O novo paradigma do Processo Civil Brasileiro

31/07/2015

Por Alexandre de Castro Nogueira - 31/07/2015

Foi aprovado o Novo Código de Processo Civil brasileiro, Lei 13.105, em de 16 de março de 2015, porém o que não se destacou devidamente na imprensa e nas publicações especializadas é que se trata do primeiro texto legal que regula o processo civil no Brasil formatado dentro de um Estado Democrático de Direito, pois os outros dois, Decreto-Lei 1.608, de 18 de Setembro de 1939, período em que vigorava o Estado Novo comandado por Getúlio Vargas, e o que fora instituído pela Lei 5.689, de 11 de Janeiro de 1973, em período de plena Ditadura Militar (Lei ainda em vigor), como visto, vieram à luz em períodos de exceção[1].

Então, finalmente, temos uma Lei que trata sobre regras e princípios de condução da grande maioria dos processos judiciais em curso no Poder Judiciário brasileiro, tudo sob a égide de uma Constituição construída com um DNA de uma Democracia.

Esta nova Lei também colocou o Brasil no rol de países que, na última quadra histórica, modernizaram o seu arcabouço legal que trata sobre o Processo Civil, como fez a Espanha em 2000 quando instituiu a LEC 001/2000 e do Japão que em 1996 reformou a sua legislação que trata deste tema.

Não seria sem noção dizer que a nova legislação tem o mesmo sentido da mudança introduzida na legislação espanhola, que desnudou a sua intenção na parte VIII da exposição de motivos ao afirmar que “El objeto del processo civil es assunto con diversas facetas, todas ellas de gran importância”, colocando em seguida “En esta Ley, la matéria es regulada en diversos lugares, pero el exclusivo propósito de las nuevas reglas es resolver problemas reales, que la Ley de 1881 no resolvia ni facilitaba resolver”.[2]

Vê-se que o interregno entre a legislação anterior e a reforma, na Espanha, é bem maior do que a brasileira, porém os problemas que se vislumbram no sistema tupiniquim são bem mais relevantes, além das inúmeras mudanças que nosso país passou nesse mesmo período de tempo.

Oportunidade melhor não se teria para se consolidar avanços significativos, delimitando-se o objeto do processo civil, o foco litigioso, não podendo se pensar em ampliação da atuação do processo, pois esse não pode passar da afirmação de um direito que vai a apreciação do Poder Judiciário para que o mesmo possa se concretizar no mundo das coisas, vez que quem delimita o objeto do processo é a declaração de vontade posta em uma petição colocada à apreciação do Poder Judiciário.[3]

Obviamente que toda a ritualística processual deve guardar congruência com o respeito, por óbvio, aos princípios, consagrados constitucionalmente, que devem reger o processo, sendo, pois, o tal objeto do processo, um dos grandes debates da ciência processual mundo a fora, devendo se deixar no passado alguns “princípios” que conferiam total autoridade ao julgador para proferir um julgamento, como o do Livre Convencimento do Juiz.

As mudanças na legislação processual fazem com que tenhamos  uma legislação que, em parte, busca esmiuçar alguns princípios constitucionais, como o do contraditório e da ampla defesa, estabelecendo paradigmas concretos para o devido processo legal, nesse sentido se observa, por exemplo, o conteúdo do art. 10 da nova legislação, que diz: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

Certamente, o conteúdo desse texto legal tem relação com a boa prática jurisprudencial e busca frear um protagonismo judicial que se estabeleceu no Brasil depois da década de 70 (período em que se estabeleceu o CPC em vigor) e não se amainou com a Carta Democrática Constitucional de 1988.

O novo CPC obriga, pois, então, a uma nova reflexão sobre o processo civil no Brasil, de uma maneira macro, pois o texto que está por entrar em vigor avisa que não há mais como conviver com um protagonismo judicial que privilegie as impressões pessoais de um julgador, informa que o direito nem sempre se coaduna com o “achar” daquele que o Estado coloca para resolver as contendas postas ao Judiciário.

Novos paradigmas estão postos, desta feita dentro do próprio texto legal, como bem demonstra o art. 926 do novo CPC ao estabelecer que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”

É notório que “A coerência a qual o texto se reporta assegura a igualdade, isto é, diversos casos terão igual consideração por parte do Poder Judiciário”[4], constituindo uma verdadeira aplicação do princípio constitucional da igualdade, porém, muitas vezes não observado na prática processual civil hodierna.

Finalmente, teremos um marco legal concreto tratando sobre esse tema e estabelecendo uma base a ser observada pelo julgador. De maneira que, caso o juiz pense em estabelecer uma posição pessoal em detrimento da prática jurisprudencial estabelecida em um determinado Tribunal, teremos um parâmetro legal para rechaçar a arbitrariedade, vez que a integridade tratada pelo texto da nova lei se trata de uma virtude política que significa aversão ao autoritarismo judicial. Entrará em vigor, pois, um texto legal em que o julgador deve estabelecer a consciência histórica e considerar a facticidade de cada caso.[5]

É indiscutível que o novo Diploma Processual Civil se trata de uma conquista que busca colocar o Direito no seu devido lugar, impedindo que os Tribunais digam o que é e o que não é direito, que construam novos direitos sem o filtro democrático necessário, não sendo adequado, do ponto de vista do sistema judicial, se estabelecer parâmetros que não sejam adequados ao texto constitucional.

Necessário, pois, se respeitar a profundidade proposta por esse novo texto e se elevar a discussão doutrinária que deve permear o tema, saindo um pouco das propostas rasas que cursos prêt-à-porter oferecem e reconhecer a necessidade de se partir para aplicação daquilo que é pregado pela crítica hermenêutica do direito, uma vez que as inovações aqui descritas nada mais são do que a chegada do conteúdo desta doutrina na legislação contemporânea.

Os novos tempos, pelo menos no Direito Processual Civil, chegaram e não há mais como se afirmar que há Direito sem Filosofia, sem paradigmas filosóficos. Não se pode mais, dentro deste novo paradigma trazido pela nova legislação processual civil, cultuar a filosofia da consciência.

É isso que o novo Processo Civil consigna e, para o bem desse ramo do Direito, só precisamos, embora se trate de uma luta árdua, enquanto doutrina, aceitar os novos tempos e deixar velhas práticas que favorecem posições dogmáticas no passado.   


Notas e Referências:

[1] STRECK, Lenio Luiz. A Critica Hermenêutica do Direito e o novo Código de Processo Civil: apontamentos sobre a coerência e a integridade. In: STRECK, Lenio Luiz, ROCHA, Leonel Severo da, ENGELMANN, Wilson (Org.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: anuário do programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado: n. 11. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; São Leopoldo: UNISINOS, 2014. p. 157-168.

[2] RIBEIRO, Darci Guimarães Ribeiro. Objeto do Processo e objeto do debate: dicotomia essencial para uma adequada compreensão do novo CPC. In: STRECK, Lenio Luiz, ROCHA, Leonel Severo da, ENGELMANN, Wilson (Org.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: anuário do programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado: n. 11. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; São Leopoldo: UNISINOS, 2014. p. 43-66.

[3] Idem

[4] STRECK, Lenio Luiz. A Critica Hermenêutica do Direito e o novo Código de Processo Civil: apontamentos sobre a coerência e a integridade. In: STRECK, Lenio Luiz, ROCHA, Leonel Severo da, ENGELMANN, Wilson (Org.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: anuário do programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado: n. 11. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; São Leopoldo: UNISINOS, 2014. p. 157-168.

[5] Idem


ale nogueira

Alexandre de Castro Nogueira é Advogado Militante, Mestre em Direito Público (UNISINOS-RS), Doutorando em Direito (UNISINOS-RS) e Procurador da INFRAERO.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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