O pagamento por Serviços Ambientais no Brasil

26/05/2019

Introdução[1]

Carlos Minc (Ex-Ministro do Meio Ambiente), escreveu que é necessário inverter a lógica de que cortar e vender dá dinheiro (por exemplo cortar uma floresta e vender a madeira), para a visão de que na conservação ambiental também é possível ganhar dinheiro.

A lógica da conservação pressupõe reconhecer a existência de valor na inter-relação entre todos os seres vivos e os seres existentes, a partir de uma visão ecocentrica, indicando a necessidade do estabelecimento de um equilíbrio entre a natureza e o Ser Humano. A percepção da existência de uma mutua interdependência entre os seres, aliada a necessidade do desenvolvimento sustentável, exigiu a construção de mecanismos que fossem capazes de imbricar os produtores de recursos naturais (produtor recebedor) com os consumidores de serviços ambientais, em uma lógica econômica que valorizasse, monetariamente, àqueles que desenvolvessem ações para a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas.

Dentre os diversos modelos de instrumentos econômicos, o pagamento por serviços ambientais – PSA é o mais difundido e abrangente, podendo ser definido como sendo uma transferência de recursos entre diversos atores sociais, utilizando incentivos para organizar as decisões sobre o uso da terra e a gestão dos recursos naturais.[2] A lógica do pagamento por serviços ambientais, portanto, consiste na valoração econômica e monetária pela conservação e pela proteção da biodiversidade e dos ecossistemas, ou seja, tomando em consideração a água, por exemplo, todos consumidores de água deveriam pagar certo e determinado valor para os produtores de água.

A importância do pagamento por serviços ambientais está no fato de que o modelo permite a geração de renda sem a intervenção exauriente ou insustentável do ambiente e dos recursos naturais, especialmente no meio rural, local em que há forte contestação por parte dos produtores para manutenção de áreas protegidas.

Entretanto, o tema comporta polémicas de gestão, como (a) a forma do cálculo da remuneração; (b) quem seria o usuário-pagador  e quem seria o produtor-recebedor; (c) a impossibilidade de pagar por um “serviço” que todos deveriam fazer, compreendendo que a proteção do meio ambiente é uma obrigação de todos; (d) como seria a cobrança, por meio de imposto ou taxa, a exemplo do ICMS Ecológico; (e) o dinheiro seria destinado diretamente para o produtor de serviços ecossistêmicos ou para um fundo voltado para conservação ambiental.

O presente artigo apresentará algumas questões relacionadas com a gestão (governança) que orbitam o modelo econômico de pagamento por serviços ambientais.      

A genealogia do modelo pagamento por serviços ambientais e a ausência de gestão.

A genealogia do modelo de pagamento por serviços ambientais remete ao bioma da Amazônia, aos movimentos sociais e o sistema Proambiente; este qualificado como um sistema de incentivo socioecológico voltado para a implementação de um novo modelo de gestão da terra e dos recursos naturais para a região da Amazônia.

O Proambiente, concebido através das organizações não governamentais para o meio ambiente, representou um importante marco teórico e prático, tendo motivado importantes debates sobre o tema “modelos econômicos” de conservação ambiental no Brasil, porém, não logrou êxito, pois, concebido pelos movimentos sociais não chegou ao patamar de programa de governo, perdendo força, em especial, perdendo financiamento por ausência de gestão.

A gestão do pagamento por serviços ambientais na federação e a ideia de uma legislação federal.

A ideia de criação de uma lei federal sobre pagamento por serviços ambientais (Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais – PNPSA), embora possa parecer uma medida adequada e importante para a gestão ambiental, é vista como um problema pela sociedade civil e especialistas. O projeto de lei n.º 276/2013 (autor Blairo Maggi), por exemplo, que pretende regulamentar o art. 41 do Código Florestal, responsável por instituir o modelo econômico de Pagamento por Serviços Ambientais no Brasil, dispõe:

Art. 41. É o Poder Executivo federal autorizado a instituir, sem prejuízo do cumprimento da legislação ambiental, programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente, bem como para adoção de tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais, como forma de promoção do desenvolvimento ecologicamente sustentável, observados sempre os critérios de progressividade, abrangendo as seguintes categorias e linhas de ação.

O avanço do Código Florestal em tratar do assunto é louvável, mesmo que tenha sido tardio, porém, a crítica decorre do fato de que há muita dificuldade na implementação de um único formato do sistema para Estados e Municípios com tanta diversidade social, econômica, política e ambiental. Aliais, a imposição normativa da União sobre os demais entes da federação é um problema que orbita as questões ambientais, sem exagero, desde sempre; tendo atenuado com a edição da Lei Complementar n.º 140/2011. Portanto, a ideia de um modelo legal rígido, imposto pela União, em uma federação frágil, em que Estados e Munícipios possuem pouca autonomia e pouco poder, pode acabar engessando uma importante ferramenta de sustentabilidade.

Essa também é a opinião de FERREIRA, Mariana; RUGNITZ, Marcos e KLEMZ, Cláudio[3], quando afirmam que a instituição de um programa federal estruturado com recursos captados de um fundo federal, gerenciado por uma instituição financeira também federal, pode representar um obstáculo a iniciativas regionais (estaduais e municipais) e privadas já existentes, pois, o ideal e mais estratégico seria a criação de um programa “nacional” que estabelecesse as bases para o florescimento e a disseminação de iniciativas regionais e locais.

A função da gestão no sistema de pagamento por serviços ambientais.

Segundo FERREIRA, Mariana; RUGNITZ, Marcos e KLEMZ, Cláudio, a gestão ou governança de uma política pública acerca do sistema de pagamento por serviços ambientais deve perpassar pela atenção aos seguintes elementos:

  • Assegurar mecanismos para alinhamento com as políticas e legislações vigentes;
  • Garantir a coerência com programas nacionais, estaduais, regionais e municipais de recuperação, conservação da biodiversidade e combate ao desmatamento;
  • Garantir a coerência entre iniciativas públicas e privadas federais, estaduais e municipais específicas do tema;
  • Garantir alocação de recursos (humanos e financeiros) e transparência nas transações de todos os processos associados;
  • Garantir a adequada representação dos usuários e provedores na tomada de decisão referente ao sistema.

Vê-se, que na eventual edição de uma norma, o fundamental é que a legislação seja aberta, flexível e capaz de albergar as políticas públicas estaduais e municipais e, ainda, as práticas realizadas pela iniciativa privada.

Conclusão.

O pagamento por serviços ambientais é um instrumento previsto no Código Florestal e que precisa ser ultimado em toda a federação. Porém, pelas linhas gerais apresentadas, foi possível compreender que a aplicação do modelo de pagamento por serviços ambientais não exige apenas a regulamentação do art. 41 do Código Florestal por uma Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, precisa, antes de tudo, de uma política pública inclusiva e dialógica.

O modelo de pagamento por serviços ambientais, embora repleto de interrogações quanto à aplicação e o funcionamento, mostra-se um sistema capaz de melhorar as condições de sustentabilidade na medida em que se propõe a inverter a lógica econômica de exploração e rendimentos monetários da propriedade, em especial a propriedade privada.

Por fim, restou demonstrado, mais uma vez, que o modelo federativo do Brasil é um entrave para a execução das políticas ambientais

 

Notas e Referências

[1] Artigo escrito a partir das provocações oriundas da disciplina economia e política de recursos naturais e meio ambiente, ministrada pelo Professor Peter H. May, no programa de pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

[2]Boletim da sociedade brasileira de economia ecológica. Edição instrumentos econômicos para conservação da biodiversidade e serviços ecossistêmicos, n.º 32/32, 2014. Artigo: a ascensão do pagamento por serviços ambientais no Brasil: negociando uma governança policêntrica.  

[3] Boletim da sociedade brasileira de economia ecológica. Edição instrumentos econômicos para conservação da biodiversidade e serviços ecossistêmicos, n.º 32/32, 2014. Artigo. Caminho do meio: proposta para operacionalização da política nacional de pagamento por serviços ambientais. 

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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