O nome fictício e os limites da prevenção

04/03/2015

Por José Cesar Coimbra - 04/03/2015

Sobre a decisão judicial de permitir o uso de nome fictício materno a fim de evitar a possibilidade de bullying

Em junho de 2014 os principais jornais do país publicaram matérias sobre a decisão do TJPE de autorizar “um pai solteiro colocar o nome de uma mãe fictícia na certidão de nascimento do seu filho, um menino que adotou ainda bebê e atualmente tem três anos de idade. O pai recorreu à Justiça visando a evitar a possibilidade de bullying escolar ou no meio social”.

O assunto foi imediatamente replicado e debatido no grupo IPJ. Esse debate foi bom não apenas para que os participantes pudessem expressar suas opiniões e surpresas diante da decisão (que contou com a anuência do Ministério Público), mas também para o esclarecimento de algumas nuanças legais.

Uma dessas nuanças diz respeito ao artigo 18 da Convenção Americana de Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esses direitos, mediante nomes fictícios, se for necessário”. Esse artigo é invocado, bem como o artigo terceiro do ECA, como base para o atendimento da demanda.

No grupo foi argumentado que esse artigo, efetivamente, cria oportunidade para que crianças que venham a ser adotadas, mas que não possuam certidão de nascimento ou sobre as quais não se tenha informações sobre a família de origem, possam ter o nome dos pais (ou de um deles) na certidão de nascimento.

Ou seja, nesse caso, sobretudo se falarmos em recém-nascidos, a expectativa é de que tudo seja provisório, até que efetivamente a adoção ocorra e a certidão de nascimento ‘definitiva’, na qual figurará o nome do adotante (ou o nome dos adotantes) como pai/mãe, seja emitida. Se os nomes dos pais naturais forem desconhecidos, a certidão provisória será composta com nomes fictícios. Esse seria o contexto almejado pelo artigo da Convenção.

Interessante lembrar que situação análoga à descrita no parágrafo acima pode ocorrer no chamado ‘parto anônimo’, que oficialmente não existe no Brasil. No caso francês esse procedimento por muito tempo foi conhecido como ‘parto sob x’ e, pelo que se pôde verificar, não se opta pelo nome fictício dos pais. O ‘x’ em questão refere-se exatamente ao pai e à mãe desconhecidos, tratando-se, tal como descrito acima, de situação provisória dado que, usualmente, a criança será colocada em adoção tão logo seja possível.

Contudo, talvez o que mais chame a atenção no caso de Pernambuco seja a ideia de uma ‘prevenção primária radical’, a crença de que a emulação de um nome tornará impossível à criança a experiência que se pressupõe difícil.

Não existirão tantos outros elementos que poderiam contribuir para a dificuldade na vivência de inclusão pela qual a criança pode passar? Como controlar essas variáveis antecipadamente? Como saber que efetivamente o que foi demandado estaria na base de um problema para a criança? Antes: a família monoparental seria um problema?

Podemos continuar: Não seria a lida com as questões-limite aquilo que permitiria a constituição subjetiva e, eventualmente, mudanças sociais? Neste caso, a própria família em destaque expressa algo de novidade advinda de mudanças sociais, uma vez que se trata de família monoparental constituída pela via da adoção.

Esse campo porta diversos exemplos que mostram o quanto podemos nos surpreender e mudar: famílias com um pai e duas mães, famílias compostas por casais homossexuais, dentre outras situações, todas elas, sem dúvida, exigindo muito de todos os envolvidos.

Antoine Lazarus já nos falou sobre a fantasia de se imaginar a existência de uma prevenção primária ideal. Ele tinha em mente o uso de drogas, mas podemos pensar sobre isso aqui. A prevenção primária ideal seria aquela que tonaria impossível a própria experiência, aquela que permitiria o isolamento perfeito dos sujeitos frente àquilo que se apresentaria na vida como droga.

Seria isso possível?

Como escrito em outra oportunidade, Lazarus “aponta para a inviabilidade de tal proposição: a história apenas revela o malogro de tais experiências”.

Aqui, pautando-nos nessa advertência, indagamo-nos sobre a crença de que a Justiça poderia oferecer a proteção demandada, proteção total, proteção antecipada daquilo que mal se descortinou no horizonte.

Seria esse o papel da Justiça?

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Publicado originalmente em Cartas do Litoral: http://bit.ly/1K3W62F __________________________________________________________________________________________________________________ Sem título-17  

José César Coimbra é Doutor em Memória Social – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro / UniRio e Psicólogo no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

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