

O direito anterior entendia a propriedade como uma liberdade de fruir, de gozar e de dispor ao abrigo da lei; o nódulo da propriedade, porém, era a facilidade de usufruir do bem que lhe era objeto.  

Commons historia a geração do novo conceito através de uma série de julgados sucessivos da Suprema Corte do fim do séc. XIX. Em 1884, apenas a minoria da corte entendeu, no caso dos matadouros da Cidade de St. Louis 13, que haveria infração do princípio constitucional de respeito à propriedade privada na proibição de um empresário exercer um ramo de comércio. 

Ainda, na esteira dos exemplos, a mesma corte julgou a expropriação (parcial) em relação a concessão de linhas férreas, no sentido de não recair sobre o valor de uso dos bens das ferrovias, mas sobre sua capacidade de haver receita, nos limites extremos do mercado.  

As empresas não podiam mais elevar seus preços até o limite em que os seus clientes tivessem que renunciar a seus serviços; a diferença entre a tarifa (limite jurídico) e o máximo do preço (limite econômico) havia sido desapropriado - sem compensação.  

Claramente, havia aí uma propriedade intangível, imaterial, que consistia na capacidade de haver receita na exploração de uma atividade econômica. 

Afirma-se que tais exemplos, foram o gérmen da doutrina hoje dominante da possibilidade da valoração de bens imateriais, tais como o já mencionado acervo técnico ora posto sob o crivo de nossos avaliadores. Contudo, tal gérmen fora o resultado da evolução do regime econômico de capitalismo, ao qual a Constituição Federal da República Federativa Brasileira elegeu como regime de mercado para o nosso país. 

A noção de que se deva dar proteção jurídica à oportunidade de obter receita futura com uma atividade empresarial, embora de aparência nova, foi reconhecida em Direito, há séculos, no início do capitalismo europeu. 

A sensibilidade jurídica para a existência de tal valor, aliás, data de bem antes, como o demonstra a instituição de monopólios pelo Estado romano 14. Mas se pode, com cada razão, tomar o jus intraturae das cidades italianas do quatrocento como um dos marcos históricos da criação de um direito próprio da economia capitalista. 

O artesão ou mercador que tomava em aluguel sua oficina ou loja e criava uma clientela centrada no local de seu comércio ou indústria, adquiria o direito de haver do proprietário do imóvel, que o intentasse despejar, um pagamento pela valorização do ponto. O ius intraturae era exatamente o reconhecimento de que o valor dos lucros razoavelmente esperados pelo exercício da atividade empresarial deveria ser somado ao do imóvel locado, constituindo a parte não tangível da propriedade 15 

Ora, tal “propriedade sobre o valor de troca”, como o quer Commons 16, é algo da experiência cotidiana, pedestre, de qualquer advogado forense.

O cálculo do valor de um fundo de comércio, no caso de denegação de renovatória ou da apuração de haveres, não é outra coisa senão o reconhecimento fático da existência de um valor intangível, somado ao das coisas físicas, a que o direito assegura proteção.

As várias formas de calcular o valor do fundo de comércio levam em conta o lucro médio apurado pela empresa nos exercícios mais recentes, projetando tal taxa para os exercícios futuros e capitalizando o montante para obter o valor atual da expectativa razoável do lucro futuro 17. O equivalente jurídico da organização empresarial, do aviamento dos intangíveis da empresa, é assim quantificado e definido como a renditibilidade da empresa, ao qual, obviamente, pode-se destacar o Acervo Técnico como um de seus principais integrantes.  

Esta capacidade de obter reditos resulta, seja da localização do estabelecimento, seja da qualidade dos seus produtos ou serviços, ou da eficácia da veiculação publicitária; é aquilo capaz de captar, entre os concorrentes igualmente disputando o mesmo mercado, a boa vontade da clientela e, para finalizar a linha de exemplos, a confiança dos tomadores de serviço de instalação de luz elétrica 

Ora, o que é isso na linguagem contábil e econômica? É o goodwill do direito anglo-saxão, ou o fundo de comércio na versão latina 18, ou, mais especificamente, é a proteção à riqueza, e, ainda, a formadora de riqueza, que é o conhecimento técnico, leia-se experiência, de uma pessoa em realizar projetos de engenharia. 

Mas a renditibilidade resulta, também, do exercício do poder econômico. Um local é bom ou ruim para a clientela em razão do custo da alternativa de se valer de outro fornecedor, e poder de negar-se a fornecer é equivalente a este custo alternativo; o mesmo ocorre com vantagem qualitativa, real ou induzida publicitariamente.  

IV – A coisa e a oportunidade 

A relação jurídica entre o empresário e sua clientela, mantida basicamente em relação mútua de confiança técnica, a oportunidade comercial, é de natureza similar a que tem o lavrador em relação a um trato de terra, ou do acionista e sua participação societária; é a faculdade de fruir dos resultados eventuais 19 

O empresário tem, ademais, como o lavrador, um poder jurídico de exigir que o resto do mundo se abstenha de perturbar indevidamente o aproveitamento da oportunidade comercial obtida; é a contrapartida da liberdade de exercer a atividade empresarial, direito este assegurado pelo artigo 170 da Constituição Brasileira de 1988. 

A razão das leis de repressão à concorrência desleal é exatamente proteger a atividade empresarial na exploração da oportunidade de clientela. Tais leis, muitas vezes, definem um rol mínimo de ações típicas que lesam a liberdade de um competidor aproveitar-se da oportunidade comercial, tais como o denigra mento deste, de seus produtos ou serviços, ou atos que confundam um empresário com um competidor e os produtos ou serviços de um com os do outro. Em outras palavras, limitar o direito de atribuição de valor ao acervo técnico ora analisado significa achincalhar o mandamento constitucional acima mencionado. 

Mas a grande maioria (inclusive a lei brasileira) deixa em aberto a caracterização de tais ações, outras que as integrantes do tipo penal, proibindo em geral aquelas que falseiem a concorrência, em prejuízo de um determinado competidor.  

A similitude entre o lavrador e o empresário consiste apenas no fato de que ambos exercem faculdades de fundo econômico, sob a tutela de poderes jurídicos absolutos, ou seja, voltados contra todos, indiscriminadamente, como um dever de abstenção.  

Distinguem-se propriedade do lavrador e a posição do empresário, pois aquele direito real se exerce em relação a um objeto uno e único, que naturalmente induz a um direito exclusivo: como regra geral, a propriedade de um exclui outra da mesma natureza ou grau.  

Com efeito, é possível várias pessoas exercerem a mesma atividade perante o mesmo mercado; é esta, aliás, a regra - a racionalidade ostensiva do sistema capitalista exige que os direitos absolutos exclusivos sobre as coisas tangíveis tenham o contraponto dos direitos absolutos não exclusivos sobre o mercado - ou, mais precisamente, de uns poderes absolutos, não exclusivos, sobre os demais participantes, atuais ou potenciais, da concorrência.  

É, talvez, o sistema de checks and balances que moderaria o exercício do poder econômico e refrearia um pouco a sua acumulação.  

Observando-se mais atentamente, constata-se que, pelo menos nos sistemas em que, como no brasileiro, existe legislação especial de concorrência desleal, o poder absoluto de que cada empresário dispõe contra seus concorrentes tem matizes diversas daquele poder universal, negativo, que cada um exerce para assegurar sua liberdade econômica.  

O outro lado da moeda se dá na versão de que o empresário necessita, através de meios legais, destacar-se desta concorrência. A forma mais contundente é evidenciar as obras realizadas ao longo do tempo, materializando-as através de seu acervo técnico. 

O acervo técnico, portanto, é demonstrado e comprovado pela documentação que reconhece a execução e a experiência em obras técnicas, por órgão capacitado para o aferimento, constituindo prova inequívoca da existência do Know how.

V – A Proteção ao Acervo

Nesse instante, de crise, as pessoas arroladas no processo sofrem deteriorações patrimoniais das mais diversas, tanto aos cofres quanto a imagem, e a profundidade do dano pode bem ser mensurada pelo resultado contábil das empresas envolvidas.

Atestados de inidoneidade, suspensão de pagamentos, penhora de bens e faturamentos, devolução de valores, proibição de novas contratações, rebaixamento da nota de crédito, criam um estado de sufocamento das empresas levando as mesmas a uma drástica e veloz alteração societária, quando não culmina com o seu pedido de Recuperação Judicial.

Nesse instante os ativos da empresa se esvaem numa velocidade maior do que apuração dos fatos e a busca da verdade, e o prejuízo bate as portas das empresas bem mais rápido do que as decisões finais.

As Leis 11.638/07 e 12.973/14 criaram um novo marco para o Direito, notadamente para o Direito Contábil, com a adoção do padrão internacional de contabilidade (IFRS) como marco regulatório do direito contábil no Brasil, que não transformou apenas a contabilidade, mas também a cultura jurídica brasileira. O conflito entre a tradição do “common law”, onde são forjadas as normas jurídico contábeis, e a tradição do “civil law”, ainda prevalecente na prática do direito no Brasil, não deve provocar a supremacia de uma dessas tradições; ao contrário, esse conflito tende a gerar um “tertium genus”. Sendo assim, os profissionais que atuam em algum dos ramos do direito ligados à empresa e à prática empresarial deverão se adaptar a essa nova realidade jurídica.

No que diz respeito ao direito tributário (um desses ramos do direito ligado à atividade empresarial), sua aplicação já vem sofrendo um movimento de 180 graus. A forte influência da legislação tributária sobre a prática contábil, que durou mais de 30 anos, não só arrefeceu como inverteu o sentido do vetor. Ou seja, a legislação comercial, no âmbito do atual marco regulatório contábil (IFRS), passa, efetivamente, a delimitar os conceitos jurídicos que serão utilizados pela legislação tributária.

A proteção do ativo intangível das empresas envolvidas na operação lava-jato, se deteriora com o avançar da operação e das diversas conexões patrimonias, identificar e salvar por operações societárias esses valores é fundamental.

Logo é fundamental que essas empresas, assim como todas as prestadoras de serviços aos setores públicos da economia tem isso claro, e principalmente avaliado, devidamente reconhecido e lançado. Para melhor demonstrar a realidade patrimonial, no que diz respeito à qualificação econômica e financeira, além de atender aos dispositivos contidos no § 1 do art. 30 da Lei 8.666 de 21/06/93, (Lei de Licitações). Existe a necessidade de se escriturar e identificar, no Demonstrativo de Posições Financeira (antigo balanço patrimonial), em que se identifica a contabilização no grupo de ativos intangíveis da empresa, os valores relativos ao acervo técnico, pois este diz respeito à qualificação econômico-financeira, destacamos aqui o trabalho de do Prof. Msc. Wilson Alberto Zappa Hoog, www.zappahoog.com.br.

“Reforçamos nesse texto que todos os acervos técnicos devem compor o fundo de comércio em decorrência da sua utilidade para o exercício da empresa, e devem ser avaliadas pela métrica contabilística adequada, a sua mensuração, ou seja: pelo método holístico.”

Os acervos técnicos representam uma configuração de bens intangíveis. São os documentos que comprovam toda a experiência adquirida por uma célula social ao longo do exercício de sua atividade. Visa, entre vários fatores, demonstrar a realidade patrimonial, atender aos dispositivos contidos no § 1 do art. 30 da Lei 8.666, de 21/06/93, (Lei de Licitações).(apud)

A transferência de acervos técnicos entre sociedades empresárias ocorre mediante contrato de transferência de tecnologia ou assistência técnica, ou em operações de trespasse do estabelecimento empresarial; pode ser também em operações societárias, tais como: fusão, cisão ou incorporação. Não serão aceitas as inclusões no acervo técnico, de atividades que sejam condizentes com o objeto social das células sociais. O próprio Código Civil em seu artigo 83, III, faz previsão a esses ativos, no conjunto de direitos pessoais de caráter patrimonial.

O acervo técnico contempla também os programas de educação continuada de técnicos, e o domínio de tecnologias de ponta ou conhecimentos avançados sobre algumas das formas de conhecimento humano, tais como: a medicina, a física, a biologia, o direito, a contabilidade e os vários ramos da engenharia a ela relacionadas.

Os acervos técnicos estão entre os ativos mais importantes de uma empresa, por serem fundamentais no exercício do negócio. A sua ausência implica a impossibilidade de se habilitar a uma licitação: vide inciso II, do art. 27, da Lei 8.666/93. Cabe esclarecer que à luz da teoria pura da contabilidade, para efeitos do inciso III do referido artigo, temos a necessidade de escriturar tal ativo no Demonstrativo de Posição Financeira, especificamente como ativo não circulante, pois este diz respeito à qualificação econômico-financeira, logo, presente na fase do procedimento licitatório, a ser aferido nos moldes do art. 27 da referida lei. Estes acervos técnicos inclusos no Balanço Patrimonial se fazem necessários para fins de se ter a revelação da verdade formal sobre a qualificação econômico-financeira.

Todos os acervos técnicos compõem o fundo de comércio em decorrência da sua utilidade para o exercício da empresa e devem ser avaliados, pela métrica contabilística adequada, pela mensuração do fundo de comércio.

Logo constitui-se em bens previstos no Artigo 87 do Código Civil, podendo inclusive fazer parte do capital social da empresa, nos termos do artigo 981 do Código Civil.

O acervo técnico e sua escrituração são tão vitais que a contratação de serviços técnicos de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, torna inexigível a licitação, nos termos do art. 25 da Lei 8.666/93, para fins de licitação, sendo necessário, apenas que se prove tal fato e se faça a distinção entre os serviços técnicos profissionais generalizados e os serviços técnicos profissionais especializados, onde se incluem nesta casta os serviços relativos a: “estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; pareceres, perícias e avaliações em geral; assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; e as restauração de obras de arte e bens de valor histórico”, pois ao se referir à notória especialização, no bojo do § 1º do art. 25, temos o reconhecimento público da alta capacidade técnica, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, que permita concluir que o seu trabalho é essencial e, indiscutivelmente, o mais adequado à situação real. Naturalmente não estamos falando da natureza dos serviços que não estejam marcados pela singularidade ou notória especialização. Pois, os trabalhos rotineiros que configuram a temática de domínio comum, não representam um acervo técnico, para fins da dispensa de licitação. Isto posto, a notoriedade profissional está além da habilitação profissional em um Conselho Federal representativo de uma categoria, por ser a proclamação da fama consagradora do profissional ou da pessoa jurídica, no campo de sua especialidade, ou seja: é o indiscutível e notório valor do acervo técnico na sua especialidade. Logo, este intangível que compõe o fundo de comércio, deve estar presente nos seus registros contábeis.

O art. 31 da Lei 8.666/93 determina que na documentação relativa à qualificação econômico-financeira, incluem-se o balanço patrimonial (texto não atualizado) e as demonstrações contábeis do último exercício social, portanto, nele deve estar inclusa a avaliação monetária do acervo técnico. O §1º do referido artigo determina que ”A exigência de índices limitarse-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato, vedada a exigência de valores mínimos de faturamento anterior, índices de rentabilidade ou lucratividade”.

É deveras importante que se possa realizar o enquadramento deste acervo técnico nas demonstrações contábeis como um ativo intangível, aviamento/fundo de comércio, para que estas situações específicas sejam reveladas e surjam para atender às necessidades dos fornecedores de créditos e dos investidores, além das hipóteses previstas legalmente, inclusive a do antigo balanço patrimonial contida no CC/2002, art. 1.188. Assim, as demonstrações devem conter e exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como, as disposições das leis especiais, indicará distintamente, o ativo e o passivo, portanto, deve o balanço indicar o ativo fundo de comércio, formado pelo acervo técnico, destinado à exploração da atividade. Sua base é um laudo de avaliação feito por perito em contabilidade, para a mensuração monetária de sua utilidade econômica.

Como bem destaca o Professor Wilson, em obra citada “ A teoria pura da contabilidade identifica alguns requisitos básicos para que se efetue o reconhecimento contábil de um acervo técnico, como elemento do fundo de comércio, pelo método holístico, conforme segue:

1) A posse do acervo técnico, com uma relação de imediatidade de seu uso; 2) O valor de utilidade do acervo técnico para o exercício da empresa; 3) O nexo causativo entre: a condição (elementos do estabelecimento empresarial, nele incluso o acervo técnico); a causa (os negócios jurídicos); e o efeito (o lucro superior à remuneração mínima de 6% do ativo operacional).

Sem a avaliação desses ativos, inclusive com a possibilidade de reavaliação e avaliação negativa, as empresas estarão assistindo o derretimento do seu valor.”

O ativo intangível é um bem que deve ser ativo para que possa ser utilizado em atos negociais da empresa envolvida, pois com o passar dos tempos ele se constitui no maior ativo delas, o que se conclui em muitas empresas que com o passar dos anos tornam-se gestoras de macas, como no caso da Nike, Telefunken entre outras marcas já consagradas.

Registra, e identificar é fundamental, evitando que tais valores sejam deteriorados antes de um destino comercial para o mesmo.

Num mundo cada vez mais digital, o valor da empresa estará cada vez mais nos seu ativos intangíveis, quantifica-los e protege-los é tarefa fundamental para evitar o perecimento do negócio, em tempos de crise, pois no acervo pode bem estar a saída em uma Recuperação Judicial, ou em uma nova parceria capaz de recuperar o negócio.


Charles M. MachadoCharles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi  palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@charlesmachado.adv.com.br


Imagem Ilustrativa do Post: Canteiro de obras do Aeormovel // Foto de: Trensurb // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/trensurb/6795898241/

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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