É possível afirmar sob o ponto de vista histórico que o desenvolvimento da agricultura nunca esteve, como agora, condicionado à garantia de sustentabilidade ecológica.
A gestão pública no desenvolvimento rural, resguardadas algumas poucas exceções, ao longo do tempo, foi permissiva quanto as práticas rurais insustentáveis ambientalmente.
A insustentabilidade pode ser apurada na medida em que o Estado foi responsável comissivo ou omissivo pelas seguintes práticas:
- O Estado não interferiu no processo de expansão das áreas de cultivo, “permitindo” a realização de desmatamentos;
- O Estado financiou, por meio de recursos oriundos de bancos públicos, a produção agrícola intensiva, mecanizada e com uso de agrotóxicos;
- O Estado “incentivou” a monocultura em detrimento do zoneamento da produção agrícola;
- O Estado “autorizou”, em nome do desenvolvimento econômico e da geração de emprego e renda, a intervenção devastadora no meio ambiente;
- O Estado o “promoveu” o incremento da agricultura intensiva e da produção em larga escala e;
- O Estado manteve-se “inerte” (i) quanto ao fomento das culturas agrícolas extensivas, (ii) quanto às práticas agrícolas sustentáveis de produção de alimentos e (iii) quanto a fixação do homem no campo e a preservação do meio ambiente
Afigura-se que o Estado, embora possa parecer estranho, desenvolveu políticas públicas direcionadas para a insustentabilidade rural, com claro viés de natureza desenvolvimentista, atendendo mais o ambiente econômico do que socioambiental.
A mudança de paradigma: o desenvolvimento rural sustentável.
Atualmente, porém, vive-se uma realidade diferente. A partir da Conferência de Estocolmo, em 1973, quando houve um acirramento entre aqueles que defendiam o prosseguimento do desenvolvimento a qualquer preço, mesmo pondo em risco a própria natureza e a existência humana e os partidários das questões ambientais e preservacionistas. A relação entre a agricultura e o meio ambiente passou, paulatinamente, a ser tratada com arrimo no princípio do ecodesenvolvimento. Amazile López Netto[1], sobre o tema, afirma que o ecodesenvolvimento é um estilo de desenvolvimento adaptado para áreas rurais do Terceiro Mundo, baseado na utilização criteriosa dos recursos locais.
A ideia de ecodesenvolvimento evoluiu rapidamente, dando lugar ao conceito de desenvolvimento sustentável. O termo foi proposto por Maurice Strong e, em seguida, ampliado pelo economista Ignacy Sachs, que, além da preocupação com o meio ambiente, incorporou as devidas atenções às questões sociais, econômicas, culturais, de gestão participativa e ética.[2]
Segundo Ignacy Sachs, citado por Amazile Lópes Netto[3], para que o desenvolvimento rural atenda as diversas dimensões de sustentabilidade, exige-se a presença de seis aspectos:
(a) a satisfação das necessidades básicas;
(b) a participação do público alvo;
(c) a conservação do meio ambiente;
(d) a elaboração de um sistema social que garanta empregos;
(e) a segurança social e o respeito a outras culturas, e
(f) a existências de programas de educação.
Com Maurice Strang e Ignacy Sachs a ideia de desenvolvimento ultrapassou a dimensão econômica, incluindo aspectos sociais, culturais, políticos e ambientais; provocando uma revisão no planejamento e na aplicação prática do desenvolvimento rural. Assim, o desenvolvimento sustentável passou a ser compreendido como:
- Aquele que atende ás necessidades do presente e que não compromete o atendimento das necessidades das futuras gerações e
- Aquele que combate à pobreza por meio do desenvolvimento econômico.
Nesse contexto, o Estado passou a ser o agente responsável pela fixação de parâmetros legais de sustentabilidade; pela revisão das políticas públicas e modelos de desenvolvimento rural, pelo financiamento de boas práticas ambientais no desenvolvimento da agricultura; pela educação ambiental. Ou seja, houve a inversão do polo de atuação do Estado através de políticas públicas que exigiram a pratica de uma gestão empreendedora para inibir o desenvolvimento rural em desequilíbrio com o meio ambiente e para garantir o crescimento econômico rural a partir da premissa da sustentabilidade.
Acerca da participação do Estado no desenvolvimento de políticas públicas na área ambiental, Mariana Mazzucato[4], discuti a importância do Estado na consolidação da revolução industrial verde, propondo que o Estado seja responsável por impulsionar e transformar a infraestrutura energética atual em energia limpa. A autora Italiana explica que a revolução industrial verdadeira pressupõe o uso de novas tecnologias, a constituição de empresas inovadores e o apoio constante e sistemático do Estado. E, por fim, que a sustentabilidade, por sua vez, exige uma transição energética que coloque a tecnologia de energia limpa, não poluente, na linha de frente, afastando, progressivamente, a dependência de energia/combustível fóssil e nuclear por energia limpa.
As premissas elevadas por Mariana Mazzucato, quanto ao papel do Estado, de igual forma, são aplicáveis no desenvolvimento rural sustentável. Primeiro em razão de que o Estado é o responsável por impulsionar e transformar a infraestrutura agrícola do país. Segundo, pelo fato de que o Estado deve fomentar, constantemente, a cultura da preservação ambiental, da educação ambiental, da agricultura sustentável e responsável e da valorização e fixação do homem no campo, inclusive por meio da agricultura extensiva e familiar. Terceiro que, sucessivamente, o Estado deve buscar a produção de alimentos saudáveis.
Conclusão.
A constituição de políticas públicas verdes pressupõe a efetiva participação do Estado como agente indutor, responsável por fomentar ações e práticas que sejam capazes de alcançar o homem do campo e da cidade, as indústrias e a agricultura.
No campo da agricultura, verificou-se que a participação do Estado pode assemelhar-se à figura de um algoz do meio ambiente, através da estruturação de políticas públicas voltadas apenas para agricultura de intensiva, voltada para atender o grande mercado e com a utilização de práticas danosas ao ecossistema (desmatamento, poluição dos rios por agrotóxico, etc.), ou benigno à natureza, empreendendo e implementando políticas públicas voltadas para desenvolvimento rural sustentável.
Notas e Referências
[1] LÓPES NETTO, Amazile. Políticas públicas para o desenvolvimento rural sustentável em ambientes de montanha no Brasil e na Argentina. 2013. 167 f. Tese (Doutorado em ciência, tecnologia e inovação agropecuária. Universidade Rural do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2013.
[2] Ecodesenvolvimento. Disponível em http://www.ecodesenvolvimento.org/ecodesenvolvimento - acesso em 07 de setembro de 2017
[3] LÓPES NETTO, Amazile. Políticas públicas para o desenvolvimento rural sustentável em ambientes de montanha no Brasil e na Argentina. 2013. 167 f. Tese (Doutorado em ciência, tecnologia e inovação agropecuária. Universidade Rural do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2013.
[4] MAZZUCATO, Mariana. Estado empreendedor. Desmascarando o mito do setor público vs o setor privado. Tradução Elvira Serapicos. 1ª ed. São Paulo: Portfolio Penguin, 2014.
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