O NOVO CRIME DE PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO E AUTOMUTILAÇÃO

09/01/2020

Sancionada pelo Presidente da República e publicada no D.O.U. em 27 de dezembro de 2019, a Lei nº 13.968/19 alterou a redação do art. 122 do Código Penal, tipificando também a participação em automutilação, passando o crime a se chamar “Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação”.

Assim ficou descrita a prática delitiva:

“Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

§1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§3º A pena é duplicada:

I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil;

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

§4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real.

§5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual.

§6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código.

§7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código.”

Com relação ao suicídio, como sendo a deliberada destruição da própria vida, o ordenamento penal brasileiro não o pune, por impossibilidade de aplicação de sanção, e nem tampouco a tentativa dele, por razões de política criminal. Merece ser lembrado, ainda, o princípio da alteridade (“altero”), segundo o qual não deve ser considerada crime a conduta que não viole bem jurídico alheio (de outrem), de modo que pratica fato atípico aquele que ofende bem jurídico próprio. A participação em suicídio, entretanto, é punida nos termos da lei.

Já a automutilação ("cutting") consiste em comportamento intencional envolvendo agressão direta ao próprio corpo sem intenção consciente de suicídio. Assim como ocorre com o suicídio, o ordenamento jurídico brasileiro também não pune a automutilação ou autolesão. O que a lei penal pune, a partir da entrada em vigor da Lei nº 13.968/19, é a conduta de induzir, instigar ou prestar auxílio material para que alguém pratique a automutilação.

A objetividade jurídica do reformulado delito é a proteção do direito à vida e do direito à integridade corporal.

Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, excluindo-se, evidentemente, aquele que se suicida ou tenta matar-se e aquele que se automutila. De acordo com o disposto no § 5º, aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual.

Referidas disposições novas, constantes do crime, vieram exatamente com o intuito de punir comportamentos perniciosos de pessoas inescrupulosas que, via internet e/ou redes sociais, procuram induzir, instigar ou auxiliar crianças ou adolescentes a se automutilarem, criando jogos ou grupos virtuais, com desafios e tarefas que, em últimas consequências, levam os participantes até mesmo ao suicídio.

Todos nos recordamos do famoso jogo virtual chamado de “Desafio da Baleia Azul”, que, em 2017, acabou por levar uma jovem russa ao suicídio.

Sujeito passivo é a pessoa capaz de ser induzida, instigada ou auxiliada a se suicidar ou a se automutilar. O sujeito passivo deve ter capacidade de discernimento. No caso de suicídio, não tendo a vítima capacidade de discernimento (por problemas mentais, idade tenra etc), estará caracterizado o crime de homicídio (ex.: agente convence um doente mental a se suicidar – responderá por homicídio). No caso de automutilação, sendo a vítima desprovida de capacidade de discernimento, o agente responderá por crime de lesão corporal dolosa (leve, grave, gravíssima ou seguida de morte).

A conduta típica vem expressa pelos verbos induzir, instigar ou prestar auxílio ao suicídio ou à automutilação. Trata-se de tipo misto alternativo. Assim, embora o agente pratique mais de uma conduta típica (ex.: induza e auxilie materialmente o suicídio ou a automutilação), responderá por apenas um crime.

Enquanto o induzimento e a instigação constituem modalidades de participação moral, o auxílio ao suicídio ou à automutilação pressupõe a participação material do agente, como expressamente previsto na lei, ou seja, o fornecimento de meios para alcançar o objetivo desejado, como o empréstimo do punhal, do revólver, da faca etc.

Cuida-se, ademais, de crime de forma livre, que pode ser praticado de qualquer modo pelo agente. Entretanto, dispõe o §4º que a pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real.

No que se refere ao elemento subjetivo do tipo, trata-se de crime doloso caracterizado pela vontade livre e consciente de induzir, instigar ou auxiliar materialmente a vítima na prática do suicídio ou da automutilação. Não há forma culposa do crime de participação em suicídio ou em automutilação.

O crime se consuma com a mera prática das condutas de induzir, instigar ou prestar auxílio material, independentemente do resultado morte (suicídio) ou lesão corporal (automutilação). Trata-se de crime formal, que não requer a ocorrência do resultado naturalístico para a sua consumação.

Assim, mesmo que a vítima não sofra nenhuma lesão corporal, ou sofra apenas lesão corporal de natureza leve, em razão da tentativa de suicídio ou da automutilação, o crime estará consumado, ficando o agente sujeito à pena de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Ocorrendo tentativa de suicídio, com resultado lesão corporal de natureza grave ou gravíssima (art. 129, §§1º e 2º, do CP), o crime restará  qualificado pelo resultado , punido com reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos. Ocorrendo morte, a pena será de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos. O mesmo se dá no caso de automutilação.

Na redação anterior do art. 122 do Código Penal, não se admitia a tentativa de participação em suicídio, pois a lei condicionava a punibilidade do crime à ocorrência de lesão corporal de natureza grave ou morte.

A partir da nova redação do crime, determinada pela Lei nº 13.968/19, passa a ser admissível a tentativa, em tese. Efetivamente, embora se trate de crime formal, cuja consumação ocorre independentemente do resultado naturalístico (suicídio ou automutilação), é plenamente possível a tentativa de induzimento, de instigação e de auxílio material ao suicídio ou à automutilação. No caso de auxílio material, suponha-se que o agente tenha a sua trajetória interrompida pela polícia, justamente quando se dirigia a um local previamente combinado com a vítima, onde lhe entregaria o veneno para esta dar cabo da própria vida, ou o artefato com o qual se daria a automutilação. Nesse caso, o agente responde por tentativa de auxílio material ao suicídio ou a automutilação. Já no caso de auxílio moral (induzimento ou instigação), suponha-se a hipótese de ter o agente encaminhado à vítima, por meio virtual, gravação de áudio, vídeo ou escrito contendo nítido conteúdo incitante ou estimulante de suicídio ou automutilação, conteúdo esse ao qual a vítima acaba não tendo acesso por circunstâncias alheias à vontade do agente.

A ação penal no crime de participação em suicídio ou em automutilação é pública incondicionada, com iniciativa privativa do Ministério Público.

Com relação ao procedimento, algumas observações são cabíveis, já que, com a redação dada ao dispositivo pela Lei nº 13.968/19, não se pode considerar que o crime seja, em sua integralidade, classificado como doloso contra a vida.

Efetivamente, o induzimento, instigação ou auxílio material ao suicídio é inegavelmente um crime doloso contra a vida, sujeito ao procedimento do Júri, previsto nos arts. 406 e seguintes do Código de Processo Penal. O mesmo se diga da hipótese prevista no §7º do dispositivo em comento.

Entretanto, no caso de induzimento, instigação ou auxílio material à automutilação, o bem jurídico protegido não é a vida, mas a integridade corporal da vítima, daí porque não se trata de crime sujeito ao procedimento do Júri, cabendo ao juízo comum o seu processo e julgamento, nos termos dos arts. 394 e seguintes do Código de Processo Penal. Isso se aplica também à participação em automutilação com resultado morte (§2º), que se trata de crime preterdoloso ou preterintencional, em que o dolo do agente se volta à automutilação, ocorrendo a morte como resultado não pretendido, exceção feita à hipótese do §7º, em que a lei expressamente determina que o agente responda pelo crime de homicídio, previsto no art. 121 do Código Penal.

De acordo com o disposto no §3º do art. 122, a pena cominada ao delito é duplicada se o crime é praticado por motivo egoístico, que seria, por exemplo, o caso de o agente induzir a vítima a se suicidar para ficar com a sua herança, por motivo torpe, que é o motivo abjeto, repugnante, de acentuada reprovabilidade social, e por motivo fútil, que é o motivo de somenos importância, insignificante, reles; e se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. No caso de menoridade da vítima, a doutrina não é unânime em estabelecer qual idade deveria ser considerada, havendo orientação majoritária no sentido de tratar-se de maior de 14 e menor de 18 anos, por interpretação sistemática de outros dispositivos penais análogos, observadas as disposições dos §§ 6º e 7º.

Dispõe, ainda, o §6º do art. 122 que, se o crime de participação em suicídio ou automutilação resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 do Código Penal, ou seja, crime de lesão corporal de natureza gravíssima.

O §7º do mesmo artigo estabelece que, se o crime de participação em suicídio ou automutilação com resultado morte é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 do Código Penal.

 

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