O PACOTE ANTICRIME: O ROUBO COM FACA NO TEMPO

06/03/2020

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Ouça a leitura do artigo!

O chamado Pacote Anticrime – Lei 13964/19 promoveu diversas mudanças na nossa legislação, alterando o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execução Penal e diversas leis extravagantes. Na coluna de hoje, pretendemos enfatizar uma das mudanças que ocorreram no Código Penal, mais especificamente no crime de roubo.

É que, nos últimos anos, o crime de roubo passou por duas significativas mudanças, acarretando uma curiosa alteração relativa ao emprego de arma branca para a sua execução. Se entendermos que as mudanças legislativas decorrem de profunda reflexão do legislador, sob os aspectos social e técnico, teremos dificuldade para compreender a lógica de tais mudanças. Sabemos como funciona o legislador no nosso país, o qual nem sempre efetiva mudanças nas nossas leis com a reflexão necessária. De toda forma, vamos tentar entender o que ocorreu nos últimos anos com o crime de roubo praticado com arma branca.

Historicamente, desde a elaboração do nosso Código Penal, o legislador não fazia qualquer distinção entre os roubos praticados com arma de fogo ou com arma branca. Isso porque o art. 157, § 2º, I, do CP, previa a causa de aumento de pena de um terço até metade, quando a violência ou a grave ameaça – indispensáveis à caracterização do roubo – era exercida com emprego de arma. Ao utilizar o vocábulo arma sem maior explicação, o legislador abarcava a arma de fogo e a arma branca. Não havia qualquer dúvida nesse sentido.

Ocorre que a Lei 13654/18, que entrou em vigor no dia 24 de abril de 2018, foi elaborada com o propósito de conferir uma resposta penal mais acentuada àqueles que praticam o roubo. Para tanto, a mencionada lei revogou o art. 157, § 2º, I, do CP, e criou o art. 157, § 2º-A, I, do CP, passando a prever a causa de aumento de pena de dois terços quando a violência ou a grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo.

Isso significa que foi excluída a causa de aumento de pena no caso de emprego de arma branca, embora tenha sido agravada a causa de aumento de pena no caso de emprego de arma de fogo, que era de um terço até metade e passou a ser de dois terços.

É muito pouco provável que o legislador tenha pretendido, àquela época, tornar menos grave o roubo praticado com arma branca. Acreditamos que, com o propósito de agravar a resposta penal para o roubo praticado com arma de fogo, o legislador se equivocou e esqueceu que a redação anterior, ao se referir apenas à arma, abarcava a arma branca, enquanto a nova redação, ao especificar a arma de fogo, excluía a arma branca.

Na prática, alguém que praticasse o roubo com faca até 23 de abril de 2018 tinha uma resposta penal mais gravosa do que a pessoa que praticasse o roubo com faca a partir de 24 de abril de 2018. Além disso, é claro que, em se tratando de norma penal mais benéfica, a nova redação retroagiria para favorecer aqueles que praticaram o roubo com faca antes da vigência da Lei 13654/18. Não custa lembrar que mencionamos a faca para facilitar o exemplo, mas é claro que o conceito de arma branca abrange outros instrumentos, como punhal, canivete etc.

Diante dessa solução inusitada, o legislador promoveu nova alteração no roubo através da Lei 13964/19 – Pacote Anticrime, que entrou em vigor em 23 de janeiro de 2020, criando o art. 157, § 2º, VII, do CP, voltando a prever a causa de aumento de pena de um terço até metade, quando a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca.

A mencionada lei efetivou outras mudanças no crime de roubo, inclusive aplicando a pena prevista no art. 157, caput, do CP, em dobro, quando o roubo é praticado com arma de fogo de uso restrito ou proibido, mas isso é tema para outro texto, já que o presente texto se destina a abordar o roubo praticado com arma branca especificamente.

Por isso, a confusão legislativa envolvendo a arma branca pode ser assim resumida: (i) para crime praticado até 23 de abril de 2018, a causa de aumento de pena é de um terço até metade; (ii) para crime praticado de 24 de abril de 2018 até 22 de janeiro de 2020, não há causa de aumento de pena; (iii) para crime praticado a partir de 23 de janeiro de 2020, a causa de aumento de pena é de um terço até metade.

Todavia, como a norma penal mais benéfica deve retroagir, a situação criada pela Lei 13654/18 deve retroagir para favorecer aqueles que praticaram roubo com arma branca antes da sua vigência, o que cria situações curiosas. Por exemplo, um roubo praticado com faca até 23 de abril de 2018 e julgado atualmente merece um tratamento mais benéfico. A lei da época do crime e a lei da época do julgamento preveem a causa de aumento de pena de um terço até metade. Mas houve um período, desde a época do crime até a época do julgamento, no qual não existia a causa de aumento de pena, por força da Lei 13654/18. Portanto, o agente será julgado pela prática de roubo simples, mesmo quando havendo causa de aumento de pena na época do crime e na época do julgamento.

Para concluir e facilitar a compreensão da confusão legislativa criada, convém lembrar o seguinte: (i) se o roubo com faca ocorreu antes de 23 de janeiro de 2020, não se aplica a causa de aumento de pena, ainda que a mesma existisse à época da prática do crime; (ii) se o roubo com faca ocorreu a partir de 23 de janeiro de 2020, aplica-se a causa de aumento de pena de um terço até metade.

Resta aguardar para ver se o legislador vai promover alguma outra alteração no roubo.

 

Imagem Ilustrativa do Post:handscuffs // Foto de: KlausHausmann // Sem alterações

Disponível em: https://pixabay.com/en/handcuffs-caught-crime-sin-921290/

Licença de uso: https://pixabay.com/en/service/terms/#usage

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura