O PACOTE ANTICRIME: O ROUBO COM ARMA DE FOGO NO TEMPO

13/03/2020

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

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Dando continuidade aos textos que estamos escrevendo sobre o Pacote Anticrime – Lei nº 13964/19, abordaremos neste estudo as alterações que o crime de roubo com arma de fogo tem sofrido nos últimos anos. Nesse sentido, houve duas alterações significativas nos anos de 2018 e 2019, as quais produzem interessantes repercussões de ordem prática.

Desde a elaboração do nosso Código Penal, o legislador previu a incidência da causa de aumento de pena de um terço até metade no caso de roubo praticado com emprego de arma. Em verdade, o art. 157, § 2º, I, do CP, previa a mencionada causa de aumento de pena, quando a violência ou a grave ameaça – indispensáveis à caracterização do roubo – era exercida com emprego de arma. Ao utilizar o vocábulo arma sem maior explicação, o legislador abarcava a arma de fogo e a arma branca. Não havia qualquer dúvida nesse sentido.

Entretanto, o Código Penal foi alterado pela Lei nº 13654/18, que entrou em vigor no dia 24 de abril de 2018, com o propósito de conferir uma resposta penal mais aguda àqueles que praticam o roubo. Com esse propósito, a referida lei revogou o art. 157, § 2º, I, do CP, e criou o art. 157, § 2º-A, I, do CP, passando a prever a causa de aumento de pena de dois terços quando a violência ou a grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo.

Então, o panorama é simples de entender. O agente que praticou o roubo com arma de fogo até 23 de abril de 2018 tinha a sua pena exasperada de um terço até metade, enquanto o agente que praticou o roubo com arma de fogo a partir de 24 de abril de 2018 tinha a sua pena exasperada em dois terços. Em se tratando de norma penal mais grave, é evidente que a mudança provocada pela Lei nº 13654/18 não podia retroagir.

Ocorre que a Lei nº 13964/19, que trouxe o Pacote Anticrime, deu tratamento ainda mais gravoso no caso do roubo praticado com arma de fogo de uso restrito ou proibido. Isso porque foi incluído o art. 157, § 2º-B, no Código Penal, cuja redação é a seguinte: se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo.

Portanto, a partir da vigência do Pacote Anticrime, ou seja, a partir de 23 de janeiro de 2020, o agente que praticou o roubo com arma de fogo de uso restrito ou proibido recebe um tratamento ainda mais grave, sendo evidente que a mencionada norma penal mais grave não pode retroagir.

É importante lembrar que a arma de fogo é classificada como de uso permitido, de uso restrito ou de uso proibido de acordo com o art. 2º do Decreto nº 9847/19, o qual – ao regulamentar a Lei nº 10826/03 – prevê a mencionada classificação adotando os critérios técnicos nele previstos. São levados em conta as características das armas propriamente ditas.

Convém fazer tal registro porque, na nossa ótica, a equiparação feita no art. 16, § 1º, da Lei nº 10826/03, não deve ser levada em conta no momento da incidência da causa de aumento de pena prevista para o crime de roubo.

Em outras palavras, se o agente foi surpreendido com uma arma de fogo de uso permitido com numeração raspada, ele não responderá pela prática do crime previsto no art. 14, caput, da Lei nº 10826/03, cuja pena é de dois a quatro anos de reclusão e multa. O agente responderá pela prática do crime previsto no art. 16, § 1º, IV, da Lei nº 10826/03, cuja pena é de três a seis anos de reclusão e multa. Isso significa que terão respostas penais idênticas o agente que é surpreendido com uma arma de fogo de uso permitido com numeração raspada e o agente que é surpreendido com uma arma de fogo de uso restrito.

Dessa maneira, na Lei nº 10826/03, a referida equiparação decorre de simples opção do legislador, não se levando em conta a classificação da arma de fogo propriamente dita. Mas, de outro lado, no Código Penal, é expressamente levada em conta a classificação da arma propriamente dita, ou seja, uma arma de fogo de uso permitido – ainda que com a sua numeração raspada – deve receber um tratamento menos rigoroso do que uma arma de fogo de uso restrito.

Apenas para organizar os níveis de respostas penais relativas aos crimes de roubo praticados com arma, é possível estabelecer o quadro que segue abaixo.

(i) se o roubo for praticado sem emprego de arma: art. 157, caput, do CP, com pena de quatro a dez anos de reclusão e multa.

(ii) se o roubo for praticado com arma branca: art. 157, § 2º, VII, do CP, com pena de quatro a dez anos de reclusão e multa, incidindo a causa de aumento de pena de um terço até metade.

(iii) se o roubo for praticado com arma de fogo de uso permitido – ainda que com a sua numeração raspada: art. 157, § 2º-A, I, do CP, com pena de quatro a dez anos de reclusão e multa, incidindo a causa de aumento de pena de dois terços.

(iv) se o roubo for praticado com arma de fogo de uso restrito ou proibido: art. 157, § 2º-B, do CP, com pena de quatro a dez anos de reclusão, incidindo a causa de aumento de pena equivalente ao dobro.

Esse é o panorama que se apresenta como decorrência do Pacote Anticrime, sendo fundamental observar que, com relação ao roubo praticado com emprego de arma branca, a aplicação da lei no tempo impõe a observância dos cuidados sobre os quais falamos em texto próprio[1], sempre valendo a regra constitucional[2] que impede a aplicação retroativa de norma penal mais gravosa.

 

Notas e Referências

[1] COUTO, Ana Paula; COUTO, Marco. O pacote anticrime: o roubo com faca no tempo. Empório do Direito. Disponível em: https://emporiododireito.com.br. Acesso em: 6 mar. 2020.

[2] Art. 5º, XL, da Constituição Federal: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

 

Imagem Ilustrativa do Post: arma de fogo // Foto de: stevepb // Sem alterações

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