O novo mundo rural, o crescimento das cidades e os impactos ambientais

05/08/2018

Introdução

Dados de pesquisas científicas indicam que o abismo entre as cidades urbanas e as comunidades agrícolas diminuiu. Aspectos econômicos e sociais indicam que as dicotomias entre a cidade e campo mudaram de paradigma, exigindo uma revisão de conceitos técnicos, jurídicos e ambientais. Segundo informações da revista FAPESP[1], o meio rural foi impactado com a presença de atividades ligadas à prestação de serviços, à indústria, ao turismo e ao lazer; resultando em um espaço territorial caracterizado por um mosaico, capaz de congregar atividades genuinamente agrícolas (agropecuária e agricultura) e atividades ligadas à vida urbana, como o comercio e a indústria.    

Em 1950, 64% dos brasileiros viviam na zona rural, nas contas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Vinte anos depois, com a modernização da agricultura e a migração em direção às cidades, este percentual caiu para 44%. Nos anos 1980, no entanto, as estatísticas surpreenderam: apesar da queda no emprego agrícola, a população rural ocupada crescia, sinalizando que um profundo processo de mudanças no campo estava em curso. Mais duas décadas e o novo cenário se delineou: a agropecuária moderna e a agricultura de subsistência estavam dividindo espaço com atividades ligadas à prestação de serviços, à indústria, ao turismo e ao lazer, tornando cada vez menos nítidos os limites entre o rural e o urbano no país. E o processo mostrou-se inexorável: os últimos dados disponíveis (2009) dão conta de que 44,7% dos brasileiros que residem na zona rural têm renda proveniente de atividades não agrícolas, sendo que em São Paulo esse percentual atinge a impressionante marca de 78,4%.

Definitivamente, os dados indicam que no Brasil não se pode reduzir o mundo rural ao mundo agrícola e, por via reflexa, que as políticas públicas devem ser repensadas à luz da realidade social, econômica e ambiental, que mistura hábitos e necessidades do universo urbano dentro do território rural.

Dentro desse conceito, dilemas urbanos e mazelas agrícolas se misturam numa profusão de problemas sem solução jurídica, pois, a legislação brasileira não conhece e não tipifica espaços territoriais que sejam, ao mesmo tempo, rurais e urbanos. Trata-se do espeço batizado pelos pesquisadores de rurbano – expressão cunhada por projeto de pesquisa datado de 1997, a partir da análise das séries históricas dos dados da (Pnad) Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. 

O espaço rurbano, embora seja uma realidade presente em diversos países desenvolvidos do mundo, mostra-se, no Brasil, um desafio urbanístico e ambiental.

O novo mundo rural.

O novo mundo rural não pode ser fantasiado e muito menos tratado apenas com a docilidade do universo nostálgico da infância. O crescimento das cidades em direção ao território rural trouxe o desenvolvimento de atividades econômicas, importantes para a população e, também, impactos diretos na qualidade do ambiente.

O ambiente rural, outrora eminentemente despoluído e verde, com a chegada das novas ocupações e atividades econômicas passou a sofrer com a falta de infraestrutura para fazer frente aos problemas de ordem estrutural, como é o caso da destinação de resíduos sólidos, do fornecimento de energia elétrica e do tratamento de água e esgoto.

A ruralidade moderna, nascida como uma alternativa de qualidade de vida, carece de regulamentação adequada, que favoreça o entendimento sobre os direitos e as obrigações ambientais. Não é embalde destacar que a ausência de legislação que regulamente os espaços de crescimento das cidades em ambientes rurais, tem permitido supressões vegetais indevidas, instalação de sociedades empresárias sem licença ambiental e o nascimento de loteamentos clandestinos, sem a urbanização, sem o fornecimento de água e sem o tratamento do esgoto.

Se de um lado o meio rural deixou de ser apenas agrícola, agregando pluralidade de atividades, combinando trabalho tipicamente conhecido no meio urbano, como o comércio (restaurantes, supermercados), a indústria (manufatura de produtos agrícolas através da agroindústria) e o turismo, em especial o turismo ecológico; o mesmo espaço, a contrário sensu dos dados históricos relativos ao movimento de migração e êxodo rural, recebeu um incremento populacional conhecido como commuting, ou seja, o meio rural passou a receber uma população de trabalhadores com residência na cidade, um fenômeno típico dos grandes centros urbanos, com a dissociação entre o local de moradia e o local de trabalho.

As mudanças no meio rural, dada a ausência de planejamento, impactaram na cultura, modificando hábitos e tradições das comunidades típicas; na economia, pois, a indústria rural passou a produzir de alimentos a vestuário; no trabalho, a falta de formação básica acabou por gerar o fenômeno do desemprego, e no meio ambiente, a depleção ocorreu pela implementação de estruturas habitacionais e industriais sem licença ambiental, pela supressão de vegetação nativa para construção de sítios, chácaras ou para implementação de parques temáticos de lazer e, também, pela geração de resíduos sólidos ou esgoto sanitário/industrial.

O crescimento das cidades em direção ao território rural.

O Brasil do passado consolidou um crescimento urbano desestruturado e sem planejamento, colhendo problemas sociais e ambientais de difícil e cara solução, pois, em regra, ao contrário do que se gostaria, representam espaços de dor, violência, poluição e desagregação social. 

Após a Constituição Federal de 1988, com a introdução da obrigação das cidades criarem o Plano Diretor Municipal e da edição do Estatuto da Cidade, o Brasil passou a experimentar um novo modelo de desenvolvimento e organização das cidades, um modelo pautado no planejamento e na estruturação de serviços; um modelo participativo e inclusivo, com audiências públicas e soluções urbanas pensadas a partir de uma nova compreensão da função da cidade. 

O resultado do processo histórico de surgimento e crescimento das cidades brasileiras, portanto, é a mistura da ressaca da desordem com a política de planejamento estrutural sem recurso financeiro. A questão, entretanto, é que embora a Constituição comemore em 2018, trinta anos de edição, a implementação e a efetivação das políticas urbanísticas ainda são tímidas, quando comparadas às chagas e aos problemas sociais sem solução.

As cidades brasileiras, majoritariamente, sob o ponto de vista urbano, não atendem a função social e ambiental, intrinsecamente ligada a qualidade de vida dos habitantes. No Brasil, as cidades não acolhem e não cuidam dos cidadãos; as cidades crescem apenas com o olhar econômico e sob a batuta dos interesses gananciosos do mercado; as cidades estão privadas de espaços públicos de convivência e, tragicamente, as cidades representam um campo de guerra, abandonado e repleto de bombas, pois, há por todos os lados um exército de zumbis desempregados, sem moradia, sem comida e sem dignidade; a população convive, a cada dia com tiros de bala perdida, com os deslizamento de terra em morros e encostas, com o alagamento de ruas e com toda a sorte de poluição (sonora, visual e atmosférica).

Nesse contexto, o avanço da cidade em direção ao meio rural, antes de representar uma solução, pode se caracterizar como um elemento de desagregação do espaço rural, ampliando para as cidades interioranas ou para os territórios rurais os problemas insolúveis dos grandes centros urbanos. 

É necessária a pronta revisão dos marcos regulatórios que circundam o entrelaçamento entre o meio urbano e o meio rural, alterando o paradigma que separa ou isola os ambientes, passando a trata-los como espaços híbridos e, portanto, com especificidades que exigem legislação e políticas públicas próprias.

Conclusão.

A imbricação entre o espaço artificial das cidades e o território natural do meio rural, requer atenção da sociedade e do Poder Público para o fato de que o ambiente rural deve ser compreendido como território, maximizando a análise do tecido social, da econômica e do meio ambiental natural e cultural. Para FAVARETO & VEIGA (2010, pg. 90/91)[2], a ideia de territórios rurais permite justamente entrever as possibilidades de se tornar uma unidade de análise onde a urbanização crescente e dominante encontre diferentes formas de uso social dos recursos naturais. Segundo os autores, apenas nessas condições é possível conciliar os múltiplos interesses do novo desenvolvimento rural com a conservação dos atributos naturais, culturais e paisagísticos.

 

Notas e Referências 

[1] Disponível em http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/08/22/o-brasil-rural-n%C3%A3o-%C3%A9-s%C3%B3-agr%C3%ADcola/. Acesso em 02 de ago. 2018.

[2] FAVARETO, Arilson; VEIGA, José Eli da. Critica aos paradigmas do desenvolvimento rural e a emergência da abordagem territorial. In: RIBEIRO, Wagner Costa (Org). Rumo ao pensamento crítico socioambiental. São Paulo, FAPESP, 2010.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Paisagem Rural // Foto de: Rubem Porto Jr // Sem alterações

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