O novo CPC: questões sobre a execução de alimentos – Por Rosa Benites Pelicani

02/05/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

1. INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil de 1973 foi por diversas vezes reformado e inseriu o cumprimento de sentença. Em nenhum momento, porém, o legislador se debruçou sobre a execução da prestação alimentícia para adaptá-la ao novo regramento, como também para prever expressamente a execução de título extrajudicial que estabelecesse o dever de prestar alimentos.

O novo Código de Processo Civil superou a omissão do CPC/73 e abordou a execução de alimentos em dois momentos: como cumprimento de sentença (arts. 528 a 533) e como execução de título extrajudicial (arts. 911 a 913).

Conquanto muito bem regrados esses dispositivos, algumas questões de ordem pragmática despontam sobre a execução de alimentos. Senão, vejamos: Qual o foro competente para a execução de alimentos de título extrajudicial? O portador do título extrajudicial poderia optar por ação de conhecimento? Ainda que de forma sucinta, procurar-se-á responder a essas questões.

2. Qual o foro competente para a execução de alimentos de título extrajudicial?

O novo Código de Processo Civil manteve a regra de privilégio de foro em relação ao domicílio ou residência do alimentando (art. 53, II) reproduzindo sem alterações o art. 100, II, do CPC atual.

Deve ser preservado o entendimento de prevalência dessa regra em casos de cumulação com o reconhecimento de paternidade (Súmula 1 STJ) e com a petição de herança[1].

No cumprimento de sentença ou de decisão que condena ao pagamento de alimentos, o exequente poderá promovê-lo no juízo do seu domicílio (art. 528 § 9º). Vale dizer, não precisará executar o título judicial nos próprios autos em que ocorreu a condenação.

Enfim, o inciso II do art. 53 do novo CPC fixa como competente o domicílio ou residência do alimentando para a ação em que se pedem alimentos. O cumprimento de decisão provisória far-se-á em autos apartados (art. 531 § 1º). O cumprimento da sentença definitiva que condena ao pagamento de alimentos far-se-á nos mesmos autos (art. 531 § 2º) ou no juízo do atual domicílio do exequente (art. 528 § 9º).

Mas, e quanto à execução de título executivo extrajudicial que estabeleça o pagamento de alimentos? Qual o foro competente para a propositura da ação de execução?

No capítulo da execução de alimentos fundada em título executivo extrajudicial não há menção à competência. O art. 781 do novo CPC estabelece regras gerais para a execução do título extrajudicial que diferem das regras especiais do art. 53, inciso II. Pelas regras gerais a execução seria proposta no foro do domicílio do executado e pelas regras especiais a execução seria proposta no foro do domicílio do exequente.

Mais uma vez é preciso que o intérprete busque os métodos destacados pela doutrina para obter uma resposta à questão da aplicação da norma.

Ensina Celso Ribeiro Bastos[2] que o método lógico também denominado teleológico procura destacar a finalidade da lei (mens legis), ou ainda, o seu espírito. Busca-se ressaltar, nesse método, o bem jurídico tutelado pela lei, ou melhor dizendo, o valor nela versado.

Destaca, ainda, Maria Helena Diniz[3], que ao se interpretar a norma, deve-se procurar compreendê-la em atenção aos seus fins sociais e aos valores que pretende garantir.

Pois bem. O legislador ao estabelecer um foro privilegiado para as ações de alimentos, tutela o autor-credor de alimentos. Esse é o valor versado no art. 53, inciso II, que tanto se aplica à execução do título judicial, como à execução do título extrajudicial. Não seria lógico um tratamento diferente para as execuções de alimentos.

Outra reflexão é possível realizar-se diante dessa antinomia aparente. Aplicar-se-ia a regra geral ou a regra especial para estabelecer a competência para a ação de execução de alimentos fundada em título executivo extrajudicial?

Um dos critérios empregados para solução de antinomias é o da especialidade que visa a consideração da matéria normada. Para Bobbio[4], a superioridade da norma especial sobre a geral constitui expressão da exigência de um caminho da justiça, da legalidade à igualdade. Ter-se-á, então, de considerar a passagem da lei geral à especial, isto porque as pessoas pertencentes à mesma categoria deverão ser tratadas de igual forma e as de outras, de modo diverso.

Portanto, as pessoas da mesma categoria – credores de alimentos – deverão ter o mesmo tratamento – foro privilegiado – qualquer que seja a natureza do seu título executivo judicial ou extrajudicial.

Dessa feita, tem-se a resposta à segunda indagação: o foro competente para a execução de alimentos fundada em título executivo extrajudicial é o foro do domicílio ou da residência do alimentando, ou seja, do exequente. Mas, dado que se trata de foro privilegiado, nada impede o credor-exequente de abrir mão desse privilégio e optar pela regra geral do foro do domicílio do executado.

3. O portador do título extrajudicial poderia optar por ação de conhecimento?

Faz parte da praxe forense e algumas instituições que prestam assistência jurídica gratuita a observam, requerer a homologação judicial de acordo firmado sobre alimentos. Além de outras hipóteses, bastaria o acordo ser firmado também por duas testemunhas ou ser firmado também por advogados das duas partes para que se formasse um título executivo extrajudicial (art. 784 incisos III e IV NCPC). No entanto, no mais das vezes, preferem a obtenção de título executivo judicial.

Mas a questão que se propõe é: ainda que já seja portador de um título executivo extrajudicial se poderia o credor optar por uma ação de conhecimento. De pronto se poderia responder ser ele carecedor da ação de conhecimento por falta de interesse processual por inadequação do meio empregado.

Não é de hoje que é discutida a existência ou não da obrigatoriedade no manejo da ação executiva quando há título executivo extrajudicial, afirma José Henrique Mouta Araújo[5]. Acrescenta que o STJ possui precedente consagrando que não há impedimento legal para que o credor, possuidor de título executivo extrajudicial, se utilize do processo de conhecimento ou da ação monitória para a cobrança (AgRg no AREsp 197026/DF, 3ªT, rel. Min. Sidnei Beneti, j.27.11.2012, Dje 19.12.2012).

O novo Código de Processo Civil, pondo fim a essa discussão, estabelece que a existência de título executivo extrajudicial não impede a parte de optar pelo processo de conhecimento a fim de obter título executivo judicial (art. 785).

Cassio Scarpinella Bueno[6], por sua vez, afirma que a nova regra não tem razão de ser. Se há título executivo, diz ele, não há justificativa para pleitear, do Estado-juiz, tutela jurisdicional outra que não a executiva. Não há por que reconhecer “duas vezes” o direito aplicável ao caso, criando a partir de um título executivo (extrajudicial) um outro título executivo (judicial). De qualquer sorte, conclui, que não se trata de norma arredia ao “modelo constitucional do direito processual civil” e, nesse sentido, não há razão para deixar de ser usada na medida em que a prática do foro entenda-a útil.

Poder-se-ia cogitar do interesse do credor em pleitear um valor mais elevado de alimentos, em sede de ação de conhecimento, ainda que portador de título executivo extrajudicial. No mais, com fundamento no art. 4º da Lei 5.478/68, poderá obter, liminarmente, esse valor passível de cobrança imediata.

Demais dessa hipótese, poderia haver dúvida quanto ao preenchimento dos requisitos de um título executivo extrajudicial (liquidez, certeza e exigibilidade – art. 783 NCPC). A opção pela ação de conhecimento afastaria eventual polêmica sobre o preenchimento desses requisitos.

É relevante destacar o princípio da disponibilidade da execução. A tutela jurisdicional não é e não poder ser prestada de ofício[7]. Prevalece a inércia da jurisdição que precisa ser provocada para que se manifeste qualquer que seja ela. Portanto, se o credor não quer promover a execução não se pode coagi-lo a fazê-lo por esse meio. Resta-lhe a opção pelo processo de conhecimento que não pode ser negada pelo Estado-juiz.

Enfim, respondendo à segunda indagação, é de se afirmar ser possível a propositura de ação de conhecimento, ainda que o autor seja portador de título executivo extrajudicial, em consonância com o princípio da disponibilidade da execução.


Notas e Referências:

[1] Flávio Tartuce, O novo CPC e o direito civil, p. 429.

[2] Hermenêutica e interpretação constitucional, p. 60.

[3] Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 426.

[4] Apud Maria Helena Diniz, op. cit., p. 481.

[5] Breves Comentários do novo Código de Processo Civil, p.1801.

[6] Novo Código de Processo Civil anotado, p. 484.

[7] Cassio Scarpinella Bueno, Curso, p. 52.

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3ª ed. rev. e ampl. – São Paulo: Celso Bastos, 2002.

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

________________________ Curso sistematizado de direito processual civil – tutela jurisdicional executiva, 3. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2007.

TARTUCE, Flávio. O novo CPC e o direito civil – Impactos, diálogos e interações. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. DIDIER JR., Fredir. TALAMINI, Eduardo. DANTAS, Bruno. Coordenadores. Breves Comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.


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