O ônus da prova no registro de ponto por exceção

12/11/2019

Com o fim de trazer ao mercado preceitos da chamada “Liberdade Econômica”, o Poder Executivo, em 20/09/2019 promulgou a Lei nº 13.874 de 2019, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado e dá outras providências.

No entanto, a referida legislação também é tida como uma “mini” reforma trabalhista, pois traz em seu bojo alterações importantes nas relações de trabalho, tais como a carteira de trabalho eletrônica e a obrigação para que somente as empresas com mais de 20 empregados tenham registro formal do horário de trabalho. Anteriormente, aliás, a CLT previa essa obrigação para empresas com mais de 10 empregados.

O ponto mais polêmico da novel legislação, contudo, é a inserção de um §4º no art. 74 da CLT com a seguinte redação: “Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.

O chamado registro de ponto por exceção é a forma de anotação, no controle de jornada, somente do período em que o trabalhador laborar em jornada extraordinária.

Antes da previsão legal, o Judiciário trabalhista agia com certa resistência na declaração da validade de tal mecanismo de anotação da jornada de trabalho, pois tal sistema iria de encontro com o disposto no §2º do art. 74 da CLT, que dispunha e ainda dispõe que o registro da jornada deve ser “da hora de entrada e de saída”.

Neste sentido:

CONTROLE DE PONTO POR EXCEÇÃO. INVALIDADE. OFENSA AO ARTIGO 74, § 2º DA CLT. O art. 74, § 2º, da CLT, que determina a anotação dos horários de entrada e saída do empregado, é norma de ordem pública, sendo, portanto, inadmissível a celebração de instrumento coletivo que vise suprimir tal obrigação. O intuito do dispositivo legal é possibilitar a fiscalização do cumprimento das normas de duração do trabalho, o que não é alcançado se a empresa efetua o lançamento automático da jornada contratada.(TRT-3 - RO: 00334201405403002 0000334-72.2014.5.03.0054, Relator: Convocado Antonio Carlos R.Filho, Quinta Turma, Data de Publicação: 07/11/2016).

O TST vinha decidindo pela invalidade das normas coletivas que autorizavam a adoção do registro de ponto por exceção, sob também a alegação de que as disposições quanto aos horários de entrada e saída também serviriam à fiscalização do trabalho:

HORAS EXTRAS. DISPENSA DO REGISTRO DA JORNADA. MODALIDADE DE CONTROLE -POR EXCEÇÃO-. NORMA COLETIVA. O art. 7º, inc. XXVI, da Constituição da República não atribui validade a toda e qualquer cláusula negocial, mas tão somente àquelas firmadas em harmonia com as demais normas do ordenamento jurídico. Na hipótese, a obrigatoriedade de o empregador registrar o horário de entrada e de saída de seus empregados está contida no art. 74, § 2º, da CLT e, por representar preceito inerente à fiscalização do trabalho por parte do Estado, constitui norma de ordem pública infensa à negociação coletiva. (...) Recurso de Revista de que se conhece em parte e a que se dá provimento. (TST - RR: 155006820085010036 15500-68.2008.5.01.0036, Relator: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 11/09/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/09/2013)     

Consigna-se, porém, a divergência deste entendimento principalmente na 4ª Turma do TST, a qual, recentemente, havia decidido pela legalidade do controle de horário por exceção nos casos de previsão em norma coletiva, como nos julgamentos dos Recursos de Revista nº TST-RR-2016-02.2011.5.03.0011 e nº TST-RR-1001704-59.2016.5.02.0076.

Apesar disso, nos referidos casos a ratio decidendi se pautava na possibilidade de estipulação de regras específicas para as relações de trabalho de determinada categoria (no caso concreto pela modalidade de controle de jornada) por norma coletiva, prevalecendo o acordado sobre o legislado. Note-se que este entendimento foi consolidado com a Lei nº 13.467/2017 que acrescentou na CLT o art. 611-A, inciso X (Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: X - modalidade de registro de jornada de trabalho).

Por outro lado, a exceção quanto ao § 2º do art. 74 já ocorria quanto ao intervalo intrajornada, pois haveria a possibilidade de pré-assinalação do seu período, fazendo até mesmo que o ônus da prova da não fruição do intervalo recaísse sobre o trabalhador.

No entanto, com a alteração trazida pela chamada da Lei da Liberdade Econômica, o sistema de anotação formal da jornada por exceção passa a ter validade, podendo ainda ser acordado com o trabalhador de forma individual escrita, mas também por convenção coletiva e acordo coletivo de trabalho.

Diante da referida norma, a questão que se mostra relevante é saber de quem é o ônus de prova quando o obreiro requer a condenação do seu empregador no pagamento de horas extras quando a anotação de jornada se faz por exceção?

Pelas disposições legais sobre o ônus da prova, o reclamante tem a incumbência de comprovar o fato constitutivo de seu direito e a reclamada a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante, conforme incisos I e II do art. 818 da CLT.

Portanto, tendo como base a regra anterior onde não se aceitava a anotação da jornada formal por exceção, diante do pedido de pagamento de horas extras pelo reclamante, caberia a ele a prova do trabalho em sobrejornada e à reclamada a sua contraprova.

Todavia, o que se firmou na jurisprudência, quando o empregador possuía mais de 10 empregados (atualmente 20), é que em razão da sua obrigação em manter o registro forma do horário do trabalhador ele teria o ônus de trazer aos autos o controle de jornada e, portanto, o ônus da prova passou a ser da reclamada.

A reclamada, dessa forma, seria a mais apta a produzir a referida prova, pois o trabalhador não teria acesso aos documentos, de porte obrigatório do empregador.

JORNADA DE TRABALHO. HORAS EXTRAS. ÔNUS DA PROVA. Diante da apresentação dos cartões de ponto com marcações variadas de jornada, o ônus de demonstrar a realização de horas extras e invalidar os documentos cabe ao trabalhador (art. 818 da CLT e Súmula 338 do TST).

(TRT-4 - ROT: 00216959420165040007, Data de Julgamento: 03/09/2019, 5ª Turma)

Quando se regulamenta a jornada de trabalho por exceção, o trabalhador só tem a incumbência de registrar o seu horário de trabalho nos períodos em que se ativou em jornada extraordinária, ou seja, fora do horário contratual. Somente nesses casos o empregador tem a obrigação de manter consigo os documentos.

Assim, a reclamada acaba não sendo a parte mais apta a produzir a prova documental, até mesmo porque este documento pode não existir, considerando a situação em que o trabalhador não tenha realizado nenhuma hora extra no período de prestação de serviços.

Diante disso, a reclamada só possui o ônus da prova de comprovação documental que a jornada por exceção foi pactuada, seja de forma individual ou coletiva, ao passo que o trabalhador continua com o ônus de comprovar a atuação em sobrejornada.

O empregador pode se valer de um sistema de frequência do seu trabalhador, ou seja, onde ele só registra a presença no local de trabalho, mas sem demonstrar o seu horário de entrada e saída. O mesmo poderá ocorrer com relação às ausências e férias gozadas durante o contrato de trabalho.

Nessas situações, ele deverá apresentar este documento em juízo, pois poderá ser utilizado como comprovação dos dias efetivamente trabalhados e poderá ser utilizado como parâmetro de eventual condenação.

Chama a atenção a hipotética possibilidade em que o julgador estará diante da chamada prova dividida, ou seja, situações em que ambas as partes conseguem produzir a prova de suas alegações e o magistrado não consegue verificar quem está realizando afirmações inverídicas.

Em tais situações, é comum que o julgamento ocorra pela distribuição do ônus da prova, ou seja, em desfavor de quem detinha o ônus da prova.

Assim, diante de um processo em que o empregado laborou com o controle por exceção, e não tendo o empregador juntado documentos nos autos sob alegação de não ocorrência de horas extras, em caso de prova dividida a reclamada será absolvida do pedido de horas extras.

No entanto, o julgador poderá, dentro do seu poder de direção processual, na forma do art. 370 do CPC, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito e se valer de outros meios como, por exemplo, acesso a câmeras da empresa, registro do acesso por crachá, extrato do uso do vale transporte, etc, tudo em busca da realidade dos fatos.

O fato é que tais mudanças, como essas advindas com a Lei nº 13.874/2019, apenas reforçam a ideia de aumento do dinamismo nas relações de trabalho, sendo evidente a necessidade de tempo e prática na aplicação das novas normas por parte dos empregadores, empregados, entidades sindicais, operadores do Direito e da sociedade como um todo, a fim de integrarem adequadamente ao ordenamento jurídico em consonância com os princípios de proteção ao trabalhador.

 

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